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Da insegurança jurídica para as novas entidades familiares
Gustavo Maranha[1]
Cíntia Regina Portes[2]
RESUMO: O presente artigo tem por propósito analisar a problemática da insegurança jurídica nas novas configurações familiares. Além disso, busca entender a forma como o sistema judiciário tem desempenhado um papel crucial como um ponto de apoio diante da lacuna legislativa e da relutância dos legisladores em adaptar as leis de acordo com as mudanças contínuas nas estruturas familiares ao longo da história. No centro dessa abordagem, pretende-se examinar tanto a evolução das interpretações do conceito de família quanto o surgimento de novos arranjos familiares na contemporaneidade, que são resultados diretos das transformações sociais e culturais que têm ocorrido nas últimas décadas, abrangendo a busca por uma liberdade pessoal mais ampla, transformações nas dinâmicas de gênero e progressos tecnológicos, entre outras influências. Ao explorar essas questões, o presente artigo visa proporcionar uma compreensão mais profunda das complexidades jurídicas enfrentadas pelas novas entidades familiares,
que demanda uma renovação das leis, contudo, a abordagem predominante muitas vezes não é o suficiente, fazendo com que a insegurança jurídica seja constante na vida de muitas famílias. Dessa forma, pretende-se mostrar esse padrão, que por sua vez, fortalece a persistência de uma mentalidade arraigada no conservadorismo legal, no moralismo e na rigidez da legislação.
Palavras-chaves: Famílias. Insegurança. Legislação. Mudanças. Direitos.
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da civilização humana, as normas e regras têm desempenhado um papel crucial no cotidiano, refletindo o pensamento, os costumes, a cultura e a moral de cada geração. Contudo, a sociedade está em constante processo de mudança, evoluindo de forma acelerada, e nem sempre as leis conseguem acompanhar essa transformação. A família, como conceito jurídico, é um dos pilares mais afetados por essas mudanças, resultado das variadas transformações sociais e morais ocorridas ao longo da história. Desde a concepção tradicionalista, moldada pela relação entre Igreja e Estado, que priorizava o casamento como requisito para a formação familiar, até as noções mais contemporâneas e diversas, como a família informal, monoparental, anaparental e homoafetiva.
O contexto das novas entidades familiares revela a presença de arranjos que vão além do modelo tradicional, desafiando a concepção convencional de família composta por pai, mãe e filhos. Impulsionados por transformações sociais, culturais e tecnológicas, esses novos modelos surgiram como resultado da busca por maior liberdade individual, evolução nas relações de gênero e avanços na tecnologia. Eles demonstram que o conceito de família é dinâmico, adaptando-se e respondendo às mudanças sociais e culturais em curso.
Pautado nessas dúvidas e reflexões, o presente trabalho desenvolveu-se a partir da insegurança jurídica que permeia as novas entidades familiares, gerando preocupações entre juristas e membros da sociedade. À medida que os costumes e relações familiares evoluem, novos arranjos surgem, como uniões estáveis, famílias homoafetivas e poliafetivas. Apesar disso, o ordenamento jurídico brasileiro ainda não se encontra plenamente adequado para lidar com essas configurações familiares emergentes, resultando em incertezas quanto aos direitos e deveres de seus membros.
Considerando essa lacuna e as implicações que dela decorrem, torna-se imprescindível que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário respondam de maneira sensível às demandas das novas entidades familiares. Regulamentar suas relações jurídicas é fundamental para assegurar segurança legal aos envolvidos e concretizar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade e proteção à família.
É analisado a relevância da instituição familiar, sendo considerada o alicerce da sociedade e recebendo proteção especial do Estado. No entanto, apesar dos esforços de modernização, alguns aspectos carecem de atenção substancial por parte do Legislativo. A regulação efetiva através do legislativo é crucial, pois não apenas valida e reconhece a diversidade das experiências familiares, mas também estabelece uma segurança jurídica, clara e coesa para orientar as decisões judiciais.
Dessa forma, este trabalho busca analisar a insegurança jurídica presente nas novas entidades familiares, e explorando as implicações para os envolvidos. Ademais, pretende-se destacar a importância de um ambiente jurídico mais estável e sensível às demandas evolutivas das relações familiares, promovendo uma reflexão sobre os possíveis caminhos para aprimorar a proteção e garantir os direitos das novas entidades familiares na sociedade contemporânea.
1. AS MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA AO LONGO DA HISTÓRIA
As mudanças na concepção de família ao longo da história foram marcadas por transformações sociais, culturais, econômicas e políticas que ocorreram em diferentes épocas. Desde os primórdios da civilização humana, a família tem sido uma das instituições mais importantes da sociedade, e sua definição e função foram moldadas pelas crenças, valores e costumes de cada cultura.
Na Antiguidade, a família era vista como uma unidade econômica, e o casamento tinha um caráter predominantemente econômico, político e social, sendo muitas vezes um arranjo entre famílias para estabelecer alianças e garantir a continuidade da linhagem. A figura do patriarca era muito forte, e o poder e autoridade residiam nele. As mulheres e crianças eram consideradas propriedade dos homens, e tinham poucos direitos e liberdades. (GAGLIANO, 2022, p.71).
“Em Roma, a família pautava-se numa unidade econômica, política, militar e religiosa, que era comandada sempre por uma figura do sexo masculino, o pater familias.” (GAGLIANO, 2022, p.71).
Na Roma antiga, a família era compreendida como uma unidade patrimonial, na qual o pater familias desempenhava um papel central. Quando as mulheres se casavam, elas passavam a fazer parte da família do marido, mas ainda assim permaneciam subordinadas ao pater, que exercia controle sobre todos os membros da família, incluindo as esposas. Ao contrário da consanguinidade, o critério predominante para determinar o parentesco na época era a sujeição ao mesmo pater familias. Isso criava um vínculo denominado agnatio ou agnição, que estabelecia a relação de parentesco entre as pessoas sujeitas à autoridade do mesmo pater. (GAGLIANO, 2022, p.71).
Além disso, a família era vista como uma unidade patrimonial, na qual apenas o pater familias era reconhecido como titular do patrimônio da família. Isso implicava que os outros membros da família, incluindo as mulheres, não tinham direitos de propriedade ou controle sobre os bens. (GAGLIANO, 2022, p.71).
Essa concepção de família em Roma contrasta fortemente com a visão atual de família, baseada em valores como amor, afeto e igualdade de direitos entre os membros. No entanto, ela reflete os valores e as normas sociais da época, na qual o patriarcado e a hierarquia eram considerados fundamentais para a organização da sociedade. (GAGLIANO, 2022, p.71)
Com o advento da Idade Média, a família passou a ser influenciada pela Igreja Católica, que defendia o casamento monogâmico e indissolúvel como único modelo de família legítimo. A família, neste contexto, era vista como uma instituição sagrada, e o casamento como um sacramento. A figura do pai continuava a ser muito importante, mas a influência da Igreja trouxe uma valorização do papel da mãe e da educação dos filhos. (GAGLIANO, 2022, p.71)
Na antiga Roma, a família era considerada uma unidade multifuncional, enquanto a família cristã adotou um modelo patriarcal que se tornou a célula básica da Igreja e da sociedade. Esse modelo foi baseado no casamento, que se tornou um sacramento e tornou-se hegemônico na sociedade ocidental, marginalizando outras formas de composição familiar. Esse modelo predominou por séculos, mas com a Revolução Industrial, no século XVIII, novas necessidades surgiram e a visão tradicional da família, centrada no pai como líder espiritual e provedor, foi abalada. (GAGLIANO, 2022, p.71)
Em uma sociedade conservadora, a família era vista como uma estrutura hierarquizada e patriarcal para ser socialmente aceita e ter reconhecimento jurídico. Era necessário que fosse legitimada pelo matrimônio, que tinha forte influência da igreja e era considerado um sacramento. A família era formada por um grupo extenso de parentes, formando uma comunidade rural que trabalhava em conjunto para a produção e o sustento de todos. Os membros da família, incluindo as crianças, eram incentivados a contribuir para o trabalho e o crescimento da família, que era vista como uma entidade patrimonializada. O aumento da família significava mais mãos para o trabalho e melhores condições de sobrevivência para todos os membros. (DIAS, 2021, p.43)
Com a Revolução Industrial, no século XVIII e XIX, a família sofreu mudanças significativas, passando a ser vista como uma unidade afetiva e emocional. O trabalho passou a ser realizado fora de casa, em fábricas e indústrias, o que criou a separação entre o espaço doméstico e o espaço de trabalho. Isso levou a uma mudança no papel dos pais, que passaram a ter menos tempo para se dedicar aos filhos, e a uma maior valorização do papel das mães como cuidadoras. (ROSA, apud DIAS, 2021, p.43)
No século XX, a família passou por transformações ainda mais profundas, com o surgimento de novos modelos de família, como a família monoparental, a família recomposta, a família homoafetiva, entre outras. A família, neste contexto, passou a ser vista como uma unidade afetiva e emocional, baseada no amor, no respeito e na solidariedade, independentemente da configuração familiar. A figura do pai e da mãe perderam sua rigidez e passaram a ter papeis mais igualitários. (ROSA, apud DIAS, 2021, p.43).
A formação dos grandes centros urbanos, a revolução sexual, o movimento feminista, a disseminação do divórcio como uma alternativa moralmente válida, a valorização da tutela da infância, juventude e terceira idade, a mudança de papéis nos lares, a supremacia da dignidade sobre valores pecuniários, o reconhecimento do amor como elo mais importante da formação de um “LAR, Lugar de Afeto e Respeito”..., tudo isso e muito mais contribuiu para o repensar do conceito de família na contemporaneidade.(GAGLIANO, 2022, p.75)
Essas mudanças na concepção de família ao longo da história refletem as transformações sociais, culturais e políticas de cada época, e demonstram como a família é uma instituição dinâmica e em constante evolução. Além disso, refletem uma maior diversidade e complexidade nas configurações familiares, demonstrando que não há um modelo único e absoluto de família, mas sim múltiplas formas de organização e relacionamento que devem ser valorizadas e respeitadas. (DIAS, 2021, p.43)
2. AS NOVAS ENTIDADES FAMILIARES
Os novos modelos familiares são arranjos que vão além do modelo tradicional de família formada por pai, mãe e filhos. Esses novos modelos surgiram a partir das transformações sociais e culturais que ocorreram nas últimas décadas, incluindo a busca por maior liberdade individual, mudanças nas relações de gênero e avanços tecnológicos, entre outros fatores. (DIAS, 2021, p.629)
As novas entidades familiares mostram que a família é um conceito dinâmico e em constante transformação, que se adapta às mudanças sociais e culturais. Elas também revelam que a família pode ser formada por diferentes tipos de relações afetivas e de convivência, que não necessariamente envolvem laços biológicos ou jurídicos. (DIAS, 2021, p.630)
As famílias homoafetivas são uma das novas entidades familiares que surgiram nos últimos anos. Elas são formadas por casais do mesmo sexo que se unem em uma relação conjugal e, eventualmente, decidem ter filhos. Essas famílias enfrentam muitos desafios, principalmente no que se refere ao reconhecimento legal de sua união e da filiação dos filhos. Muitos países ainda não reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a adoção por casais homoafetivos, o que pode gerar insegurança jurídica para essas famílias. (DIAS, 2021, p.630)
A Constituição atual não faz menção a nenhum tipo específico de família, ao contrário das anteriores. Isso significa que a proteção constitucional se estende a todas as formas de família. É importante destacar que a interpretação de uma norma ampla não pode restringir direitos subjetivos de situações e tipos comuns. A referência constitucional é uma norma de inclusão, que não permite deixar de fora do conceito de família a união homoafetiva, que também possui um conceito plural. (BRASIL, 1988).
Não há como excluir a união homoafetiva do atual conceito de família, já que duas pessoas ligadas por um vínculo afetivo e que mantêm uma relação duradoura, pública e contínua, formam um núcleo familiar, independentemente do sexo. A única diferença entre a união estável homoafetiva e a união estável entre um homem e uma mulher é a impossibilidade de gerar filhos. No entanto, isso não justifica qualquer tipo de discriminação ou diferenciação entre elas. A união estável homoafetiva deve ser reconhecida como uma entidade familiar, na ausência de qualquer regra restritiva. (DIAS, 2021, p.632).
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal reconheceu em 2011 a união estável entre pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar e, em 2013, autorizou a adoção por casais homoafetivos. Essas decisões representaram um avanço no reconhecimento dos direitos dessas famílias e contribuíram para uma maior inclusão social. (CAMELO, 2016).
O repúdio a segmentos marginalizados acaba intimidando o legislador, que tem enorme resistência em editar leis que visem a proteger quem a sociedade rejeita. Omitem-se na vã tentativa de excluir da tutela jurídica as minorias alvo da discriminação. Nada mais do que uma perversa condenação à invisibilidade. Mas a verdadeira motivação da omissão do legislador é o medo de comprometer sua reeleição. Não quer desagradar o seu eleitorado. Assim, não legisla. A tarefa acaba por ser assumida pelo Poder Judiciário. Esta, aliás, é sua função: julgar, mesmo que inexista lei. Afinal, falta de lei não significa ausência de direito. (DIAS, 2021, p.633)
As famílias monoparentais são aquelas formadas por um único adulto, geralmente responsável pela criação e sustento dos filhos. É importante destacar que as famílias monoparentais não são um fenômeno recente, no entanto, elas vêm ganhando cada vez mais visibilidade e importância na sociedade atual. (CAMELO, 2016)
Alguns fatores podem determinar a formação de uma família monoparental, como o divórcio, a dissolução de união estável, a maternidade ou paternidade sem casamento ou união estável, a viuvez, a adoção por pessoa solteira, a fertilização assistida e mesmo o celibato. (LEITE, apud FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 85).
As famílias monoparentais apresentam características específicas em relação a outros modelos familiares, como a sobrecarga de responsabilidades do genitor responsável, que precisa lidar sozinho com questões financeiras, afetivas e educacionais dos filhos. Por isso, é comum que essas famílias enfrentem desafios e dificuldades, especialmente em relação à conciliação entre trabalho e cuidados com os filhos. (CAMELO, 2016)
As famílias reconstituídas, também conhecidas como famílias recompostas, são compostas por pessoas que tiveram um relacionamento anterior e agora formam uma nova família com filhos de relacionamentos anteriores. Essas famílias podem ser formadas por casais que se divorciaram ou se separaram e encontraram novos parceiros, além de viúvos ou viúvas que se casam novamente e se unem a pessoas que também têm filhos. (CAMELO, 2016)
Uma das principais características das famílias reconstituídas é a complexidade das relações entre os membros. É comum que haja filhos de diferentes idades, com diferentes histórias de vida e de relacionamentos com seus pais biológicos. Além disso, podem surgir questões de ciúmes, competições e disputas de autoridade entre os novos cônjuges e seus filhos. (CAMELO, 2016)
A fim de garantir proteção constitucional às famílias reconstituídas, a legislação brasileira estabeleceu consequências jurídicas para essas famílias. O Código Civil, por exemplo, reconhece o vínculo de parentesco entre um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro parceiro, assim como proíbe o casamento entre padrastos/madrastas e enteados, mesmo após o fim do vínculo afetivo. Além disso, a Lei nº 8.112/90 garante o direito à pensão aos filhos ou enteados de servidores públicos federais até os 21 anos de idade. (BRASIL, 2002)
O Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê a possibilidade de adoção unilateral do enteado pelo padrasto ou madrasta, como uma forma de reconhecimento legal da família recomposta. Assim, o padrasto ou madrasta tem legitimidade para requerer, comprovando o melhor interesse da criança, a destituição do poder familiar do pai ou mãe biológico e solicitar a adoção unilateral do menor, mediante processo contraditório. (CAMELO, 2016)
As famílias extensas ou ampliadas são compostas por um grupo de pessoas que, além dos pais e filhos, incluem outros parentes como avós, tios, primos, sobrinhos e até mesmo pessoas que não possuem laços sanguíneos, mas que são consideradas parte da família. Essa forma de organização familiar é comum em diversas culturas e tem se tornado cada vez mais presente na sociedade contemporânea. Na família extensa, há um maior compartilhamento de responsabilidades e cuidados com os membros, principalmente em relação às crianças e aos idosos. Além disso, é comum que essas famílias tenham uma rede de apoio mais ampla em situações de crise ou dificuldade. (CAMELO, 2016)
O artigo 28, parágrafos 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que, na colocação de crianças e adolescentes em família substituta, a família ampliada deve ter prioridade, salvo algumas exceções, como no caso de irmãos. Isso significa que, ao escolher uma nova família para a criança ou adolescente, é importante levar em consideração o grau de parentesco, bem como as relações de afetividade e afinidade. Essa abordagem busca garantir o melhor interesse da criança, colocando-a em um ambiente familiar onde possa se adaptar da melhor forma possível. (CAMELO, 2016)
Famílias substitutas, também conhecidas como famílias adotivas, são aquelas que acolhem crianças e adolescentes que, por algum motivo, não podem permanecer com suas famílias biológicas. Esses motivos podem incluir negligência, abandono, violência, entre outros. No Brasil, a adoção é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pode ser realizada por qualquer pessoa maior de 18 anos, desde que seja observado o melhor interesse da criança ou adolescente. As famílias adotivas podem ser compostas por um ou mais adotantes, podendo ser solteiros, casais heterossexuais ou homossexuais. (BRASIL, 1990).
O termo "famílias paralelas" ou "famílias simultâneas" se refere a situações em que uma pessoa mantém relações familiares com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, sem que as demais saibam. Essa prática é comum em casos de infidelidade conjugal, em que um dos cônjuges tem um relacionamento extraconjugal e mantém duas famílias em paralelo. É importante ressaltar que, existem casos de famílias paralelas que são fruto de acordo mútuo entre as partes envolvidas. (DIAS, 2021, p.639)
Existe uma realidade muito mais frequente do que se imagina. E como é uma prática eminentemente - ou melhor, exclusivamente - masculina, sempre foi tolerada pela sociedade, ainda tão machista. Aliás, mais do que aceita. Sempre foi incentivada como prova de virilidade e sucesso pessoal, sendo alvo da inveja e admiração dos demais homens. Trata-se da mantença de uniões simultâneas: um homem e duas mulheres, duas famílias, muitas vezes ambas com prole. Um casamento e uma união estável ou duas uniões estáveis. As mulheres consideradas “não oficiais”, que se submetem, toleram ou sequer são sabedoras da duplicidade de vida de seus parceiros, são alvo da execração pública, principalmente por parte das outras mulheres. Elas é que são as punidas, ainda que a postura desleal, infiel, seja do homem. (DIAS, 2021, p.639)
Então, antigamente, as famílias paralelas ou simultâneas eram consideradas de segunda categoria e seus membros eram relegados à informalidade, sem direitos alimentares, de partilha ou sucessão. Os filhos eram classificados como ilegítimos e até mesmo "bastardos", o que era muito desonroso. Atualmente, os tribunais têm como missão incluir essas famílias marginalizadas e dar-lhes constitucionalidade e eficácia jurídica, retirando-os do "limbo" das famílias "profanas". Isso significa que essas famílias devem ser incluídas na nova proposta das famílias plurais, recebendo reconhecimento e proteção estatal. (DIAS, 2021, p.640)
Porém, não se pode legitimar a irresponsabilidade daqueles que praticam o concubinato, negando-lhes efeitos jurídicos e patrimoniais às suas relações simultâneas. Deve-se incluir essas famílias, dando-lhes direitos e deveres patrimoniais recíprocos e preservando sempre o Direito Fundamental à dignidade humana de seus membros. (DIAS, 2021, p.641)
A família poliafetiva, também conhecida como poliamorosa ou consensual, é uma configuração familiar que envolve a existência de múltiplos parceiros íntimos que se relacionam afetivamente entre si de maneira consensual e respeitosa. Embora essa seja considerada atípica e pouco comum, há uma crescente aceitação e reconhecimento social desse tipo de relação afetiva. (SANTIAGO, 2015, p. 195).
A família poliafetiva pode envolver diversas combinações de gênero e orientação sexual, incluindo homens, mulheres, transgêneros e pessoas não binárias. Os indivíduos envolvidos podem ser casados, solteiros, ou mesmo em união estável com outros parceiros, com o consentimento mútuo de todas as partes. (SANTIAGO, 2015, p. 195).
As uniões poliafetivas consistem em um núcleo familiar único, onde todos os membros residem juntos na mesma casa. Essas relações podem ser equiparadas ao casamento, já que a única distinção é o número de pessoas envolvidas na relação. Portanto, as uniões poliafetivas devem receber o mesmo tratamento que as diversas entidades familiares reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro. (SANTIAGO, 2015, p. 196).
3. INSEGURANÇA JURÍDICA DAS NOVAS ENTIDADES FAMILIARES
A insegurança jurídica das novas entidades familiares é uma questão que tem preocupado muitos juristas e membros da sociedade. Com a evolução dos costumes e das relações familiares, novos arranjos familiares têm surgido, tais como a união estável, a família homoafetiva e a poliafetiva. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro ainda não está plenamente preparado para lidar com essas novas formas de família, o que tem gerado insegurança jurídica para seus membros.
A falta de regulamentação específica para essas entidades familiares pode gerar dúvidas quanto aos direitos e deveres dos seus integrantes, especialmente em relação a questões patrimoniais e sucessórias. Além disso, a ausência de previsão legal pode dificultar o acesso dessas famílias a benefícios previdenciários, fiscais e outros direitos que são reconhecidos às famílias tradicionais.
As novas entidades familiares já são reconhecidas pela maioria da doutrina pátria, porém, não encontram respaldo na legislação para resolver as questões referentes aos efeitos jurídicos decorrentes de tais relações, não restando alternativa senão recorrer ao judiciário. Os indivíduos que não constituíram suas famílias através do casamento, da união estável ou da monoparentalidade, buscam o reconhecimento dos direitos conferidos às entidades elencadas na Constituição Federal, principalmente no campo previdenciário, família, sucessões, pois são efeitos naturais de qualquer relação familiar (PINHEIRO; CANDELATO, 2017)
Diante desse cenário, é fundamental que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário sejam sensíveis às demandas dessas novas entidades familiares e trabalhem para regulamentar suas relações jurídicas. Dessa forma, será possível garantir maior segurança jurídica para seus membros, bem como a efetivação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proteção à família.
4. O PAPEL DA DOUTRINA FAMILIARISTA
A instituição familiar é frequentemente enaltecida e destacada como o pilar fundamental da sociedade, razão pela qual recebe uma proteção especial por parte do Estado (conforme estabelecido no artigo 226 da Constituição) (BRASIL, 1988). A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos também afirma em seu artigo XVI, parágrafo 3º que a família é o núcleo natural e essencial da sociedade, merecendo proteção tanto da sociedade quanto do Estado. Historicamente, o papel central do Estado foi sempre visto como a preservação da estrutura familiar, que serve como alicerce para seus fundamentos. (OLIVEIRA E HIRONAKA, apud DIAS, 2021, p.44)
A família não apenas possui uma dimensão privada, mas também desempenha um papel público, identificando o indivíduo como parte de um vínculo familiar e ao mesmo tempo como um membro integrante do contexto social mais amplo. O campo do Direito das Famílias, devido à sua relevância para todos os cidadãos, emerge como a área do domínio privado que mais se conecta com as expectativas individuais e está mais suscetível a uma variedade de críticas construtivas. (OLIVEIRA E HIRONAKA, apud DIAS, 2021, p.44)
A sociedade está em constante evolução, passando por transformações profundas que quebram tradições e limitações preexistentes. Isso suscita a necessidade de revitalização das leis. A inclinação predominante tende a ser simplesmente proceder com a atualização das normas, sem capturar a essência das mudanças silenciosas que emergem no meio social. Isso, por sua vez, fortalece a persistência de uma mentalidade enraizada na tradição legalista e moralista. (PEREIRA, apud DIAS, 2021, p.45)
Ao abordar as relações afetivas, a tarefa se torna ainda mais sensível, dada a influência dos reflexos comportamentais que repercutem na própria estrutura social. A regulamentação jurídica da família não deve se apegar de forma prejudicial à teimosia obsessiva de ignorar as profundas mudanças culturais e científicas. (PEREIRA, apud DIAS, 2021, p.45)
O Código Civil de 1916 estabelecia regras para a estrutura familiar no início do século passado. Em sua forma original, apresentava uma visão restrita e discriminatória da família, a qual era circunscrita ao casamento. (BRASIL, 1916). Essa abordagem impedia a dissolução do casamento, estabelecia distinções entre os membros familiares e incorporava qualificações discriminatórias para aqueles que não estavam unidos pelo casamento, bem como para os filhos nascidos dessas relações. As menções feitas às relações fora do casamento e aos filhos tidos como ilegítimos tinham um caráter punitivo e serviam exclusivamente para negar direitos, numa tentativa fútil de manter a ênfase na família “matrimonializada”. (OLIVEIRA E HIRONAKA, apud DIAS, 2021, p.46)
Segundo Dias (2021, p.46) A trajetória de evolução da família impulsionou uma série de mudanças legislativas ao longo do tempo. Entre essas transformações, destaca-se de maneira marcante a promulgação do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/1962), um marco que restaurou plenos direitos civis para as mulheres casadas e reconheceu a elas a posse de bens reservados, garantindo-lhes a propriedade exclusiva dos ativos adquiridos por meio de seus próprios esforços.
Outra etapa crucial foi a introdução do divórcio através da Emenda Constitucional 09/1977 e da Lei 6.515/1977, que pôs fim à concepção da indissolubilidade do casamento e aboliu a antiga noção de família como uma instituição sagrada e inalterável. Essa inovação representou uma ruptura significativa com a visão tradicional do casamento como um laço indissolúvel. (DIAS, 2021, p.46)
Para Zeno Velozo (apud DIAS, 2021, p. 46) a Constituição da República de 1988, por meio de um único dispositivo, dissolveu séculos de hipocrisia e preconceito. Estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres e ampliou o conceito de família, passando a proteger de maneira equitativa todos os seus integrantes. Além de conferir proteção às famílias formadas pelo casamento, também estendeu essa proteção às uniões estáveis entre pessoas de gêneros diferentes e à comunidade composta por um dos pais e seus descendentes, conhecida como família monoparental.
Adicionalmente, consagrou a igualdade entre os filhos, independentemente de serem nascidos dentro ou fora do casamento, ou por meio da adoção, assegurando a todos os mesmos direitos e prerrogativas. Essas profundas alterações tiveram como consequência a revogação de muitos dispositivos da legislação então existente, que não foram incorporados pelo novo sistema jurídico.
O Código Civil atual, pelo tempo que tramitou e pelas modificações profundas que sofreu, já nasceu velho. Procurou atualizar os aspectos essenciais do Direito das Famílias, mas não deu o passo mais ousado, nem mesmo em direção aos temas constitucionalmente consagrados: operar a subsunção, à moldura da norma civil, de construções familiares existentes desde sempre, embora completamente ignoradas pelo legislador infraconstitucional. (OLIVEIRA E HIRONAKA, apud DIAS, 2021, p.47)
Talvez uma das maiores conquistas tenha sido a eliminação de expressões e conceitos que provocavam desconforto e já não encontravam mais espaço na nova estrutura jurídica e na configuração moderna da sociedade. Foram suprimidos dispositivos que haviam perdido seu valor e que carregavam consigo traços de preconceito e retrocesso, tais como as distinções desiguais entre homens e mulheres, os termos discriminatórios ligados à filiação e as disposições sobre regime dotal, entre outros. (DIAS, 2021, p.47)
No âmbito do Direito das Famílias, o CPC reservou um capítulo para tratar das ações relacionadas à esfera familiar e estabeleceu que as partes, ao se identificarem, devem informar se estão vivendo em união estável. Contudo, um dos pontos a ser destacado como insuficiente foi a falta de celeridade no processo de cobrança de pensão alimentícia, mesmo diante da incorporação do processo de execução de decisões judiciais referentes a alimentos e à execução de títulos extrajudiciais . (DIAS, 2021, p.48)
Em relação aos demais aspectos, é perceptível que houve apenas poucos avanços, deixando o legislador de aproveitar a então nova lei processual para efetivamente produzir direitos no âmbito processual das famílias. (DIAS, 2021, p.48)
5. DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES QUE GARANTEM DIREITOS E PROTEÇÃO AOS NOVOS MODELOS DE FAMÍLIAS
A jurisprudência reconheceu a existência de diferentes tipos de entidades familiares, incluindo a família anaparental, a família unipessoal e a família homoafetiva.
O Superior Tribunal de Justiça emitiu parecer favorável à consideração da família anaparental como uma categoria de família. Esse reconhecimento se estende até mesmo à autorização de adoção conjunta realizada por irmãos, conforme evidenciado na seguinte ementa:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE. ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMÍLIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE. (...) IV. O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta, buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade. V. A existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas. VI. Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e reclama atuação do intérprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei. VII. O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares. (REsp 1217415/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012).
Para Pamplona Filho (2022, p.10) na evolução das concepções sobre entidades familiares, observamos a emergência de estruturas diversas, adaptadas às transformações sociais e culturais. Uma dessas formas é a família unipessoal, uma composição singular constituída por um indivíduo solteiro, divorciado ou viúvo. Tal reconhecimento ganhou respaldo no âmbito do Tribunal da Cidadania, refletindo-se no Enunciado n.º 364 da Súmula, que estendeu a impenhorabilidade do bem de família a pessoas nessa condição.
Além disso, a união homoafetiva surgiu como uma ligação estável entre duas pessoas do mesmo sexo, visando à constituição de uma unidade familiar. Chama atenção a notável similaridade entre esse modelo e o próprio conceito de união estável, ambos compartilhando a essência de uma relação afetiva duradoura fora do âmbito do casamento, diferenciando-se apenas pela diversidade de gênero. (PAMPLONA FILHO, 2022, p.11)
É relevante observar que, apesar dos avanços no Direito estrangeiro, o legislador brasileiro ainda não regulamentou oficialmente o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, a jurisprudência desempenhou o papel de aplicar os princípios da união estável em benefício dos casais homoafetivos, tendo essa postura sido ratificada pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.277). (PAMPLONA FILHO, 2022, p.11)
Na sessão ocorrida em 5 de março de 2011, os ministros do STF reconheceram de maneira definitiva a união homoafetiva como uma entidade familiar. O julgamento, apresentado pelo ministro Ayres Britto, interpretou o artigo 1.723 do Código Civil à luz da Constituição Federal, eliminando qualquer interpretação que dificultasse o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como uma forma legítima de "entidade familiar", que é considerada sinônimo de "família". (PAMPLONA FILHO, 2022, p.11)
Esta diretriz reflete a atual posição do Supremo Tribunal Federal, no entanto, é inegável que ainda há muito a ser explorado e compreendido em relação a esse tema em constante evolução. (PAMPLONA FILHO, 2022, p.11)
Pamplona Filho (2021, p.12) continua dizendo que
no âmbito do Supremo Tribunal Federal, emerge uma notável controvérsia a respeito da natureza da união homoafetiva: será esta uma realidade incorporada ao conceito já estabelecido de "união estável" ou, ao contrário, constituiria uma "nova modalidade de entidade familiar"? Nesse contexto profundo, porém, a distinção entre reconhecê-la como "união estável" ou como "nova forma familiar" talvez seja de menor relevância. O aspecto fundamental, insuperável e de maior importância é a constatação de que estamos diante de uma família real, digna de respeito e, devido ao seu respaldo constitucional, merecedora de proteção legal.
Esse enfoque serve para assegurar a integridade da dignidade humana, demonstrando um compromisso inegável com os princípios do Estado Democrático de Direito. Além disso, mesmo diante da ausência de uma previsão legal específica o casamento homoafetivo tem encontrado aceitação através das ações dos tribunais. Essa aceitação supera a tradicional exigência de diversidade de gênero como pressuposto para sua existência. Esse movimento ganhou um impulso significativo com a emissão da Resolução n. 175/2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que proíbe autoridades competentes de recusar a habilitação, celebração de casamento civil ou conversão de união estável em casamento para casais do mesmo sexo. (PAMPLONA FILHO, 2022, p.12)
Portanto, a principal questão permanece: a união homoafetiva é uma realidade familiar, uma instituição digna de proteção jurídica e respeito. Ao reconhecer isso, reafirmamos nosso compromisso com os princípios fundamentais que sustentam nossa sociedade democrática de direito. (PAMPLONA FILHO, 2022, p.12)
Destaca-se também o reconhecimento, pelo Juiz da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Novo Hamburgo, Gustavo Borsa Antonello, de uma união amorosa singular envolvendo três indivíduos: um homem e duas mulheres. A sentença proferida no dia 28 de agosto de 2023, considerou que a relação dos três indivíduos é caracterizada por sua publicidade, continuidade e afetividade, e tem como propósito a formação de uma família e a busca pela felicidade. O magistrado reconheceu a união estável poliafetiva, argumentando que mesmo não se enquadrando nos modelos tradicionais de família, ela merece proteção legal. Esta decisão possibilita que os três parceiros tenham seus nomes registrados no nascimento do filho, sinalizando um marco importante no reconhecimento das relações poliamorosas pela jurisprudência. (CARVALHO, 2023)
"Inequívoco que a afetividade permeia a relação jurídica constituída entre os autores, como também pode ser percebido nos relatos em juízo dos três requerentes, chamando à atenção a serenidade, a emoção e o entusiasmo ao se referirem à gestação e à chegada do filho", afirmou o magistrado. (CARVALHO, 2023)
6. DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA: A BUSCA PELA ALTERAÇÃO EFETIVA DA NORMAS PARA GARANTIA DE DIREITOS
Segundo a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi, é notório que tanto o Poder Legislativo quanto o Judiciário estão plenamente conscientes da necessidade de acompanhar a modernização que redefine as configurações familiares contemporâneas. No entanto, é importante observar que, especificamente dentro do âmbito do Poder Legislativo, existe uma notável carência de regulamentação em relação às novas situações de natureza inovadora que emergem nas dinâmicas familiares atuais. Essas situações demandam um reconhecimento iminente, uma vez que clama pela urgência da sua consideração, assim como pela atualização dos mecanismos processuais, os quais devem garantir a oferta de soluções em um tempo razoável, enquanto também desempenham um papel crucial na facilitação da busca por resoluções que estejam enraizadas na realidade das partes em conflito. (ANDRIGHI, 2015, p.21)
Embora os esforços de modernização sejam perceptíveis, é importante reconhecer que existem aspectos que ainda requerem atenção substancial por parte do Legislativo. A regulação efetiva dessas inovadoras dinâmicas familiares é crucial, uma vez que essa regulação não apenas valida e reconhece a diversidade das experiências familiares, mas também estabelece um marco jurídico claro e consistente para orientar as decisões judiciais. (ANDRIGHI, 2015, p.22)
Além disso, a modernização dos instrumentos processuais é uma necessidade imediata. Não basta apenas oferecer soluções dentro de prazos adequados, mas também garantir que essas soluções sejam justas e reflitam a realidade complexa das partes envolvidas nos conflitos familiares. É um desafio complexo, que requer uma abordagem cuidadosa e colaborativa entre os legisladores, profissionais do direito e a sociedade em geral. (ANDRIGHI, 2015, p.22)
Uma notícia de grande relevância foi divulgada pelo portal online Migalhas, especializado em artigos jurídicos, políticos e econômicos direcionados para os profissionais do Direito. Ao término do congresso "20 anos do Código Civil: Avanços e Novos Desafios - Homenagem ao ministro Paulo de Tarso Sanseverino," foi anunciada a formação de uma Comissão de juristas encarregada de atualizar o Código Civil. (MIGALHAS, 2023)
Maria Berenice Dias, uma das participantes do evento e integrante da comissão, expressou em uma entrevista suas críticas ao Código Civil em vigor. Ela ressaltou que o Código nasceu antiquado, não incorporando avanços da Constituição da República em sua estrutura. O código também deixou lacunas ao não regulamentar questões importantes, como a família solo e a família monoparental. Além disso, limitou-se a reconhecer apenas duas formas de família, o casamento e a união estável, embora tenha tratado essas duas instituições de maneira desigual, apesar de garantir igual proteção a ambas. (MIGALHAS, 2023)
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho, explorou-se a complexa questão da insegurança jurídica que afeta as novas configurações familiares. Através da análise das transformações sociais, culturais e tecnológicas, fica evidente que o conceito de família evoluiu de maneira significativa, resultando em arranjos familiares diversos e únicos. A dinamicidade inerente à família contemporânea desafia o sistema jurídico a se adaptar e oferecer proteção eficaz a todas as suas formas.
Os novos modelos familiares são produtos diretos das mudanças profundas nas percepções sociais e nas relações humanas. A emergência de arranjos como uniões homoafetivas, famílias monoparentais e outras configurações não tradicionais demonstra claramente a necessidade de uma abordagem legal que seja inclusiva, abrangente e sensível às realidades do século XXI.
O reconhecimento legal das uniões homoafetivas no Brasil, assim como das configurações familiares anaparentais e unipessoais, marca um avanço significativo na trajetória das entidades familiares, simbolizando um passo em direção à maior inclusão e igualdade.
A atuação do sistema judiciário como ponto de apoio frente à inércia legislativa desempenha um papel crucial no preenchimento das lacunas que afetam as novas entidades familiares. Reconhecendo a importância da proteção legal para a coesão social, a jurisprudência assume um papel relevante na garantia dos direitos dessas famílias. No entanto, é inegável que a ausência de regulamentações claras, cria um ambiente de incerteza que afeta a segurança jurídica dos envolvidos. A solução para essa situação está na ação coordenada do Poder Legislativo e do Judiciário, que devem ser sensíveis às necessidades e realidades dessas famílias, buscando aprimorar a legislação e garantir a efetividade dos princípios constitucionais.
O reconhecimento da importância da família como pilar da sociedade é inquestionável. A proteção e a promoção do bem-estar das entidades familiares devem ser um compromisso constante do Estado, alinhando-se com os valores democráticos e os direitos humanos. A flexibilidade e a adaptabilidade do sistema jurídico são essenciais para acomodar a diversidade de arranjos familiares, acompanhando as mudanças na sociedade de forma justa e equitativa.
As considerações apresentadas ao longo deste trabalho ressaltam a necessidade de uma abordagem completa à problemática da insegurança jurídica nas novas entidades familiares. É urgente que as leis e regulamentos sejam revisados e adaptados para refletir a diversidade e a complexidade das relações familiares contemporâneas. Esse processo deve ser guiado por princípios de igualdade, justiça e respeito pela autonomia individual, e não por visões religiosas e ideológicas.
Portanto, concluímos que a proteção legal das novas entidades familiares é uma questão de relevância social e humana. O sistema jurídico deve evoluir em sincronia com as mudanças na sociedade, garantindo que todos os indivíduos, independentemente de sua orientação, configuração familiar ou identidade, tenham acesso a direitos e proteção adequados. Este estudo ressalta a necessidade de uma legislação mais ágil, inclusiva e sensível, capaz de acompanhar a dinâmica das entidades familiares contemporâneas. Somente por meio de uma abordagem flexível e progressista, o sistema jurídico poderá promover a coesão e a justiça para as famílias do século XXI.
REFERÊNCIAS
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[1]Graduado em Filosofia pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Graduando em Direito pela FAM - Faculdade de Americana – E-mail: gu_maranha@hotmail.com
[2] Especialista em Direito Público pela Faculdade Damásio de Jesus. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola paulista de Direito (EPD). Especializada em Direito das Famílias e Sucessões pela Faculdade Damásio de Jesus. Graduada em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Professora e Orientadora na FAM – Faculdade de Americana. Advogada. E-mail: cintiaportes@fam.edu.br.
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