Direito de Família na Mídia
Para fins de adoção, domicílio é o dos pais da criança
13/12/2005 Fonte: STJ em 13/12/2005Em julgamento de sentença de adoção, a competência para julgar a ação é a do domicílio dos pais; somente se não existirem é que passa a ser o do responsável. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi tomada em um recurso especial apresentado pelos adotantes contra a mãe biológica da criança, uma adolescente que se arrependeu posteriormente de ter dado a filha para adoção.
A decisão foi por maioria e contrária ao voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, para quem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe que a competência é determinada pelo domicílio dos pais ou responsável e esse deveria ser o mais próximo da criança, ou seja, o juízo imediato. Se prevalecesse o voto da relatora, a criança continuaria sob a guarda provisória de um casal de médicos.
O caso - Um casal de médicos interessado em adotar uma criança recebeu a informação de que uma mãe adolescente não pretendia ficar com seu bebê por medo de reprimenda da família. Assim, entraram com ação de adoção da criança, que nasceu em Caçapava do Sul, em novembro de 2001. O registro do nascimento foi feito pela adolescente acompanhada da mãe, e o nome da criança foi escolhido pelos pretensos adotantes, que, imediatamente após o parto, já estavam com o bebê, dando início ao processo de adoção.
No entanto, pouco mais de um mês após o nascimento, a mãe adolescente manifestou interesse em permanecer com o bebê, pois havia obtido o apoio de sua família. Diante desse fato, o juiz determinou aos adotantes a devolução da criança à mãe e, na mesma ocasião, declinou de sua competência, determinando a remessa dos autos a Caçapava do Sul, cidade onde residia a mãe. Os adotantes, por sua vez, apresentaram pedido de desistência da ação, que foi homologado pelo juiz da causa em Caçapava do Sul. Todavia, mesmo diante da desistência dos adotantes, eles não devolveram a criança à mãe, que, dias depois, procurou o Fórum local em estado de desespero, à procura de auxílio para ter de volta a filha.
Simultaneamente, os pretensos adotantes ajuizaram nova ação de adoção, dessa vez em Porto Alegre, obtendo a expedição de precatória de citação da adolescente para Caçapava do Sul, cidade onde residia. Em Porto Alegre, o juiz da Infância e da Juventude julgou-se competente para a ação e destituiu a adolescente da guarda provisória da criança, dando-a aos pretensos adotantes.
Contra essa decisão, a adolescente apelou, com pedido de guarda, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual proveu o recurso. Para o TJ, não há razão alguma para a ruptura dos liames familiares da criança com a mãe e com os avós maternos, além do que nada justifica manter a situação da guarda da criança, que foi estabelecida mais por "teimosia e insensibilidade" dos pretensos adotantes que buscaram forma alternativa de obter a adoção, do que por culpa da genitora, "uma jovem adolescente, que necessitava de amparo".
A decisão fez com que os adotantes entrassem com recurso especial no STJ, alegando que, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a competência para julgar a ação é determinada pelo domicílio dos pais ou responsável e, como a criança estava sob a guarda provisória do casal, seriam eles seus responsáveis, o que legitimaria o foro da Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, comarca de sua residência.
Foi ajuizada medida cautelar no STJ, cuja liminar foi deferida no sentido de manter a guarda da criança com os pretensos adotantes, até o julgamento final do recurso. Nesse ínterim, a ação de adoção foi julgada em Porto Alegre e foi julgado procedente o pedido para que a criança ficasse com os adotantes.
Ao apreciar o recurso especial, a ministra Nancy Andrighi ressaltou que um dos princípios que rege o ECA, especialmente no que toca à questão de competência, é o princípio do juízo imediato, segundo o qual é competente o juízo mais próximo do menor. O intuito máximo de tal princípio está em que, pela proximidade do menor, é possível atender melhor os objetivos determinados pela lei, bem como lhe entregar a prestação jurisdicional de forma mais rápida e eficaz.
No caso, ressalta a ministra, verificou-se que o Juízo de Porto Alegre teve pronto acesso à criança, à sua genitora e à família dos adotantes, que foram submetidos a avaliações por psicólogos e assistentes sociais para concluírem sobre a melhor decisão. "Assim ocorrendo, o fim a que se propõe o princípio do Juízo Imediato foi atingido, já que a criança esteve sempre próxima ao juiz da sentença, que pôde melhor avaliar todo o conjunto fático probatório que envolveu a lide", concluiu a relatora.
Assim, conhece parcialmente do recurso, dando-lhe provimento para declarar competente o Juízo da Vara da Infância e da Juventude da capital gaúcha e cassar a decisão que determinava a remessa dos autos ao Juízo da Comarca de Lavras do Sul/RS.
Esse entendimento, contudo, não foi acompanhado pela maioria dos ministros da Turma. Apenas o ministro Castro Filho aderiu a essa corrente. Primeiro a divergir, o ministro Ari Pargendler concluiu que a competência será determinada pelo domicílio dos pais ou responsáveis. "O objetivo dessa norma é justamente o de fixar a competência no local onde os pais podem defender o pátrio poder, porque a criança é a vítima da circunstância", entende. Para ele, nenhuma situação será boa para a criança depois desse resultado, seja ficar com os pais adotivos ou com a mãe biológica. "A questão é técnica, de competência."
Para o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, o raciocínio da ministra Nancy Andrighi, sob determinado ponto de vista, é perfeito, "mas o objetivo da regra foi permitir que a mãe pudesse, com maior facilidade, fazer a defesa do pátrio poder. Por que deslocaremos isso, ainda mais quando há a mãe, avós maternos, existe um liame natural conhecido?"
Explica a ministra Andrighi que se trata de uma criança que está completando quatro anos e nunca viu a mãe nem os avós. Segundo seu entendimento, o ECA é dirigido à criança, e ela, criança, tem que ficar onde está.
No entendimento do ministro Pargendler, quando se diz pais ou responsáveis, se não houver pais, será o responsável. Para ele, aspectos de fato não serão apreciados. Ele destaca que, como salientou o representante do Ministério Público Federal, a menor foi entregue pela mãe em circunstâncias que são freqüentes, sem que isso represente qualquer insensibilidade, levando-se em consideração o próprio estado puerperal – logo após o parto – e mesmo a situação muito difícil por que passava a mãe pela circunstância de ser menor e rejeitada pela família.
Para o ministro Ari Pargendler, a questão é, simplesmente, saber quem é o juiz competente para a decidir sobre a adoção. O fato de decidirmos hoje ser essa sentença nula não implica o desfazimento dessa relação de seis ou quatro anos que há entre a menor e seus pais adotivos; apenas será refeito o processo de adoção no foro de Caçapava que, a meu juízo, é o competente, entende o ministro.
Ao acompanhar essa conclusão, o ministro Menezes Direito destacou o fato de a ação ter sido iniciada no local em que reside a mãe e posteriormente teve sua competência deslocada por conveniência dos pais adotivos. Segundo entende, não se pode, diante de um caso específico, alterar a regra de competência, que determina seja competente o juízo dos pais biológicos, e não o dos pais adotivos. Para ele, o Estatuto da Criança e do Adolescente converge para a proteção do menor, para o interesse do menor, mas essa matéria, ou seja, a convergência para o interesse do menor, a defesa do seu interesse, não está sendo examinada nesta circunstância; ela será examinada pelo juízo competente e este, como disse corretamente o acórdão, é aquele dos pais biológicos.
A questão ficou empatada, cabendo ao ministro Humberto Gomes de Barros defini-la. Para ele, são duas menores: a mãe e a filha, situação extremamente dolorosa. Seu entendimento é o de que há uma seqüência do artigo 147 do ECA, quanto a essa questão do domicílio dos pais ou responsável. Se existem os pais, penso ser o domicílio deles, no caso o da mãe e também dos avós, que são pais de menores também, o competente.