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Especial Consciência Negra - Luciana Brasileiro: "Não enxergamos que mortes covardes ocorrem todos os dias no Brasil"

Nesta semana, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM apresenta uma série de entrevistas especiais sobre o Dia da Consciência Negra, celebrado amanhã, sexta-feira, 20 de novembro. Membros do IBDFAM compartilham suas trajetórias na luta antirracista, destacando a importância do comprometimento de toda a sociedade com a causa.
A entrevista desta quinta-feira (19) para o Especial Consciência Negra é com Luciana Brasileiro, advogada, professora e vice-presidente da Comissão de Direito de Família e Arte do IBDFAM. Ela também já fez parte da diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, sempre lutando pela sensibilização das pessoas em relação à diversidade.
“Sou formada em Direito por uma universidade privada. Fui aluna bolsista ao longo de quase toda a minha jornada acadêmica. Depois, fiz mestrado e doutorado na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, aliando a experiência acadêmica à prática da advocacia”, comenta Luciana.
Estigmas sobre nordestinos
“Acho que toda pessoa nordestina, de alguma forma, já sofreu com o racismo ou com xenofobia. Mas classifico aqui como racismo, porque ainda existe um grande estigma em relação à região Nordeste em todos os aspectos”, avalia a advogada. Para além da diversidade racial e étnica em cada estado, a região comporta o maior percentual de pessoas que se declaram pretas (11,3%) ou pardas (63,2%) no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, divulgados em 2019.
O preconceito contra essa população é marcado por grandes falácias, segundo Luciana. “Ainda somos vistos através do estereótipo criado pelas pessoas ‘brancas’, de regiões mais favorecidas, como uma gente pobre, com menos acesso à educação, ‘preguiçosas’, em um discurso muito pronto, que decorre de muitas gerações.”
Em sua prática no Direito, a especialista busca caminhos para enfrentamento da discriminação. “Penso que a superação, neste caso, vem da possibilidade – oportunidades que tive o privilégio de alcançar – de usar minha voz com muita altivez para não me calar diante de injustiças”, pontua.
Machismo e misoginia
A discriminação por gênero também é enfrentada pelas profissionais do Direito e tem diversas camadas, de acordo com Luciana Brasileiro. Além das frases machistas e misóginas que encara no dia a dia, ela ressalta a baixa representatividade das mulheres nos lugares de poder.
“Já fui chamada ‘para florir mesa’ em debate, já recebi sugestão de colegas de trabalho, de fazer ‘uma dietinha’, já fui bastante interrompida ou tive minha fala explicada por homens que não aceitam que mulheres ocupem espaços públicos, já ouvi que estava num determinado cargo só para preencher uma cota.”
A advogada observa que, em Pernambuco, onde atua, nunca houve uma mulher na presidência da OAB regional. Além disso, só há uma desembargadora no Tribunal de Justiça de Pernambuco – TJPE, “que é todo composto por homens brancos”, como ela frisa. Também não há desembargadora do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF-5.
“De sorte que o discurso de meritocracia não é capaz de convencer quem compreende as violências estruturais diárias. Esses dados me atingem diretamente, na medida em que não me sinto contemplada por quem toma decisões diárias nas vidas coletivas”, afirma Luciana.
Função pedagógica
Para a advogada, o Dia da Consciência Negra tem função pedagógica, pois convida a uma luta que não deve ser restrita ao dia 20 de novembro. “O Brasil de 2020 tem revelado o grande abismo em que vivemos: um país dividido em quem tem e quem não tem absolutamente nada”, frisa Luciana.
“As pessoas menos favorecidas, que não tem acesso à saúde, educação, moradia digna, que são mortas cotidianamente, são em grande maioria, as pessoas negras. Estamos em 2020 e ainda há quem feche os olhos para essa realidade”, acrescenta a advogada. Segundo dados do Atlas da Violência divulgados em agosto, 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil em 2018 eram negras.
Para mudar esse cenário de extrema violência, é preciso que toda a sociedade esteja engajada em ouvir e dar voz à luta antirracista. Em maio, o assassinato de George Floyd, homem negro asfixiado até a morte por um policial branco, em Minneapolis, foi o estopim da onda de manifestações e denúncias contra a violência e a discriminação da população negra em vários países.
“Experienciamos um povo indo às ruas contra a morte covarde de um homem negro em um país estrangeiro, mas em verdade não enxergamos que mortes covardes ocorrem todos os dias, muitas vezes, no Brasil. Essas mortes parecem não importar e fazer essa reflexão é urgente”, defende Luciana.
Ela acrescenta: “Por que não nos importamos com os nossos negros mortos e escravizados? Em Pernambuco, durante a pandemia, o trabalho doméstico foi considerado serviço essencial e assistimos, paralisados, uma mãe perder seu filho, que caiu do nono andar de um prédio de elite, porque não pôde estar em casa se preservando dessa doença que já matou tantos e tantas”.
A educação deve ser o foco para que o racismo seja coibido em sua essência. “Falta assegurar a aplicação da norma que já existe. Está lá, no artigo 5º da Constituição Federal, a garantia de igualdade e me parece que o seu não uso, nesse sistema desigual e perverso passa por cada um dos cidadãos e cidadãs que o ignora”, pontua.
“Precisamos dar efetividade ao que já temos, olhar para o próximo com mais empatia, mas, mais do que isto, com o senso de responsabilidade que é viver coletivamente”, assinala Luciana Brasileiro.
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