Direito de Família na Mídia
Jurisprudência do TJMG trata da igualdade de direito dos filhos à herança
04/01/2005 Fonte: TJMGMesmo com inventário encerrado, magistrado dá seguimento a processo em favor da ré que pleiteia direito da filha na partilha dos bens, em face da igualdade entre os filhos, inserida na Constituição Federal. Leia íntegra abaixo:
Número do processo:1.0692.03.900017-3/001(1)
Relator:CAETANO LEVI LOPES
Relator do Acordão:CAETANO LEVI LOPES
Data do acordão:15/06/2004
Data da publicação:25/06/2004
Inteiro Teor:
EMENTA: Apelação cível. Ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança. "Exceptio pluriam concubentiam". Prova. Ônus não desempenhado. Petição de herança deduzida contra os herdeiros. Inventário encerrado. Irrelevância dentro do princípio da instrumentalidade do processo. Procedência das pretensões. Recurso não provido. 1. A parte passiva, na ação de investigação de paternidade, ao invocar a "exceptio pluriam concubentiam", atrai para si o ônus da prova por ser fato extintivo do direito da parte ativa. 2. Comprovado o relacionamento íntimo entre o réu e a genitora do autor, mas faltando prova da exceção, revela-se correta a sentença que admitiu a paternidade. 3. O processo não é fim em si mesmo, porém, instrumento para realização do direito material. É o denominado princípio da instrumentalidade do processo que permite ser examinada e eventualmente deferida petição de herança, deduzida contra herdeiros em ação de investigação de paternidade, embora encerrado o inventário. 4. Apelação cível conhecida e não provida.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0692.03.900017-3/001 - COMARCA DE TOMBOS - APELANTE(S): HERDEIROS DE J.G.A., A.L.L.A. E OUTROS - APELADO(S): M.A.B., INTERESSADA: T.M.C. - RELATOR: EXMO. SR. DES. CAETANO LEVI LOPES
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a SEGUNDA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 15 de junho de 2004.
DES. CAETANO LEVI LOPES - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:
VOTO
Conheço do recurso porque presentes os requisitos de sua admissibilidade.
A apelada aforou ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança contra os apelantes A.L.L.A., M.A.L.A., M.H.L.A. e J.C.L.A., casado com a interessada T.M.C. Aduziu ser filha de Z.S.B. e esta, nos idos de 1959, oportunidade em que contava somente treze anos de idade, foi trabalhar no estabelecimento comercial do pai dos recorrentes, J.G.A., como vários familiares seus também faziam. Acrescentou que J.G. assediou e manteve relações sexuais com Z., gerando a recorrida mas, na época, providência alguma foi tomada porque a família dela dependia do trabalho que J.G. proporcionava a eles. Afirmou que este já é falecido e entende que, além do reconhecimento, tem direito de receber a herança que a ela cabe. Os apelantes, além de matéria processual, invocaram a exceptio pluriam concubentiam além de negar a existência de relacionamento íntimo entre Z. e o pai deles. Pela r. sentença de f. 175/180 as duas pretensões foram agasalhadas.
Os apelantes deduzem duas teses: a falta de prova da paternidade e a impossibilidade de se deferir a petição de herança porque a partilha já foi ultimada.
O exame da prova revela o que passa a ser descrito.
A recorrida, com a petição inicial, trouxe alguns documentos e merece destaque somente a certidão de f. 7 que patenteia ter ela nascido em 03.02.1960, sendo filha de Z.S.B. Posteriormente carreou as declarações de f. 43/56 e de reduzida utilidade porque obtidas de forma unilateral.
Os recorridos juntaram a certidão de f. 32, tornando certo ter a partilha dos bens deixados por J.G.A. sido homologada em 01.02.95, com trânsito em julgado.
No que tange à prova oral, a apelada prestou depoimento pessoal à f. 101 e afirmou ter trabalhado com o pai dos recorrentes e este teria dito várias vezes ser o genitor da depoente.
O primeiro apelante também prestou depoimento pessoal (f. 102) e informou ter nascido em 19.11.58 e, por este motivo, nada sabe acerca do comportamento de Zeir na época quando a recorrida foi concebida.
A genitora da apelada prestou depoimento à f. 103. Afirmou que teve apenas um congresso carnal com o pai dos recorrentes, quando ficou grávida. Acrescentou que, posteriormente, não mais houve relacionamento íntimo entre eles e J.G. foi o primeiro homem de sua vida sexual. Asseverou que antes ou durante a gravidez não teve relações íntimas com outros homens.
A testemunha N.S.R. (f. 104) disse que conheceu Z. antes da mesma ficar grávida e ouviu dizer que o pai da recorrida seria mesmo o genitor dos recorrentes, embora ele negasse o fato. Afirmou que Z. não tinha namorado na época em que ocorreu a concepção.
A testemunha M.V.C. (f. 105) também disse conhecer Z. antes da gravidez e que a recorrida sempre foi considerada como sendo filha de J.G. Acrescentou que Z. tem outros três filhos, porém, mais novos do que a apelada.
As testemunhas M.F.D.A. (f. 106) e V.L.R. (f. 107) prestaram idênticas informações.
A testemunha P.J.M. (f. 108) afirmou conhecer a recorrida desde que esta contava com seis anos de idade mas nunca ouviu dizer quem seria o pai dela. Acrescentou que Z. tem outros três filhos.
As testemunhas C.L.S. (f. 109) e J.M.F. (f. 110) repetiram as informações da testemunha anterior. Estes os fatos.
Em relação ao direito e no que se refere à primeira tese, sabe-se que o filho tem o inalienável direito de saber quem são seus genitores quando não há reconhecimento voluntário.
Promovido o reconhecimento forçado contra quem possa ser o pai, este pode defender-se invocando, normalmente, três circunstâncias: a exceção de concubinato plúrimo, a conduta inconveniente e notória da genitora e a impossibilidade física de gerar. Neste sentido, eis a lição de Orlando Gomes, na obra, atualizada por Humberto Theodoro Júnior, Direito de família, 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 353:
"A defesa na ação de investigação de paternidade funda-se, comumente, em uma destas três alegações:
exceptio plurium concubentiam;
má conduta notória da mãe do investigante;
impossibilidade física de ser o demandado pai do demandante.
Nenhum texto legal se refere à exceptio plurium concubentiam como ocorre em algumas legislações, mas os tribunais admitem-na tranqüilamente, considerando-a excludente da paternidade, se o demandado prova sua alegação. Consiste na assertiva de que, ao tempo da concepção, a mãe do investigante mantinha relações sexuais com outros homens, e, por esse motivo, é incerta a paternidade. Provada a concomitância dessas relações, e não havendo, como não há, meio de determinar, com segurança, quem seja, entre os que freqüentavam a mulher, o pai do demandante, a ação deve ser julgada improcedente."
É importante registrar que a exceptio plurium concubentiam constitui fato impeditivo do direito da parte ativa. Assim o ônus da prova recai sobre o réu. A respeito, eis a decisão do egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
"Investigação de paternidade. Prova. Plurium concubentiam da mãe do investigante. Fato impeditivo do direito do autor. Ônus que compete ao réu.
Ementa oficial: Na investigatória, cabe ao autor a prova de um dos fatos constitutivos relacionados no art. 363 do CC, impondo-se ao réu a prova de fato modificativo, como a exceção do relacionamento plúrimo." (Ac. na Ap. 594.125.296, 7ª Câmara, rel. Des. Paulo Heerdt, j. em 07.12.94, in RT 724/423).
Aqui, a defesa dos recorrentes foi lastreada justamente na exceção mencionada. Entretanto, não houve qualquer prova no sentido de que, na época em que ocorreu a concepção, Z. mantivesse relacionamento íntimo com outros homens. Aliás, as testemunhas arroladas pelos apelantes praticamente nada sabiam. E, na aprazível mas pequena Tombos não é crível que as testemunhas sequer tenham ouvido comentários sobre quem pudesse ser pai da apelada, apesar de já ter ela mais de quatro décadas de vida.
É importante notar que os apelantes inviabilizaram a prova pericial de DNA ao deixarem de comparecer para coleta de material. Ora, esta omissão, somada à outra, relativa à prova, faz mesmo pender o fiel da balança em favor da recorrida, diante da comprovação que ela carreou ao feito.
Portanto, no que toca à primeira tese, a sentença está correta.
Entendem os apelantes que a apelada não poderia pretender receber herança neste processo porque o inventário já foi encerrado e citam jurisprudência ultrapassada.
Sabe-se que, na atualidade, as questiúnculas processuais estão perdendo importância. O que importa é a realização do direito material que o litigante tenha. Enfim, é o denominado princípio da instrumentalidade do processo. A respeito ensinam Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco em Teoria geral do processo, 15 ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 342:
"O princípio da instrumentalidade das formas, de que já se falou, quer que só sejam anulados os atos imperfeitos se o objetivo não tiver sido atingido (o que interessa, afinal, é o objetivo do ato, não o ato em si mesmo). Várias são as suas manifestações na lei processual, pode-se dizer que esse princípio coincide com a regra contida no brocardo pás de nullité sans grief."
Ora, a recorrida é filha do de cujus. Os herdeiros deste foram citados e integraram a relação jurídica processual. Não faz sentido ter ela iniciado outra demanda para receber o que tem direito. Dentro desta nova e atualizada visão dos reais limites do processo, sem dúvida, a pretensão ao recebimento da quota hereditária pode ser deferido, sendo a apuração do quantum debeatur relegada para a liquidação de sentença.
Logo, novamente estão os recorrentes desamparados de razão.
Com estes fundamentos, nego provimento à apelação.
Custas, pelos apelantes.
O SR. DES. FRANCISCO FIGUEIREDO:
VOTO
De acordo.
O SR. DES. NILSON REIS:
VOTO
De acordo.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.