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Famílias Invisíveis, Soluções Visíveis: O Papel Transformador do Sistema Multiportas
Danielle Lamas Mishima
Resumo
O presente artigo tem por objeto analisar a importância dos métodos autocompositivos na solução de conflitos familiares no Brasil, explorando desafios e soluções para uma justiça mais eficaz, humanizada e personalizada, evitando que famílias se tornem “invisíveis” nas sentenças padronizadas, sofrendo o impacto da judicialização. Com ênfase na mediação, conciliação e práticas colaborativas, discute-se como transformar o paradigma do litígio judicial. O objetivo é demonstrar como tais métodos permitem que as partes flexibilizem suas posições e, pelo diálogo, compreendam seus interesses, construindo soluções mais adequadas, duradouras e eficientes. Neste contexto, analisa-se: os métodos autocompositivos; o papel do magistrado na gestão dos processos, que, mesmo nos casos em que o litígio seja inevitável, a atuação participativa pode contribuir para decisões mais alinhadas às reais necessidades das partes; o impacto das cláusulas de paz na prevenção de futuros litígios. Levanta-se a hipótese de que a transição do modelo adversarial para um sistema colaborativo ocorrerá gradualmente por meio da disseminação dos benefícios qualitativos desses métodos, da aplicação consistente do Código de Processo Civil e Lei de Mediação, bem como da capacitação contínua dos profissionais. Este estudo adota abordagem qualitativa, baseada em revisão bibliográfica e análise documental, examinando legislações e publicações acadêmicas. Por fim, argumenta-se que o desafogamento do Judiciário é uma consequência natural do fortalecimento dos métodos autocompositivos. O artigo conclui que, ao compreenderem melhor essas alternativas, as partes poderão optar, se for adequado ao caso concreto, por soluções que proporcionem maior autonomia e eficácia, promovendo maior satisfação e pacificação social.
Palavras-chave: Métodos autocompositivos. Autonomia das partes. Eficiência qualitativa.
Abstract
This article analyzes the importance of self-compositive methods in resolving family conflicts in Brazil, exploring challenges and solutions for a more effective, humanized, and personalized justice system, while preventing families from becoming “invisible” within standardized rulings and suffering the effects of judicialization. Focusing on mediation, conciliation, and collaborative practices, the study discusses how to shift from a litigation-centered paradigm to a dialogue-based approach. It demonstrates how these methods enable parties to adjust their positions and, through dialogue, better understand their interests, allowing for more appropriate, lasting, and efficient solutions. In this context, the article addresses self-compositive methods; the judge’s role in case management, emphasizing that even when litigation is unavoidable, active judicial engagement can lead to decisions more aligned with the real needs of the parties; and the impact of peace clauses in preventing future disputes. The hypothesis raised is that the transition from an adversarial model to a collaborative system will occur gradually, driven by the dissemination of these methods’ qualitative benefits, the consistent application of the Brazilian Code of Civil Procedure and the Mediation Law, and the continuous training of legal professionals. Using a qualitative approach, the study is based on bibliographic review and document analysis, examining legislation and academic literature. Finally, it argues that reducing judicial overload is a natural consequence of strengthening self-compositive methods. The article concludes that, by understanding these alternatives, parties can choose solutions that promote greater autonomy, efficiency, satisfaction, and social pacification when appropriate to the specific case.
Keywords: Self-compositive methods. Party autonomy. Qualitative efficiency.
Introdução
O sistema judicial brasileiro enfrenta uma grave sobrecarga de processos, resultando em morosidade processual e comprometendo o acesso efetivo à justiça. A cultura do litígio ainda é predominante, levando muitas partes a recorrerem diretamente ao Judiciário sem considerar alternativas que poderiam oferecer soluções mais ágeis e satisfatórias. Os métodos autocompositivos[1], como a mediação, conciliação e práticas colaborativas, representam um avanço significativo ao proporcionar maior empoderamento e protagonismo às partes, permitindo que construam soluções mais adequadas às suas reais necessidades.
Enquanto no modelo tradicional uma sentença imposta pelo magistrado pode não contemplar as especificidades do caso, resultando em um desfecho insatisfatório para uma das partes senão para todos os envolvidos, os métodos autocompositivos se destacam por priorizar o diálogo e a cooperação. Ainda assim, sua adoção enfrenta resistência devido à mentalidade litigiosa enraizada na sociedade brasileira, que muitas vezes desvaloriza as soluções consensuais em favor de disputas judiciais prolongadas. A imposição de decisões sem a participação ativa das partes pode tornar invisíveis indivíduos e famílias, distanciando o processo judicial da realidade dos envolvidos e comprometendo a efetividade da solução.
Diante desse cenário, a consolidação do sistema multiportas no Brasil requer uma mudança de paradigma, na qual a resolução pacífica dos conflitos seja vista como uma alternativa legítima e confiável. Para isso, torna-se essencial capacitar profissionais do direito, incentivar a adoção de cláusulas de paz e valorizar as práticas colaborativas. Além disso, o envolvimento do Poder Judiciário, dos advogados e da sociedade é indispensável para fortalecer esses métodos e garantir que a justiça não apenas resolva disputas, mas também contribua para a pacificação social.
Com base nessa problemática, o presente artigo busca responder à seguinte questão: como transformar o paradigma do litígio e incentivar as partes a optarem pelos métodos autocompositivos, promovendo maior capacidade decisória, protagonismo e efetividade qualitativa[2] na resolução de conflitos? Examina-se também o papel do juiz quando a lide processual se torna inevitável, analisando como sua postura participativa pode tornar as decisões mais alinhadas aos interesses das partes.
Nas conclusões, as hipóteses levantadas são confirmadas, evidenciando a relevância dos métodos autocompositivos como instrumentos essenciais para uma justiça mais eficiente, acessível e humanizada tornando visíveis as famílias e suas peculiaridades. Porém, para que se promova uma mudança de paradigma tanto na sociedade quanto nos operadores do direito, é fundamental que esses métodos sejam amplamente disseminados e incentivados.
1. O Sistema Multiportas
1.1 A Origem e a Implementação no Brasil
O sistema multiportas[3] foi idealizado como uma resposta à ineficiência dos sistemas jurídicos tradicionais, proporcionando múltiplas alternativas para a solução de conflito. Frank Sander[4], em sua visão pioneira, ressaltou que a diversidade de métodos era essencial para atender às diferentes demandas sociais e às peculiaridades de cada caso. Essa abordagem amplia significativamente o leque de soluções disponíveis, indo além do julgamento tradicional ao incorporar métodos como mediação, conciliação e outros procedimentos consensuais.
O principal objetivo desse modelo é criar um sistema mais adaptável e ágil, possibilitando soluções personalizadas que respeitem as especificidades de cada conflito. Um aspecto fundamental do conceito é a ênfase na preservação das relações entre as partes, promovendo a restauração da comunicação e a cooperação. Por meio das diversas “portas”, os casos podem ser direcionados ao método mais adequado, otimizando recursos e reduzindo o impacto emocional e financeiro dos litígios.
É importante destacar que não há um método melhor que o outro. Cada “porta” deve ser escolhida conforme as particularidades do caso concreto, garantindo que a solução seja a mais eficiente qualitativamente e satisfatória para as partes envolvidas.
A discussão acerca da introdução de mecanismos que permitam que os processos de resolução de disputas tornem?se progressivamente construtivos necessariamente deve ultrapassar a simplificada e equivocada conclusão de que, abstratamente, um processo de resolução de disputas é melhor do que outro. (CNJ, 2016. p. 56).
Para mais, o sistema multiportas reflete a necessidade da pacificação social e a humanização dos processos, proporcionando uma cultura de diálogo e cooperação. Essa abordagem não apenas desafia o modelo adversarial tradicional, mas também estabelece um novo paradigma no qual as partes exercem maior autonomia e protagonismo sobre suas decisões. Assim, o sistema multiportas se consolida como uma estratégia fundamental para a modernização dos sistemas judiciais em diversos países.
O ponto fundamental consiste nos mecanismos empregados para que os conflitos sejam solucionados. Se o mecanismo empregado for adequado, o resultado obtido poderá ser construtivo, edificante e propiciar, inclusive, um aprimoramento das relações pretéritas. Nesse caso, o conflito terá se tornado ocasião de aperfeiçoamento e evolução. (HILL, 2020, p. 2).
No Brasil, a institucionalização do sistema multiportas encontra respaldo na Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e no Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Ambas as normas foram estruturadas para transformar o sistema judicial tradicional, incentivando o uso dos métodos consensuais a fim de reduzir a judicialização e tornar os processos mais céleres. Uma das principais inovações trazidas por essas legislações é a obrigatoriedade da tentativa de mediação ou conciliação em determinadas fases processuais, criando um caminho consensual antes de um eventual julgamento. Essa mudança visa fomentar uma cultura de pacificação social e de colaboração entre as partes.
Outrossim, o Novo Código de Processo Civil consolidou o princípio da eficiência na gestão dos conflitos, encorajando magistrados a promoverem métodos alternativos sempre que possível. A Lei de Mediação, por sua vez, definiu diretrizes claras para o exercício da mediação, assegurando imparcialidade e qualidade técnica aos mediadores. O alinhamento entre essas duas normativas possibilitou a criação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), espaços dedicados à mediação e conciliação, com o suporte de profissionais capacitados para auxiliar na resolução consensual de disputas.
Essas iniciativas têm como propósito humanizar os processos e promover acordos que respeitam as particularidades de cada caso. Desta forma, a implementação do sistema multiportas no Brasil representa um marco na modernização e na adaptação do sistema de justiça aos desafios contemporâneos.
1.2. Métodos de Autocomposição
Para além da desjudicialização, os métodos autocompositivos consolidam a autonomia privada, reduzem a intervenção do estado e fortalecem a autodeterminação, dando visibilidade às partes.
No caso de um casal que esteve junto por 25 anos, por exemplo, o divórcio impacta diretamente na vida de ambos, especialmente quando a solução do conflito é transferida integralmente ao Poder Judiciário para que este apresente a sentença heterocompositiva. Ao recorrer ao litígio, as partes, que conhecem as suas especificidades, deixam de participar ativamente da construção do próprio acordo e passam a depender da decisão de um terceiro, no caso, o magistrado. Essa imposição judicial pode ter efeitos expressivos, como ocorre na determinação da guarda compartilhada, na qual ambos os genitores são chamados a exercer a autoridade parental de forma conjunta e manter uma convivência equilibrada. Quando a decisão não é fruto de um consenso entre as partes, o cumprimento dessas determinações pode ser desafiador, gerando novos conflitos e dificultando a cooperação necessária para o bem-estar da criança envolvida.
Ou seja, há o risco de invisibilizar as famílias que estão por trás dos processos judiciais. Para a professora Cristiana[5] (MENDES, 2023-2024), famílias invisíveis são aquelas cujas histórias, dinâmicas e particularidades não são plenamente consideradas nas sentenças, resultando em decisões que, embora juridicamente corretas, não necessariamente atendem às reais necessidades das partes envolvidas. A imposição de uma solução pelo magistrado, sem que os protagonistas participem ativamente da construção do acordo, cria um distanciamento da realidade dessas famílias, tornando ainda mais difícil a efetivação das determinações judiciais.
Como alternativa à solução imposta pelo julgamento do pedido por um juiz estatal, há instrumentos de autocomposição de ampla aplicação em contextos familiares controvertidos: caso falhe a negociação direta entre os envolvidos, eles podem se valer da contribuição de um terceiro facilitador que promova conciliação ou mediação. (TARTUCE, 2018).
A negociação processual ainda é pouco utilizada nos conflitos familiares, assim como diversas ferramentas jurídicas disponíveis para os advogados, que muitas vezes são negligenciadas na prática forense cotidiana.
O sistema multiportas oferece diferentes abordagens para a resolução de conflitos, permitindo que cada caso seja direcionado ao método mais apropriado para as suas especificidades. Desta forma, além de tornar a justiça mais eficiente, esse modelo contribui para que as famílias deixem de ser invisíveis no processo judicial e tenham suas necessidades efetivamente contempladas nas soluções adotadas.
1.2.1 Mediação
A mediação[6] é um processo autocompositivo que busca empoderar as partes, permitindo que elas próprias construam soluções para seus conflitos, promovendo a autonomia e o diálogo. Segundo o Manual de Mediação Judicial (CNJ, 2016), trata-se de um método especialmente eficaz em disputas complexas, como conflitos familiares, nos quais a manutenção das relações é essencial para evitar rupturas irreparáveis. Fundamentada na escuta ativa e na identificação de interesses subjacentes, a mediação não somente resolve o conflito, como também a restaura de vínculos interpessoais e a previne novos litígios.
De acordo com o art. 165, §3º do CPC (2015), o mediador deve atuar, preferencialmente, em casos nos quais já exista um vínculo entre as partes, auxiliando-as na compreensão das questões envolvidas e dos interesses em conflito. Sua função é reestabelecer o diálogo e criar um ambiente propício para que os envolvidos possam, de forma autônoma, identificar soluções benéficas para ambos. Além disso, deve atuar respeitando todos os princípios, principalmente o da imparcialidade e da confidencialidade, garantindo um espaço seguro para que as partes expressem suas necessidades e colaborem na construção do acordo.
O mediador não induz as pessoas a um acordo: ele contribui para o restabelecimento da comunicação de modo que os envolvidos gerem novas formas de relacionamento e equacionamento de controvérsias. A atuação do mediador gera oportunidades de reflexão e encaminhamentos; se tais chances forem aproveitadas pelos envolvidos, eles protagonizarão a elaboração de propostas. (TARTUCE, 2018)
A mediação também se destaca como um instrumento de humanização da justiça, pois fortalece a confiança no sistema judicial e incentiva a pacificação social. Seu caráter não adversarial oferece uma alternativa eficaz ao modelo tradicional, permitindo a resolução de maneira mais colaborativa. Outro aspecto relevante é sua flexibilidade, podendo ser aplicada tanto em contextos pré-litigiosos quanto durante o trâmite judicial, ampliando seu alcance.
Além do âmbito familiar, a mediação pode ser aplicada em outras áreas, como a empresarial, onde auxilia na preservação de parcerias estratégicas e na resolução eficiente de conflitos comerciais.
Desta forma, mais do que um método alternativo, a mediação se consolida como uma prática transformadora, promovendo soluções mais satisfatórias e sustentáveis.
1.2.2 Conciliação
A conciliação, embora similar à mediação, distingue-se pela maior intervenção do conciliador, que tem uma postura mais ativa, que pode sugerir soluções específicas para o conflito. Este método é amplamente utilizado em disputas de menor complexidade, como nos Juizados Especiais, sendo eficaz para promover acordos rápidos e reduzir a sobrecarga do judiciário, especialmente em casos que demandam decisões objetivas, como questões financeiras e desacordo contratuais.
Apesar de sua atuação mais direta, o conciliador deve respeitar os princípios da mediação, principalmente a imparcialidade e a confidencialidade. Sua função é auxiliar as partes na busca por um acordo equilibrado, garantindo que nenhuma delas seja prejudicada. De acordo com o art. 165, §2º do CPC (2015), o conciliador deve atuar preferencialmente em situações em que não haja vínculo prévio entre as partes, podendo sugerir soluções para a controvérsia. No entanto, sua abordagem deve ser conduzida de forma ética e isenta, sem recorrer a qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para influenciar a conciliação.
Uma das principais vantagens desse método é a rapidez na resolução de conflitos, permitindo que muitas disputas sejam solucionadas em poucas sessões, frequentemente em um único encontro. Ademais, sua adoção é incentivada pela legislação brasileira como um meio de fortalecer a pacificação social e diminuir o número de processos em tramitação, liberando o sistema judicial para casos mais complexos. Mesmo quando um acordo não é alcançado, assim como na mediação, a conciliação possibilita que as partes compreendam melhor suas posições e seus interesses, facilitando uma eventual solução judicial ou autocompositiva.
Tanto na mediação quanto na conciliação, os advogados das partes podem e devem acompanhá-las, prestando assessoramento jurídico, mas sem atuação direta, uma vez que o protagonismo cabe aos envolvidos.
Outro aspecto relevante é seu impacto econômico, tanto para o sistema judicial quanto para os litigantes. Ao reduzir custos processuais e evitar longos períodos de espera por julgamentos, este método reafirma a importância do diálogo e da flexibilidade, promovendo soluções satisfatórias.
1.2.3 Práticas Colaborativas
As práticas colaborativas constituem uma abordagem inovadora. Se na mediação e conciliação os advogados apenas assessoram seus clientes, nas práticas colaborativas estes são integrados ao método, assim como outros profissionais especializados, em um esforço conjunto para encontrar soluções consensuais e sustentáveis. Trata-se de um método multidisciplinar com ênfase na cooperação e a transparência, sendo amplamente aplicada em conflitos familiares e empresariais, com o objetivo de desenvolver soluções personalizadas que atendam aos interesses de todas as partes envolvidas.
O principal objetivo desta abordagem é fomentar a autonomia e a responsabilidade dos indivíduos pelos seus atos e escolhas, contribuindo para uma cultura de diálogo e construção de consenso, onde o advogado não é mais visto como alguém que acaba contribuindo para o agravamento do conflito, mas sim como um aliado e um efetivo agente de pacificação social. (FÜRST, 2013).
Um dos pilares desse método é a assinatura de um acordo inicial entre as partes e seus advogados, no qual se comprometem a buscar uma solução extrajudicial. Essa etapa cria um ambiente de confiança e respeito mútuo, permitindo que os envolvidos se concentrem em seus interesses reais e explorem alternativas criativas para o conflito.
Ademais, as práticas colaborativas favorecem a preservação das relações interpessoais e comerciais, minimizando os desgastes emocionais e financeiros decorrentes de litígios prolongados.
A professora Olívia (FÜRST, 2023-2024)[7], ao citar o psicólogo norte americano Morton Deutsch, explica que, segundo ele, o conflito em si não possui uma natureza inerentemente negativa ou positiva. Seu impacto depende diretamente da forma como é gerenciado. Quando abordado com estratégia e equilíbrio, pode se transformar em uma oportunidade de crescimento e fortalecimento das relações, permitindo que as famílias reorganizem suas dinâmicas e construam soluções mais funcionais. Por outro lado, uma gestão inadequada do conflito tende a amplificar tensões, gerando desgaste emocional e prejudicando as conexões entre os envolvidos. O fator determinante, portanto, não é a existência do conflito em si, mas a maneira como as pessoas o enfrentam e lidam com seus desafios. Com uma abordagem construtiva e dialógica, é possível minimizar seus efeitos negativos e direcionar sua resolução para caminhos mais produtivos e harmoniosos.
O papel dos advogados nesse contexto vai além do assessoramento jurídico tradicional, pois sua atuação é cooperativa, envolvendo a facilitação do diálogo e a mediação de impasses. Esse modelo tem se mostrado eficaz na transformação de conflitos em oportunidades de aprendizado e fortalecimento das relações, alinhando-se aos princípios do sistema multiportas, que busca a pacificação social e a eficiência na resolução de disputas.
Outro aspecto relevante é o suporte técnico oferecido por especialista de diversas áreas, como psicólogos, contadores, pedagogos e outros profissionais, dependendo das necessidades do caso. Essa abordagem multidisciplinar contribui para que as soluções sejam mais abrangentes, contemplando não apenas os aspectos jurídicos, mas também os emocionais e financeiros. Desta forma, as práticas colaborativas refletem um compromisso com a inovação e a busca de resultados eficientes nas resoluções de disputas.
2. Aprimorando o Modelo Tradicional
2.1 O Papel Proativo do Juiz
Embora os métodos autocompositivos ofereçam vantagens na solução de litígios, nem sempre o ingresso na via judicial pode ser evitado. No entanto, mesmo quando a lide processual se estabelece, o juiz pode desempenhar um papel fundamental para tornar o processo mais justo, célere e alinhado aos interesses das partes.
Além dos artigos 694 e 695 do Código de Processo Civil (2015), que trazem a obrigatoriedade da audiência de mediação ou conciliação, esse mesmo código confere ao magistrado a possibilidade de atuar de forma ativa e cooperativa, ouvindo as partes e buscando compreender suas reais necessidades antes de proferir sua decisão final. Essa postura proativa contribui para que a sentença não se limite a uma imposição legal, mas se transforme em uma solução mais equitativa e humanizada dando visibilidade às partes. Afinal, por trás de um processo judicial e de uma sentença, há pessoas, há um núcleo familiar e há histórias de vida que merecem ser consideradas. O processo não deve ser visto apenas como um instrumento técnico-jurídico, mas também como uma ferramenta com função social essencial na pacificação dos conflitos.
O direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (CAPPELLETTI, GARTH, 1988, p. 11-12).
O artigo 139 do CPC (2015) ampliou significativamente os poderes do magistrado na condução processual, conferindo-lhe maior autonomia para determinar medidas que asseguram a efetividade da jurisdição. Essa mudança representa um avanço positivo na busca por um processo mais dinâmico e eficaz. Entre essas prerrogativas, destaca-se o disposto no inciso VIII deste supracitado artigo, que permite ao juiz determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes para esclarecimento dos fatos, sem que essa medida acarrete a pena de confissão. Essa previsão é essencialmente relevante nas ações de família, onde as relações interpessoais envolvem aspectos emocionais e sociais que vão além do direito estritamente patrimonial. Nessas situações, o magistrado pode, desde o início do litígio e ao longo do procedimento, designar audiências especiais para aprofundar sua compreensão e buscar soluções mais adequadas ao caso concreto.
Essa abordagem dialoga diretamente com o princípio do contraditório substancial, que não se limita ao direito das partes de se manifestarem, mas assegura-lhes a oportunidade de influenciar de maneira efetiva o convencimento do juiz. Desta forma, o processo judicial deixa de ser um mecanismo puramente adversarial e passa a se configurar como um espaço de construção de soluções mais justas e consentâneas com as necessidades das partes.
No contexto processual contemporâneo, reconhece-se o direito fundamental dos envolvidos de contribuir ativamente para a construção da solução, reforçando a necessidade de uma atuação judicial proativa e cooperativa. Assim, o processo civil moderno se estrutura sobre a lógica do processo cooperativo, no qual juízes, advogados e partes desempenham um papel coparticipativo, visando uma decisão que atenda aos preceitos legais, promova a pacificação social e a justiça material.
Ainda como gestor dos processos judiciais e extrajudiciais, a atuação proativa do magistrado inclui a identificação de casos que podem ser resolvidos por meio da mediação, conciliação ou práticas colaborativas, incentivando as partes a explorarem essas alternativas antes de optarem pelo litígio. O sistema multiportas é política pública e assim sendo, antes de proferir a sentença, o juiz pode provocar as partes no sentido de estimular a autocomposição.
A Resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça, ao estabelecer a política pública de tratamento adequado de resolução de conflitos, propugna desde 2010 a criação da estrutura necessária para viabilizar que a mediação e a conciliação tenham tratamento apropriado no cenário brasileiro de composição de conflitos. (TARTUCE, 2018).
Ao adotar uma postura mais dialógica, o juiz pode minimizar o impacto emocional da lide, reduzindo a insatisfação e o risco de descumprimento da decisão. Dessa forma, a condução coparticipativa do magistrado pode ser um fator determinante para que a decisão judicial reflita melhor a realidade das partes envolvidas e consequentemente tornando-as visíveis.
2.2 Claúsulas de Paz e Prevenção de Conflitos
O advogado tem uma participação determinante na implementação das cláusulas de paz, que são instrumentos jurídicos contratuais, ferramentas estratégicas que fortalecem a capacidade decisória das partes. Além de formalizarem acordos já estabelecidos, também criam um ambiente preventivo contra futuros litígios. Amplamente utilizadas em métodos autocompositivos, essas cláusulas garantem que as partes disponham de mecanismos eficazes de resolução de divergências posteriores.
Elas podem ser ajustadas conforme as necessidades dos envolvidos. Geralmente estipulam procedimentos claros e específicos que devem ser seguidos caso novos conflitos surjam, como por exemplo, períodos de convivência pacífica após separações até a exigência de mediação obrigatória antes da propositura de ações de guarda dos filhos. Também podem prever penalidades contratuais para situações especificas. Desta forma, o advogado que emprega essa abordagem amplia suas competências técnicas e se posiciona como um facilitador na construção de soluções jurídicas mais eficazes e satisfatórias para seus clientes.
O uso de cláusula de paz reflete uma estratégia proativa, pois promove a estabilidade das relações e reduz os custos decorrentes de longos processos litigiosos. Em contratos empresariais, são frequentemente usadas para preservar parcerias comerciais e fomentar um ambiente de confiança mútua. No contexto familiar, asseguram o cumprimento de decisões previamente acordadas, como guarda dos filhos e pensões alimentícias, minimizando desgastes emocionais.
Além disso, essas cláusulas desempenham um papel educativo, orientando as partes sobre a importância do diálogo contínuo e da cooperação na solução de divergências.
A inserção de cláusulas de paz em contratos também pode ser estimulada por meio de consultoria jurídica. Os cônjuges, por exemplo, podem ser orientados a contratualizar determinadas questões durante o casamento ou união estável. Uma vez implementadas, essas cláusulas produzem efeitos entre as partes e em alguns casos, também em relação a terceiros, permitindo a prevenção de inúmeras controvérsias.
Ademais, podem incluir a designação prévia de mediadores e estabelecer períodos de reavaliação dos acordos, ampliando sua eficácia e evitando a escalada de disputas.
Esse tipo de disposição contratual tem se mostrado essencial para a promoção da pacificação social e da sustentabilidade nas soluções consensuais.
3. Transformando o Paradigma
3.1 Capacitação de Profissionais
A prática de mediar e conciliar não é simples, exige estudo, treinamento e aperfeiçoamento. Dominar as técnicas (CNJ, 2016) como validação de sentimentos, escuta ativa, rapport, afago, teste de realidade, audição de propostas implícitas, formulação de perguntas estratégicas, declaração de abertura, resumos, paráfrases, identificação de interesses, sessões individuais, inversão de papeis, enfoque no futuro, comunicação não violenta (ROSEMBERG, 2006), entre outras, é essencial para conduzir um processo de qualidade. Além disso, essas técnicas devem ser aplicadas de forma persuasiva, mas nunca impositiva ou coercitiva, pois as partes têm o direito de iniciar, conduzir e encerrar o procedimento quando desejarem, fazer tantas sessões quantas forem necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo da adoção de medidas jurisdicionais que impeçam o perecimento do direito conforme artigo 694, parágrafo único, do Código de Processo Civil (2015).
Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar. (CPC, 2015).
Ainda que o acordo não seja possível, as partes saem mais fortalecidas e conscientes de seus reais interesses. Um ambiente que favorece o diálogo e a construção de soluções consensuais promove maior confiança no processo de autocomposição. Por isso, é imprescindível que mediadores e conciliadores conheçam e respeitem os princípios fundamentais da autocomposição, como a imparcialidade e a confidencialidade.
A formação desses profissionais, bem como a capacitação de advogados colaborativos, representa um dos principais desafios para a consolidação do sistema multiportas no Brasil. O investimento em treinamento e educação é essencial para garantir a qualidade das práticas autocompositivas. Para mais, é necessário criar um ambiente contínuo de aprendizado e aprimoramento, incluindo tanto os cursos de formação inicial, quanto programas de educação continuada voltados para aspectos teóricos e práticos mais complexos.
Na mediação, por exemplo, é fundamental que os profissionais estejam preparados para lidar com situações de alta tensão emocional, enquanto na conciliação, a habilidade para facilitar acordos de maneira mais equilibrada é essencial. Os programas de capacitação devem abranger conteúdos multidisciplinares, como comunicação não violenta, redução de impasses e técnica de escuta ativa. Essas competências ampliam a capacidade dos profissionais de conduzir processos que priorizem a humanização e a eficácia da solução.
Outro aspecto fundamental é compreender em que estágio do conflito o cliente se encontra, permitindo informá-lo sobre as vantagens e desvantagens da judicialização e incentivando a substituição do confronto pelo diálogo produtivo.
O enunciado 187 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (2023) enfatiza que, na aplicação de esforços e técnicas voltadas à autocomposição, deve-se observar a vedação a qualquer iniciativa que envolva constrangimento, intimidação ou qualquer outra abordagem que leve as partes a se sentirem pressionadas a celebrar um acordo, ajustar termos ou encerrar o conflito familiar naquele momento. Essa diretriz é fundamental para garantir que o processo de resolução consensual seja conduzido de maneira ética, respeitosa e verdadeiramente voluntária. O objetivo da mediação e da conciliação não deve ser a imposição de um acordo, mas sim a criação de um ambiente propício para que as partes encontrem, de forma autônoma e consciente, a melhor solução para o seu conflito.
Desta forma, torna-se essencial que conciliadores, mediadores e advogados colaborativos não apenas dominem as técnicas processuais recomendadas pelo legislador, mas também atuem com sensibilidade, imparcialidade e cautela. O uso inadequado dessas técnicas pode comprometer a integridade do procedimento e minar a confiança das partes no processo de autocomposição.
Portanto, o exercício dessas funções exige qualificação comum, refinamento técnico e compromisso genuíno com a preservação da autonomia e da dignidade dos envolvidos.
3.2 Disseminação da Eficácia dos Métodos Autocompositivos
Um dos maiores desafios à consolidação do sistema multiportas no Brasil é a resistência cultural à adoção de métodos autocompositivos. A cultura da litigiosidade está profundamente enraizada na sociedade brasileira, com a visão predominante de que apenas o Poder Judiciário pode oferecer soluções legítimas para os conflitos. Essa percepção leva contribui para a desvalorização dos métodos alternativos de resolução de disputas.
A falta de conhecimento sobre os benefícios da mediação, conciliação, práticas colaborativas e uso das cláusulas de paz é um dos principais obstáculos à sua ampla adoção. Para que esses métodos sejam vistos como uma opção primária e não apenas como alternativas secundárias, é essencial investir na disseminação desses impactos positivos.
Para um exemplo ilustrativo desse conceito, pode-se usar uma metáfora: quando duas pessoas disputam uma última fatia de pizza, cada uma mantém rigidamente sua posição querendo repartir o pedaço, sem perceber que seus interesses reais podem ser diferentes. Uma pode desejar a pizza em si, enquanto a outra quer apenas as calabresas que estão por cima e assim, poderiam, cada uma, ter a sua parte na integralidade. Da mesma forma, compreender os interesses subjacentes nos conflitos pode levar a soluções mais eficazes e satisfatórias para todas as partes envolvidas, por isso é essencial que a sociedade perceba que isso é possível.
Assim, é fundamental divulgar os benefícios das práticas autocompositivas por meio de casos de sucesso, palestras em instituições e ações comunitárias. O envolvimento de lideranças jurídicas, como juízes e advogados, também desempenha um papel essencial na legitimação e no estímulo ao uso dessas práticas, criando uma cultura de valorização do diálogo, da autonomia e do protagonismo dos mediandos. A soluções de conflitos não precisa ser um processo em que um lado perde e o outro ganha, mas sim uma construção colaborativa em que todos possam sair beneficiados.
A disseminação dessas práticas por meio das redes sociais tem se mostrado uma ferramenta poderosa para ampliar sua visibilidade, inclusive no meio público. Um exemplo disso foi a atriz Luana Piovani (UOL, 2023), que conheceu a mediação por meio de uma entrevista com uma advogada e compartilhou sua experiencia nas redes sociais, destacando como a mediação foi essencial para resolver conflitos com seu ex-marido, o surfista Pedro Scooby. Para ela, a mediação representou um avanço significativo na comunicação e na construção de acordos equilibrados. Assim como Piovani conheceu os benefícios desse método, muitas outras pessoas tiveram contato com a mediação através de seu relato.
Sabe quando você vai olhando as coisas assim e as coisas todas estão fazendo sentido? Eu tinha uma pequena âncora na minha vida, era meu litígio com o Pedro. Isso vinha acabando comigo, desde dezembro do ano passado e o começo desse ano, eu vou até dizer que a gente passou por um momento difícil porque sei para ele também foi pesado. E o meu programa Luana é de Lua que sempre vem na minha vida e acaba fazendo uma catarse porque, como eu sou a produtora e grande participadora deste programa, eu escolho os temas né, do que que eu quero falar, que caixas eu quero mexer, que especialistas eu quero ouvir verdades e adquirir informação, enfim, multiplicando e agregando para todo mundo que assiste. E os temas do Luana é de Lua desse ano foram bem fortes, foi separação, maternidade, machismo, um milhão de coisas. E cara, durante o programa de separação apareceu uma advogada na minha vida, ali dando uma entrevista para mim, falando sobre família e tal, e conversa vai, conversa vem, ela falou sobre a tal da mediação e ela foi me iluminando, me falando sobre isso. Eu falei, é isso que eu preciso. Corta, edita. Fizemos uma mediação difícil, Pedro teve a gentileza de me deixar escolher a mediadora, eu escolhi uma psicanalista, claro. E foi incrível, ela soube organizar, entender e administrar os nossos egos feridos pelas feridas, pelas mágoas, pelas atitudes erradas que fizeram o outro sofrer, mas ela viu que o tempo todo, tinha uma imensa vontade de se acertar, um grande respeito um pelo outro. E eu achei que fosse ser super fácil, que na segunda sessão ia dar tudo certo, ledo engano, tivemos momentos difíceis, ela teve que intervir várias vezes, ela teve que inclusive dizer que precisava fazer uma sessão individual com ele e uma comigo, para que a gente conseguisse chegar em pontos que a gente não estava conseguindo nem dialogar. E ao final de dez, a última que foi abençoada por um período de férias anterior à última, e o tempo é sábio né? E senhor de tudo. Esse tempo de férias foi muito importante, as crianças com o Pedro no Brasil, eu vendo a vontade dele, o esforço dele em amadurecer, evoluir, fazer coisas que ele sabe que para mim são importantes, mesmo achando talvez pequenos exageros, então teve o tempo todo uma vontade muito grande, um sacrifício muito grande para que a gente chegasse num consenso bom e isso a.con.te.ceu! Fomos mediados. Chegamos num contrato incrível de parentalidade, organizamos super bem a pensão para os gastos das crianças e esse é o meu paraíso astral. (UOL, 2023).
O valor dos métodos autocompositivos também é evidenciado no filme Worth: Quanto Vale? (2021), que retrata a trajetória de um advogado diante de um dilema moral ao tentar definir critérios de compensação financeira para as famílias das vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001. Baseado em uma história real, o longa não somente aborda desafios burocráticos e jurídicos desse processo, mas também o impacto humano de uma tragédia que deixou milhares de famílias devastadas.
Nos Estados Unidos, processos indenizatórios eram comuns, e grandes escritórios já lidavam rotineiramente com esse tipo de negociação. No entanto, diferentemente de outros casos, essa tragédia envolvia uma perda massiva de vidas, deixando muitos familiares sem sequer um corpo para enterrar. Enquanto os sobreviventes oscilavam entre o luto e a indignação, a equipe do advogado Ken Feinberg (Michael Keaton) trabalhava na criação de um modelo compensatório que, inevitavelmente, classificava vidas de maneira desigual: altos executivos e empresários eram avaliados em milhões de dólares, enquanto trabalhadores de setores menos renumerados recebiam valores significativamente menores.
À medida que o processo avança, Ken percebe que seu trabalho vai além de calcular indenizações. O desafio não era apenas definir valores, mas equilibrar justiça e humanidade. Ele compreende que as famílias não buscam apenas compensação financeira – elas querem ser ouvidas, ter suas dores reconhecidas de forma digna, ou seja, queriam ser famílias visíveis. No fim, a solução encontrada pode não ser perfeita, mas representa o esforço máximo para trazer algum senso de justiça a uma situação em que nenhuma reparação seria verdadeiramente suficiente.
Mais do que um caso jurídico, Worth evidencia a dificuldade de lidar com o imensurável dentro de um sistema que, por natureza, tenta padronizar aquilo que não pode se quantificado. O filme reforça a complexidade de atribuir valor a vidas humanas e os desafios de se buscar justiça em meio a uma dor irreparável.
Essas iniciativas ajudam a transformar a mentalidade coletiva, permitindo que os métodos autocompositivos sejam percebidos como opções confiáveis e acessíveis. O fortalecimento dessas práticas exige uma mudança na cultura jurídica, na qual soluções baseadas no diálogo sejam priorizadas tanto pelas partes envolvidas, quanto pelos operadores do direito, promovendo uma abordagem mais eficiente, humanizada e colaborativa para a resolução de conflitos.
Conclusão
Os métodos autocompositivos são essenciais para tornar a justiça mais participativa e eficiente, permitindo que as partes tenham maior controle sobre a solução de seus litígios. Diferentemente do modelo tradicional, em que uma sentença imposta pode não refletir os reais interesses dos envolvidos, a mediação, a conciliação e as práticas colaborativas possibilitam acordos mais satisfatórios e sustentáveis.
Além de proporcionar celeridade processual e pacificação social, essas práticas promovem a humanização das relações jurídicas. Assim como reduzem a sobrecarga do Judiciário, também oferecem soluções padronizadas e duradouras para os envolvidos nos conflitos. No entanto, a consolidação do sistema multiportas exige um esforço conjunto de diversos atores, incluindo o Poder Judiciário, profissionais do direito e a sociedade. Para isso, é fundamental investir na capacitação contínua de mediadores, conciliadores e advogados colaborativos, enfrentar a resistência cultural e implementar políticas públicas que incentivem o uso desses métodos.
Um dos riscos do modelo tradicional é a invisibilização das famílias que estão por trás dos processos judiciais, com sentenças que, embora juridicamente corretas, não necessariamente atendem às reais necessidades das partes envolvidas, tornando-as famílias invisíveis, cujas histórias, dinâmica e particularidades não são plenamente consideradas nas sentenças, resultando em soluções que podem se revelar ineficazes na prática. Quando o Judiciário impõe determinações sem que os envolvidos participem ativamente da construção do acordo, há um distanciamento da realidade concreta, tornando ainda mais difícil a efetivação dessas decisões. Nesse sentido, os métodos autocompositivos representam uma alternativa mais adequada, pois permitem que as próprias partes sejam protagonistas na definição das soluções para seus conflitos.
Mesmo quando a judicialização é necessária, a postura ativa do magistrado pode influenciar positivamente o desfecho do caso, garantindo uma decisão mais próxima das necessidades das partes. O protagonismo dos envolvidos na resolução do conflito e a escuta ativa do juiz tornam-se, assim, complementares, resultando em um sistema mais humanizado e eficaz.
O advogado desempenha um papel estratégico na implementação das cláusulas de paz em sua assessoria jurídica, pois elas, ao mesmo tempo que previnem litígios, estabelecem mecanismos para a resolução eficiente e consensual de eventuais disputas. Ao incorporar essas cláusulas em contratos e escrituras, o profissional proporciona maior previsibilidade, autonomia e segurança jurídica aos clientes, permitindo que conflitos sejam solucionados sem a necessidade de recorrer ao Judiciário.
Além disso, ao incentivar a adoção dessas cláusulas, o advogado fortalece uma advocacia mais estratégica e voltada para a pacificação social. Ele pode, por exemplo, aconselhar casais a inserirem cláusulas em pactos antenupciais ou acordos de convivência, reduzindo litígios emocionais e patrimoniais em caso de separação. Essa abordagem também contribui para um vínculo mais próximo entre advogado e cliente, criando uma relação consultiva em que o profissional acompanha a execução das condições pactuadas.
As práticas colaborativas desempenham um papel fundamental na modernização da advocacia e na efetividade dos métodos autocompositivos. Diferente do modelo adversarial tradicional, a advocacia colaborativa propõe uma abordagem interdisciplinar, na qual advogados e outros profissionais trabalham em conjunto para encontrar soluções que beneficiem todas as partes envolvidas. Esse método reduz o impacto emocional dos conflitos, acelera a resolução das disputadas e gera maior comprometimento com os acordos firmados.
Para que essas práticas se consolidem, é necessário um novo olhar dos profissionais do direito, incentivando uma postura mais dialógica e orientada para o consenso. Compreender que atuar na construção de acordos não diminui a relevância do advogado no processo, mas amplia sua atuação estratégica, é essencial para essa transformação. Além do mais, a advocacia colaborativa permite uma remuneração mais estruturada, baseada em honorários consultivos e acompanhamento contínuo, trazendo vantagens tanto para os advogados quanto para seus clientes.
Mais do que uma ferramenta jurídica, as práticas colaborativas promovem uma nova cultura na resolução de conflitos. Elas incentivam os advogados a adotarem um papel menos litigioso e mais voltado à pacificação, substituindo o confronto pela negociação e pelo diálogo. Esse modelo de atuação proporciona um ambiente de confiança mútua, permitindo que as partes busquem interesses comuns e construam soluções equilibradas e satisfatórias.
Outro diferencial da advocacia colaborativa é a possibilidade de incluir profissionais de diferentes áreas, como psicólogos, economistas e assistentes sociais, garantindo que todas as dimensões do litígio sejam consideradas – jurídicas, emocionais e financeiras. Essa visão ampla favorece soluções mais justas e sustentáveis, promovendo a humanização das relações jurídicas e incentivando a cooperação entre as partes.
A transformação do sistema judicial brasileiro não se limita a mudanças técnicas ou legislativas, mas exige um novo paradigma que coloque o consenso e a resolução pacífica de conflitos no centro das práticas jurídicas. Com o fortalecimento do sistema multiportas, o Brasil avança em direção a uma justiça mais acessível, eficiente e alinhada aos princípios de uma sociedade democrática.
Por fim, é importante destacar que o desafogamento do Judiciário é uma consequência natural da ampliação desses métodos. A mudança cultural no direito passa pelo fortalecimento da autonomia das partes e pela reformulação da mentalidade litigiosa ainda predominante. Assim, a adoção dos métodos autocompositivos não apenas melhora o funcionamento do sistema judicial, mas também promove um ambiente jurídico mais colaborativo e menos adversarial, garantindo que as soluções sejam mais ágeis, eficazes e justa para todos.
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[1] Na autocomposição os processos têm seus fundamentos nos interesses das partes. Assim, identificar corretamente os interesses e construir soluções engenhosas para suas realizações são da essência desses processos. Por sua vez, os processos heterocompositivos são fundados nos fatos e nos direitos aplicáveis a estes. A atividade de subsunção – aplicação do direito aos fatos em questão – é da essência da atuação do árbitro ou do magistrado. (CNJ, 2016. p. 32).
[2] Eficiência qualitativa é aquela que abrange decisões técnicas, decisões democráticas, decisões bem fundamentadas, decisões que foram de alguma forma resultado de uma coparticipação. O processo é coparticipativo no direito alemão, a produção para o português é dizer que o processo é uma comunidade de trabalho. (MENDES, 2023-2024).
[3] O sistema multiportas prevê a existência de várias possibilidades (portas) para a resolução das disputas trazidas ao Judiciário. A iniciativa foi apresentada inicialmente em 1976 pelo professor da Harvard Law School, Frank Sander, na conferência conhecida como The Pound Conference. Neste modelo de Administração da justiça, as partes, em um primeiro momento, são orientadas pelo órgão jurisdicional sobre qual via de resolução adequada para determinado tipo de litígio. A indicação não é vinculativa e tem a vantagem de possibilitar maior eficiência. (PEREIRA, 2020, p. 66).
[4] Ibid.
[5] Professora, Defensora Pública, Diretora Nacional do IBDFAM, Coordenadora da Pós-graduação Nacional junto com o Doutor Luiz Claudio Guimarães.
[6] A Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), no art. 1º, parágrafo único, dispõe in verbis: Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. (BRASIL, 2015).
[7] Advogada Colaborativa e Mediadora de Conflitos, autora da prática vencedora da X Edição do Prêmio Innovare. Presidente do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas IBPC, professora dos cursos de pós graduação da PUC-Rio, docente do IBPC e do Mediare. Membro do IBDFAM.
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