Direito de Família na Mídia
Parecer do Relator pela inconstitucionalidade da proposição legislativa
22/06/2006 Fonte: Câmara dos deputadosCOMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE REDAÇÃO
PROJETO DE LEI Nº 5696, DE 2001
(Apensos os PLs nº 599 e 1.415, de 2003 e 1.690, de 2007)
Altera o § 2º, do art. 3º, da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, faculta a aplicação do rito sumaríssimo da referida Lei às causas que especifica e dá outras providências.
Autor: Deputado Pedro Fernandes
Relator: Deputado Vicente Arruda
I - RELATÓRIO
A proposição em tela visa alterar a lei que disciplina os juizados especiais cíveis, a fim de que, por opção do autor, possam submeter-se ao rito nela previsto as ações de investigação de paternidade, de separação judicial, de fixação, revisão e exoneração de alimentos, de divórcio, de regulamentação de visita, de separação de corpos, de guarda de filhos, perda do pátrio poder, busca e apreensão de criança, bem como outras atinentes ao Direito de Família.
Fica, ainda, facultado aos Estados a instituição de Juizado Especial de Família para os fins de que trata a lei projetada, na forma das normas locais de organização judiciária.
Ressalta a inclusa justificação tratar-se de projeto inspirado em artigo publicado pela digna Ministra do STJ, Fátima Nancy Andrighi.
Os projetos de lei em apenso, de nºs 599, de 2003, do Deputado Feu Rosa; 1.415, de 2003, do Deputado Rogério Silva; e 1.690, de 2007, do Deputado Carlos Bezerra, com pequenas variações apenas repetem a proposição principal.
A esta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania compete analisar a proposta sob os aspectos de constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito, sendo a apreciação conclusiva (art. 24, II do Regimento Interno.
No prazo, não foram apresentadas emendas aos projetos.
É o Relatório.
II - VOTO DO RELATOR
Os projetos de lei atendem os requisitos de constitucionalidade, na medida em que é competência da União e atribuição do Congresso Nacional legislar sobre direito processual, sendo legítima a iniciativa e adequada a elaboração de lei ordinária, ressalvando-se que o art. 10 da lei projetada, que não se coaduna com a sistemática constitucional referente à iniciativa das leis.
No que diz respeito à constitucionalidade do objeto (a instituição de um juizado especial da família) das proposições, cremos ser inconstitucional.
O principal critério orientador da competência dos Juizados Especiais Cíveis é antes e principalmente a MENOR COMPLEXIDADE da causa, segundo consta a determinação constitucional constante do art. 98, I da Constituição Federal e que foi reproduzida expressamente pela Lei 9.099/95, em seu art. 3º.
Assim, estabelecido e obedecido este critério, entendeu por bem o legislador ordinário declinar quais seriam as causas que estariam abrangidas pelo referido conceito, arrolando-as nos incisos I a IV que compõem o artigo 3º.
O que deve preponderar no âmbito dos Juizados Especiais Cível, para fins de delimitação da competência, é, segundo este mandamento constitucional , a menor complexidade da caisa que, segundo a experiência forense rapidamente demonstra, não se vincula necessariamente ao valor da causa.
Com efeito, mostra-se corriqueira a ocorrência de causas que ostentam complexidade incompatível com o sistema procedimental dos Juizados Especiais Cíveis, por demandarem provas das mais complexas e especializadas, como por exemplo, exame de DNA, para a investigação de paternidade, o grafotécnico para um eventual acordo de separação, de visitas aos filhos, de alimentos, etc.
Cabe, contudo, salientar que a aplicação de tais ditames se destina especificamente às causas para as quais a Lei prevê a limitação valorativa para a causa, restando, portanto, inaplicáveis para aquelas em que a competência especializada do JEC foi estabelecida em razão da matéria.
A jurisprudência, bem como a doutrina especializada, têm confirmado este entendimento através dos julgados que abaixo transcritos:
Ementa
COMPETÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO DE VALOR SUPERIOR A 40 SALÁRIOS. 1. OS JUIZADOS ESPECIAIS DO DISTRITO FEDERAL TEM EXISTÊNCIA LEGAL DESDE 31/01/96, QUANDO FORAM CRIADOS PELA RESOLUÇÃO N.º 1 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. A LEI 9.699/98 RECEPCIONOU ESSA RESOLUÇÃO. 2. AFASTADA A COMPLEXIDADE DA CAUSA, O JUIZADO ESPECIAL É COMPETENTE PARA CONCILIAR, PROCESSAR E JULGAR AS AÇÕES QUE REPARAM DANOS CAUSADOS POR ACIDENTES DE VEÍCULOS TERRESTRES, INDEPENDENTEMENTE DE SEU VALOR (ART.3º/II LEI 9.099/95 E ART.275/II D CPC). 3. O AFORAMENTO DE TAIS AÇÕES NO JUIZADO ESPECIAL NÃO IMPLICA NA RENÚNCIA AO QUE EXCEDER A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. Decisão: REJEITAR A PRELIMINAR. NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20000160000169ACJ DF - Registro do Acórdão Número: 131960 - Data de Julgamento : 29/08/2000 - Órgão Julgador: Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. - Relator : ANTONINHO LOPES - Publicação no DJU: 21/11/2000 Pág. : 43)
ACIDENTE DE VEÍCULO - Art. 3o., II da Lei 9.099/95 - Não se aplica às causas que têm um fundo em reparação de dano causado em acidente de veículos, a limitação estabelecida no art. 39 da Lei 9.099/95, por força do que dispõe o art. 3o., inciso II, da mesma lei e o art. 275, inciso II, alínea e, do Código de Processo Civil - Recurso conhecido e improvido (Turma Recursal do AMAPÁ, Rec.Civ. 2.948/96, Capital, j. em 04-11-1996, Rel. Raimundo Vales).
"(...) Se se tratar de casos de competência em razão da matéria, os pedidos cumulados, desde que conexos, também podem existir em causas que ultrapassem os quarenta salários mínimos. Isso porque o valor destas causas não encontra limite nos Juizados Especiais Cíveis." (Silva, Jorge Alberto Quadros de Carvalho, in LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ANOTADA. Ed. SARAIVA, 2001, pág. 74)
VALOR DA CONDENAÇÃO - Limite de alçada - Não se aplica às causas que têm um fundo de reparação de dano causado em acidente de veículos, a limitação estabelecida no art. 39 da Lei 9.099/95, por força do que dispõe o art. 3o. , inciso II, da mesma lei e o art. 275, II, alínea "e", do Código de Processo Civil - Recurso conhecido e improvido (Turma Recursal do AMAPÁ, Rec. Civ. 2.948/96, j. em 4-11-1996, Rel. Raimundo Vales.)
Dessa forma, considerados os argumentos expendidos, há de ser considerado que o critério expressamente adotado pelo legislador constituinte para a competência dos Juizados Especiais Cíveis foi o da menor complexidade e não o da celeridade do procedimento ou do rito processual.
Assim, em que pese às boas intenções dos ilustres autores, não vemos como tais ações de rito especial e altamente complexas possam ser dirimidas no Juizado sem que se infrinja o artigo 98, I da nossa Magna Carta.
Julgamo-las, pois, inconstitucionais e conseqüentemente injurídicas.
Se, por ventura ultrapassarmos este óbice intransponível, temos que: a técnica legislativa molda-se à Lei Complementar respectiva.
No mérito, não vemos com bons olhos as presentes proposições.
A inserção das lides familiares no Juizado Especial regido pela Lei nº 9.099/95 constitui, sem dúvida alguma, matéria polêmica, não faltando vozes a se insurgirem contra tal propósito ao argumento de não ser o rito simplificado daquele diploma legal adequado para os intricados e conturbados processos de direito da família.
Em que pese às boas intenções dos ilustres autores, não vemos como tais ações de rito especial possam ser dirimidas no Juizado.
Trata-se de ações que envolvem a ordem pública e de ritos especiais, por isso que há ressalvas expressas na Lei 9.099/95 (art. 3º, §3º § 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, etambém as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial).
"Embora não seja pacífica a questão, hodiernamente já vem entendendo a maioria doutrinária e jurisprudencial que o Juizado Especial é incompetente para que nele se processem ações onde exista procedimento especial previsto, sendo certo que, ao ser redigido o capítulo II da Lei dos Juizados Especiais - LJE, tomou o legislador a cautela de fazer inserir expressamente tal questão.
É que, tendo a Lei 9.099/95 instituído, a seu turno, rito especialíssimo, ocorre incompatibilidade para o processamento das ações com rito especial junto ao Juizado, eis que, necessariamente, as ações que nele tramitam devem seguir o procedimento pela Lei Específica determinado.
O rito, ou procedimento, é matéria de ordem pública, não renunciável ou modificável, pelo que se torna intransponível a dificuldade de se conciliar os processamentos.
A prática, ademais, demonstra a impropriedade de tramitarem junto ao Juizado Especial feitos com rito especial, já que o risco de tumulto processual sempre presente vai de encontro ao fim precípuo do Juizado, que é a solução célere dos conflitos, não se podendo conciliar celeridade com tumulto processual.
Eis o porquê de serem insuscetíveis de conhecimento pelo Juizado Especial, ainda que tenha a causa valor inferior a 40 salários mínimos, todas as ações com rito especial previstas no Código de Processo Civil ou na legislação extravagante.
Mencione-se, finalmente, que tal é o entendimento que vem sendo seguido pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro. (in Juizado Especial Cível, estudo doutrinário e interpretativo da Lei 9.099/95 e seus reflexos processuais práticos, por Natacha Nascimento Gomes Tostes e Márcia Cunha Silva Araújo de Carvalho; Ed. Renovar)
Por outro lado, as causas de Direito de Família reclamam, via de regra, uma fase instrutória (de produção de provas) mais aprofundada, dada a complexidade de que se revestem.
Por essa razão, já a lei do antigo juizado especial de pequenas causas (Lei nº 7244, de 1984) excluía da sua competência material estas causas, o que foi ratificado pelo legislador quando da elaboração da lei que a substituiu, qual seja, a Lei nº 9099, de 1995, em vigor.
Com efeito, ações relativas à investigação de paternidade, separação judicial ou divórcio, estas quando litigiosas, alimentos e outras tais não devem submeter-se ao procedimento sumaríssimo dos juizados especiais cíveis, visto que o mesmo é orientado pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.
A par disso, há que se recordar que determinadas ações, como as de separação judicial ou de divórcio, por exemplo, quando consensuais, apresentam um rito simples e célere por sua própria natureza, mesmo em sede da Justiça Comum, não havendo necessidade de alteração legislativa.
Há, ainda, aspectos processuais, nos projetos, que já são contemplados pela lei processual civil codificada, como o relativo à antecipação da tutela, inclusive tendo decidido o STJ que a tutela antecipatória prevista no art. 273 do CPC pode ser concedida em causas envolvendo direitos patrimoniais ou não-patrimoniais.
Além disso tudo, devemos ter em mente que em todos os Estados da Federação há Varas especializadas em direito de família e são competentes para executar a sua própria decisão, vez que nelas todas as questões de fato e de direito foram dirimidas.
Em face do exposto, em que pesem as nobres razões que inspiraram os autores, a quem rendemos nossas homenagens, o voto é pela inconstitucionalidade, injuridicidade, e se acaso ultrapassadas essas barreiras, adequada técnica legislativa, e, no mérito, pela rejeição dos PLs nº 5696, de 2001 e dos seus apensos os PLs nº 599, de 2003, 1.415, de 2003, e 1.690, de 2007.
Sala da Comissão, em de de 2008.
Deputado Vicente Arruda
Relator
2007_19244_Vicente Arruda