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PESQUISA - Parto Anônimo no mundo
As estatísticas sobre os casos de abandono ou morte provocada de bebês recém-nascidos refletem que, apesar de uma enorme variedade de contraceptivos existentes no mercado e da legalização do aborto, que em alguns países pode ser realizado num prazo determinado, os filhos não desejados continuam sendo um problema na sociedade.
Por isso, em alguns países de língua germânica, há outras alternativas às mães que não querem abortar ou abandonar seu filho. Esses países oferecem opções que além de salvar a vida do bebê eximem as genitoras de qualquer responsabilidade judicial. Depois da criação das famosas ‘janelas-camas', em hospitais austríacos e alemães, onde a mãe pode depositar de forma anônima o recém-nascido, que posteriormente será dado em adoção, os hospitais da França e de Luxemburgo institucionalizaram o chamado parto anônimo.
Esta forma de ‘dar a luz', ‘accouchement sous X' (em francês ‘parto bajo equis'), permite que a mulher que não pode ou não quer o filho seja atendida de forma gratuita no hospital, durante toda a gravidez, sem ter de fornecer seu nome ou seus dados verdadeiros. Tendo sua identidade mantida em segredo, com um nome fictício, a grávida realiza o parto com todas as condições sanitárias necessárias. O problema é que a criança em questão não tem identidade até que seja adotada por uma família. A mãe ainda deve autorizar que o filho seja adotado, renunciando ao poder familiar, sem possibilidade de arrepender-se. Esse consentimento de dar o filho em adoção deve ser feito num certo período após o parto: Na Bélgica o prazo é de 2 meses após o parto; na Grã Bretanha de 6 semanas; na Alemanha e na França de 2 meses; o Código de Família estabelece que ‘o consentimento da mãe não será dado até que ela tenha se recuperado suficientemente depois do parto', a fim de que a mulher não esteja mais em estado puerperal.
O parto anônimo possui numerosos opositores e a Espanha erradicou de sua legislação. Nesse sentido, o Comitê dos Direitos das Crianças das Nações Unidas considera que o parto anônimo violenta o direito da criança de conhecer sua identidade.
- ONDE O PARTO ANÔNIMO É PERMITIDO:
Áustria
Estados Unidos: 28 dos 50 estados permitem
França
Itália
Luxemburgo
Bélgica
- FRANÇA
A França ocupa o segundo lugar mundial no tráfico de crianças na adoção internacional. Tais tráficos existem também, em menor escala, no interior do país. Quando a opinião pública descobriu a extensão do tráfico nesse setor a França passou a permitir o parto anônimo.
Contrariamente à grande maioria dos países europeus, a França permite o apagamento dos traços de identidade dos pais biológicos, tanto nas práticas de doação de gametas quanto na prática legal do parto anônimo.
Em 1993 foi instituída na França uma lei que dá à mulher o direito de dar à luz no anonimato - com assistência médica gratuita - e de interceptar qualquer contato com a criança depois de liberada para a adoção. Na certidão de nascimento, consta um "x" no lugar em que deveria estar o nome da mãe. Cerca de 400 mil franceses não sabem quem são seus pais biológicos.
Aproximadamente em 2002, desenvolveu-se um movimento de caráter social em defesa do direito de acesso às origens pessoais e contra a prática do parto anônimo, composta de pessoas concernidas pela questão (adultos nascidos em parto anônimo - " accouchement sous X " ; pupilos do Estado ; mães biológicas que deram à luz anonimamente e alguns pais adotivos), pesquisadores e profissionais, estabelecendo novas formas de intercâmbio entre essas categorias. Foi instituída uma central que coleta todos os dados disponíveis sobre pessoas que nasceram nessas condições, ajudando-as na descoberta de suas raízes.
O movimento conseguiu instaurar, em 2002, um direito "condicional " de acesso às próprias origens, os pais biológicos podendo registrar sua identidade enquanto segredo reversível ; mas o parto anônimo não foi abolido. A coleta de dados de identidade dos pais biológicos e o direito de acesso ao conhecimento das origens pessoais apareceriam, de acordo com os integrantes do movimento, como uma das condições que garantem o fundamento ético da adoção. Seria preciso reconsiderar a adoção em termos de aceitação de uma multi-paternidade, de desenvolvimento de "laços sociais em torno do nascimento" (Derrida) e mesmo de uma forma de solidariedade. A coerência jurídica levaria a modificar o conceito de adoção plena e a questionar o anonimato na doação de gametas.
Mas, se os pais biológicos não desejam o contato, nada pode ser feito pelo movimento. Há um caso em destaque na mídia, de uma francesa, Pascale Odièvre, de 37 anos, que há cinco anos tenta perante os tribunais conseguir o direito de saber quem é sua mãe verdadeira. Admitindo a dificuldade em conciliar os interesses de um filho que busca suas raízes biológicas e de uma mulher que escolhe dar à luz no anonimato, a Corte de Estrasburgo considerou a lei vigente na França como um bem. A decisão foi difícil, mas os juízes europeus acabaram indeferindo por dez votos contra sete a demanda da francesa.
A Corte Européia de Direitos Humanos, em 2003, também confirmou a vigência do parto anônimo na França, rechaçando o direito dos filhos adotivos de saber quem é sua mãe biológica. A sentença pode dar impulso à legitimação do nascimento anônimo também na Alemanha.
- ALEMANHA
Em 2002, por duas vezes foi protelado no Parlamento alemão o debate e a votação de projetos de lei que previam a introdução do direito ao parto anônimo. De acordo com esses projetos de lei, a mulher daria à luz sem revelar seu nome, o bebê seria entregue aos cuidados do juizado de menores, e a mãe teria oito semanas de prazo para se decidir, ao fim das quais a criança seria liberada para adoção.
Pela atual legislação alemã, quem ajuda num parto precisa cuidar também para que seja comunicado ao registro civil o nascimento e o nome da mãe. Por isso, mulheres prestes a dar à luz e que se encontrem num conflito extremo, nunca buscam ajuda médica ou de uma parteira.
Na tentativa de reduzir o número de bebês abandonados e mesmo os de assassinatos de recém-nascidos, os alemães encontraram uma solução dentro de uma zona cinzenta da legislação. Em Hamburgo, foi instituída pela primeira vez em 1999 uma chamada "portinhola para o bebê" ou "janela de Moisés", que nesse meio tempo se multiplicou pelo país afora e tem tido boa aceitação. São geralmente mantenedores ligados às Igrejas que estabelecem, junto a um hospital ou outro centro em que a assistência médica seja garantida, uma espécie de guichê em que uma mulher que tenha dado à luz pode depositar seu bebê anonimamente e sem possibilidade de ser identificada. Cada uma dessas janelas, que podem ser acessadas do lado de fora do edifício, é equipada com bercinhos aquecidos e coloca à disposição da mãe materiais informativos em vários idiomas sobre entidades em que ela pode buscar ajuda.
Polêmica, a iniciativa é defendida pelos mantenedores, que vêem nela uma chance concreta de salvar vidas: por ano, cerca de 50 bebês são abandonados na Alemanha após o nascimento; em 2002, registraram-se 18 assassinatos de recém-nascidos.
Essa idéia já foi praticada em toda a Europa desde o século XII (Idade Média), por volta do ano de 1198, inclusive na Itália. As chamadas ‘rodas dos abandonados' eram colocadas em conventos ou igrejas, onde as mulheres deixavam seus filhos e avisavam tocando uma campainha. Essa prática continuou até o início do século XIX, depois se perdeu completamente, até que em 2002 a Alemanha decidiu construir uma ‘janela de moisés', a mesma idéia, porém, introduziram tecnologia para proporcionar mais segurança e atendimento médico adequado aos bebês.
Baseado nesse modelo alemão, o Japão anunciou este ano (2007) uma proposta de construir uma hospital com essas ‘janelas'. O dispositivo, chamado em japonês de "la cuna de la cigüeña", tem forma de uma incubadora com temperatura adequada para o bebê e com uma porta acessível de fora do hospital. Essas ‘janelas' para bebês existem em países do mundo com altos índices de abandono de crianças: Índia, Paquistão, Áustria, República Tcheca, África do Sul, Hungria, onde crianças são abandonadas em parques, centros comerciais e depósitos de lixo.
- Itália
Na Itália, faz 15 anos que se despenalizou o aborto. Já a lei que permite o parto anônimo entrou em vigor em 1997 para atender imigrantes de diversas nacionalidades e prostitutas que são proibidas de ter filhos pelos cafetões e abandonavam os bebês em situações desumanas.
- CRÍTICAS E VANTAGENS
Os críticos do parto anônimo alegam que quem se utiliza deste serviço são, sobretudo, mulheres procedentes de uma classe social menos favorecida economicamente e de baixo nível cultural. Ainda, se essas mulheres se arrependerem anos após o parto e quiserem encontrar seus filhos biológicos será quase impossível.
Outra crítica é que a criança fica sem identidade até que encontre uma família substituta. E se essa criança não encontrar uma família substituta não terá pai nem mãe.
Mas, o parto anônimo também tem vantagens. Ele atente mulheres que que, por motivos de consciência ou religião não querem abortar nem abandonar a criança; tendo as estatísticas demonstrado que nos países em que é permitido o número de abandono de recém-nascidos e de infanticídio tem diminuído consideravelmente. Também é uma forma de combate ao tráfico internacional de crianças já que as mulheres têm assistência hospitalar do Estado na hora do parto e a garantia de que a criança vai ser encaminhada à uma família.
- CONCLUSÃO
A matéria da adoção internacional e do parto anônimo ainda é muito recente. Para que se amadureça a legislação e para que se encontre a solução mais adequada, algumas pesquisas clínicas e multidisciplinares devem ser desenvolvidas atualmente sobre:
- as conseqüências das origens anônimas sobre as dinâmicas familiares e o desenvolvimento dos indivíduos;
- os efeitos da aplicação da Convenção de Haia sobre a evolução do número de crianças nascidas sem filiação; os eventuais problemas psicológicos e sociais colocados por essas medidas ;
- os efeitos do reencontro tardio sobre as famílias adotivas bem como os pais biológicos;
- o porquê da resistência dos países em adotar o parto anônimo, ao mesmo tempo em que permitem as ‘janelas de moisés';
Tais pesquisas são indispensáveis diante das implicações éticas e políticas da adoção internacional e permitiriam uma melhor orientação das práticas sociais, clínicas e jurídicas.
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