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Impactos do poliamor no direito das sucessões
Impactos do poliamor no direito das sucessões
IMPACTS OF POLYAMORY ON SUCCESSION LAW
Otávio de Abreu Portes Júnior
Advogado. Professor. Mestre em Direito Privado. Pós-graduado em Direito Civil, Direito de Família e Direito das Sucessões. Autor do livro Poliamor: Visão jurídica e filosófica sobre as uniões simultâneas e poliafetivas.
RESUMO: O presente artigo aborda os impactos que o poliamor pode gerar do Direito das Sucessões, em especial na sucessão hereditária, na partilha dos bens e na divisão do patrimônio entre aos membros que integraram as uniões simultâneas ou poliafetivas. Poliamor. Uniões simultâneas e poliafetivas. Direito das Sucessões. Quanto aos aspectos metodológicos, o trabalho se desenvolve na vertente teórico-dogmática, que será realizada através de detalhada busca bibliográfica e documental sobre o assunto, adotando como raciocínio predominante o hipotético-dedutivo. Foi desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica estrangeira e nacional.
PALAVRAS CHAVE: Poliamor – Direito das Sucessões– Uniões Simultâneas e Poliafetivas.
ABSTRACT: This article addresses the impacts that polyamory can generate on Succession Law, especially in hereditary succession, the sharing of assets and the division of assets between members who are part of simultaneous or polyaffective unions. Polyamory. Simultaneous and polyaffective unions. Succession Law. As for methodological aspects, the work is developed on a theoretical-dogmatic basis, which will be carried out through a detailed bibliographic and documentary search on the subject, adopting hypothetical-deductive reasoning as the predominant one. It was developed based on foreign and national bibliographical research
KELYWORDS: Polyamory – Succession Law– Simultaneous and Polyamorous Unions.
1 - INTRODUÇÃO
A configuração do poliamor pode gerar reflexos consideráveis no Direito das Sucessões.
Destaca-se, primeiramente, que o poliamor deve ser interpretado como gênero, sendo as uniões simultâneas e poliafetivas, suas espécies.
Nas uniões simultâneas, existem relacionamentos paralelos, em que um dos membros está presente em todos eles, com consentimento dos demais.
Nas uniões poliafetivas, há uma única relação, com diversos participantes que se relacionam sexualmente ou afetivamente entre si.
No presente artigo, iremos analisar, sinteticamente, os impactos que o poliamor pode gera no Direito das Sucessões, em especial na sucessão hereditária, na partilha dos bens e na divisão do patrimônio, após o falecimento de um dos membros que integram as uniões simultâneas ou poliafetivas.
2 - Impactos do poliamor no direito das sucessões
O poliamor gera inúmeros reflexos na sucessão hereditária, na partilha dos bens e na divisão do patrimônio entre herdeiros, após o falecimento de um dos membros que integram as uniões simultâneas ou poliafetivas.
Na sucessão tradicional, antes de promover a divisão da herança entre os sucessores, deverá, dependendo do regime de bens, ser resguardada a meação do cônjuge ou companheiro sobrevivente, caso o falecido fosse casado ou vivesse em união estável à época do óbito.
No caso das uniões simultâneas, será necessário verificar o regime de bens adotado em cada união, a quantidade de famílias paralelas existentes e o momento de aquisição do patrimônio. Dependendo do regime patrimonial, da época em que os bens foram adquiridos e não sendo os casos de incomunicabilidade, deverá se resguardar a meação dos companheiros, proporcionalmente à quantidade de uniões existentes.
Na união poliafetiva, será necessário analisar o regime de bens adotado, o momento em que o patrimônio foi adquirido e a quantidade de companheiros que integram a união. Caso haja comunicabilidade do patrimônio, deverá se resguardar a meação proporcionalmente à quantidade de companheiros que constituíram a união.
Quando se fala em meação nas uniões poliafetivas, há discussão sobre a decisão proferida pelo Conselho Nacional da Justiça, no pedido de providência n. 0001459-08.2016.2.00.0000.
O CNJ, sob o fundamento de que a união poliafetiva não configura entidade familiar, proibiu que os cartórios de notas lavrem escritura pública de união estável entre três ou mais pessoas.
Ocorre que o Conselho Nacional de Justiça não possui natureza jurisdicional, já que suas atribuições se limitam ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário (BRASIL, 1988). A análise sobre eventual vedação ao reconhecimento da união poliafetiva como entidade familiar, depende de pronunciamento judicial.
Assim, a decisão do CNJ que proibiu a lavratura de escritura pública de união poliafetiva deve ser interpretada restritivamente, não se estendendo aos instrumentos particulares que reconhecem a existência da união e regulamentam o regime de bens.
Nas uniões simultâneas e poliafetivas, não havendo pacto estabelecendo o regime de bens, prevalecerá o regime legal de comunhão parcial, previsto no artigo 1.640 do Código Civil. Neste caso, a meação incidirá sobre metade dos bens adquiridos onerosamente na constância das uniões paralelas ou da união com diversos companheiros.
Porém, caso um dos companheiros se enquadre nas situações descritas no artigo 1.641 do Código Civil, prevalecerá o regime de separação obrigatória de bens (BRASIL, 2002), devendo-se, neste caso, observar o disposto na Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1964).
Resguardada a meação, será realizada a partilha dos bens deixados pelo de cujus, nos termos do artigo 1.829 do Código Civil (BRASIL, 2002).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 878.694, entendeu pela inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil (BRASIL, 2018), equiparando, para fins sucessórios, o cônjuge ao companheiro. Assim, não há mais distinção na sucessão causa mortis, entre união estável e casamento (BRASIL, 2018).
Portanto, independentemente se havia casamento formalizado ou uma simples união estável, a sucessão do falecido será regida pelo artigo 1.829 do Código Civil (BRASIL, 2002).
O referido dispositivo legal estabelece a ordem de vocação hereditária, em que os herdeiros da classe precedente excluem os da classe subsequentes, seguindo uma estrutura prevista em lei.
Salomão Cateb ensina que:
Para evitar que todos fossem chamados ao mesmo tempo, a lei estipulou a preferência de uma classe sobre a outra, denominada de ordem de vocação hereditária, prevista no artigo 1.829 do Código Civil, oriunda do Direito Romano. Igual método é o utilizado em legislações de todos os países ocidentais (CATEB, 2015, p. 106).
A sucessão seguindo a ordem de vocação hereditária prevista no Código Civil abrangerá todo o patrimônio deixado pelo falecido, caso não haja testamento contendo disposições de última vontade (BRASIL, 2002).
Havendo testamento e existindo herdeiros necessários, como descendente, ascendentes, cônjuge ou companheiro, as disposições de última vontade só poderão abranger metade dos bens deixados pelo autor da herança. Neste caso, a sucessão, seguindo a ordem de vocação hereditária, incidirá sobre a legítima, correspondente à outra metade do patrimônio do falecido. Porém, caso não haja herdeiros necessários, o testamento poderá contemplar todos os bens deixados pelo de cujus (BRASIL, 2002).
Não havendo testamento ou resguardada a legítima, será necessário verificar, em primeiro lugar, se o falecido deixou descendente que terá direito à herança, nos termos do inciso I, do artigo 1.829, do Código Civil (BRASIL, 2002).
O inciso I, do artigo 1.829, do Código Civil, estabelece que haverá concorrência na herança entre descendentes e cônjuge sobrevivente, salvo se este for casado com o falecido pelo regime de comunhão universal, separação obrigatória ou comunhão parcial. Porém, no regime de comunhão parcial, o cônjuge concorrerá com os descendentes nos bens particulares deixados pelo falecido (BRASIL, 2002).
Nas uniões simultâneas e poliafetivas, deverá ser utilizado o mesmo regramento previsto no inciso I, do artigo 1.829, do Código Civil, com algumas adaptações. A parte da herança destinada ao cônjuge sobrevivente deverá ser dividida proporcionalmente à quantidade de companheiros existentes, no caso de união poliafetivas, ou a quantidade de relações existentes, no caso de uniões simultâneas.
Assim, deve-se analisar, primeiramente, o regime de bens adotado e, sendo o caso de concorrência, deverão ser destinados aos companheiros sobreviventes quinhões hereditários proporcionais ao número de uniões simultâneas que existiram paralelamente ou à quantidade de membros que constituíram uma união poliafetiva.
O inciso II, do art. 1.829, do Código Civil, estabelece que, não havendo descendentes, serão chamados a suceder os ascendentes do falecido, em concorrência com o cônjuge sobrevivente (BRASIL, 2002). Neste caso, não há qualquer referência ao regime de bens adotado, para que se permita ou se vede a concorrência, na herança, do cônjuge supérstite, com os ascendentes do de cujus.
O artigo 1.837 do Código Civil estabelece que: “Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau” (BRASIL, 2002).
Nas famílias simultâneas e poliafetivas, em que pode haver pluralidade de companheiros concorrendo com ascendentes em primeiro grau, ser-lhes-ão destinados um terço da herança para divisão proporcional à quantidades de uniões que existiram concomitantemente, ou ao número de membros que se relacionavam dentro de uma mesma união.
Caso os companheiros herdem apenas com um dos genitores do falecido, ou se for maior o grau de ascendência, ser-lhes-ão destinados metade da herança para o rateio proporcional à quantidade de relações que coexistiram, nos casos das uniões simultâneas, ou à quantidade de companheiros que formavam uma só relação, nos casos das uniões poliafetivas.
O inciso III, do artigo 1.829, do Código Civil, estabelece, ainda, que diante da inexistência de descendentes e ascendentes, a totalidade da herança será destinada ao cônjuge sobrevivente (BRASIL, 2002).
No caso de uniões simultâneas ou poliafetivas, não havendo ascendente e descendente, e não existindo testamento, a herança será destinada em sua totalidade aos companheiros do falecido e partilhada entre eles em igualdade de proporção as uniões que existiram paralelemente ou a quantidade de parceiros que integraram uma só união.
Portanto, torna-se perfeitamente aplicável o artigo 1.829 do Código Civil, (BRASIL, 2002), na partilha dos bens deixados por um membro das uniões simultâneas ou poliafetivas, adequando-se a divisão da herança destinada aos companheiros, proporcionalmente ao número de parceiros que integram uma mesma união ou à quantidade de relações que existiram paralelamente.
3 - CONCLUSÃO
Como visto, o poliamor deve ser interpretado como gênero, sendo as uniões simultâneas e poliafetivas, suas espécies.
Nas uniões simultâneas, existem relacionamentos paralelos, em que um dos membros está presente em todos eles, com consentimento dos demais.
Nas uniões poliafetivas, há uma única relação, com diversos participantes que se relacionam sexualmente ou afetivamente entre si.
A configuração de uma família pautada no poliamor, seja as uniões simultâneas ou poliafetivas, gera reflexos consideráveis no Direito das Sucessões,
Com algumas adaptações, o artigo 1.829 do Código Civil, (BRASIL, 2002), é aplicável na partilha dos bens de uma família pautada no poliamor, adequando-se a divisão da herança destinada aos companheiros proporcionalmente ao número de parceiros que integram uma mesma união, no caso da união poliafetivas, ou à quantidade de relações que existiram paralelamente, no caso das uniões simultâneas.
REFERÊNCIAS
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CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
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PORTES JÚNIOR, Otávio de Abreu; GAMBOGI, Luís Carlos Balbino Gambogi. Família poliamorista: uma abordagem filosófica sobre as uniões simultâneas e poliafetivas. In: CARDIN, Valéria Silva Galdino; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; CHAVES, Isivone Pereira (Coords.). Direito de família e das sucessões [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/ UFG / PPGDP. Florianópolis: CONPEDI, 2019. Disponível em: http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/no85g2cd/rn5j570u/698MDpUq1H0FEJBB.pdfAcesso em 21 out. 2023.
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