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STJ: contrato de união estável com separação total de bens sem registro público não produz efeitos perante terceiros
Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ concluiu que a união estável não produz efeitos perante terceiros quando não há registro público. Com base neste entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso especial em que uma mulher contestou a penhora de móveis e eletrodomésticos, que seriam apenas dela, para o pagamento de uma dívida de seu companheiro.
Para o STJ, o contrato particular de união estável com separação total de bens não impede a penhora de patrimônio de um dos conviventes para o pagamento de dívida do outro, pois tem efeito somente entre as partes.
A mulher alegou que firmou o contrato de união estável com separação total de bens com o devedor antes de comprar os itens. Conforme consta nos autos, o contrato foi celebrado quatro anos antes do deferimento da penhora, mas o registro público foi realizado somente um mês antes da efetivação da constrição.
As instâncias ordinárias consideraram que os efeitos do registro público da união estável não retroagiriam à data em que houve o reconhecimento de firma no contrato. Resguardaram, porém, o direito da embargante à metade da quantia resultante do leilão dos bens.
Efeitos futuros
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, destacou que a discussão não era exatamente sobre a irretroatividade dos efeitos do registro da separação total de bens pactuada entre os conviventes, mas a abrangência dos efeitos produzidos pelo contrato particular e por seu posterior registro.
Segundo a ministra, o artigo 1.725 do Código Civil estabeleceu que a existência de contrato escrito é o único requisito legal para que haja a fixação ou a modificação do regime de bens aplicável à união estável, sempre com efeitos futuros.
A relatora pontuou que o instrumento particular terá eficácia e vinculará as partes, independentemente de publicidade e registro, sendo relevante para definir questões internas da união estável, porém, "é verdadeiramente incapaz de projetar efeitos para fora da relação jurídica mantida pelos conviventes, em especial em relação a terceiros porventura credores de um deles".
Nancy Andrighi concluiu que o requerimento e o deferimento da penhora ocorreram antes do registro do contrato com cláusula de separação total de bens, que somente foi feito um mês antes da efetiva penhora dos eletrodomésticos – indicando que o registro foi uma tentativa de excluir da constrição que seria realizada os bens supostamente exclusivos da companheira.
Para a ministra, o fato de a penhora ter sido efetivada só após o registro público da união estável é irrelevante, pois, quando a medida foi deferida, o contrato particular celebrado entre a recorrente e o devedor era de ciência exclusiva dos dois, não projetando efeitos externos.
REsp 1.988.228.
Informalidade
O advogado Euclides de Oliveira, conselheiro da seção São Paulo do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM-SP explica que, por ser informal e prescindir de contratação escrita, a união estável distancia-se das exigências típicas do casamento.
“Neste, a solenidade é de rigor, pela exigência do papel passado, tanto na celebração quanto na estipulação do regime patrimonial entre os cônjuges. Na união estável predomina a informalidade, o ajuste liberto de papel, o que traz alguma insegurança e dificuldades para os conviventes em determinadas situações”, afirma.
O especialista pondera que, no recurso em exame, a controvérsia gira em torno do regime de bens aplicável, que era o da separação de bens, mas prevaleceu o regime da comunhão parcial para submissão à penhora em execução, exatamente por falta de registro do contrato e de sua ineficácia em relação ao credor.
“Com precisão, entendeu a turma julgadora que o recurso, com origem em embargos de terceiro movidos pela titular do bem penhorado, era ineficaz porque o contrato particular de mudança do regime de bens teve tardio registro, quando já havia sido determinada a penhora do bem titulado em nome da mulher embargante”, comenta Euclides.
Efeitos prospectivos
A decisão, acrescenta o advogado, embora não se refira propriamente à irretroatividade da alteração do regime de bens, prevê que os efeitos dessa alteração são somente “prospectivos” e sua oponibilidade em relação a direitos de outrem exige a publicidade inerente ao registro. “Não se especifica a forma desse registro, mas é admissível que se faça no cartório de títulos e documentos, como também no registro civil e no registro imobiliário da situação do bem a ser resguardado.”
“Foram citadas em suporte ao julgado as lições dos eminentes autores e dirigentes do IBDFAM, Flávio Tartuce e Rolf Madaleno, ressaltando a necessidade de publicização do regime de bens, via registro, a fim de resguardar os direitos de terceiros que não tiveram ciência da contratação feita na união estável”, pontua.
Segundo Euclides, é o que também acontece na alteração do regime de bens no casamento, com previsão no artigo 1.639, § 2º, do Código Civil, que depende de processo para autorização judicial, com expressa ressalva dos direitos de terceiros.
“A interpretação firmada no acórdão do STJ tem pontos de convergência com os casos de fraude à execução previstos no artigo 792 do Código de Processo Civil. O objetivo é o mesmo: evitar danos a terceiros interessados”, destaca o especialista.
O advogado ressalta a importância do julgado na planificação jurisprudencial dos direitos patrimoniais entre companheiros, "que se viram faceados aos dos cônjuges desde a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal – STF no RE 878.694-MG, que julgou inconstitucional o art. 1.790 do Código Civil, mandando aplicar a uns e outros, seja qual for a modalidade da entidade familiar, iguais ditames tanto na esfera do direito das sucessões como na órbita do direito de família. E por que não, também, na eleição dos regimes de bens e dos seus efeitos jurídicos em face de terceiros, seja qual for a espécie de entidade familiar?”
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