Direito de Família na Mídia
A afetividade e seus significados nas relações de família
15/09/2011 Fonte: Site Primeira EdiçãoO caso, analisado pela Corte superior, é emblemático, referindo-se à ação de alteração de registro de nascimento, proposta pelo pai biológico, com a finalidade de declarar a sua paternidade e retirar o nome do pai afetivo de uma menor havida de relação extraconjugal de sua cônjuge. O Tribunal julgou o recurso interposto pelo pai afetivo, dando-o provimento e restabelecendo a sentença de primeiro grau que reconheceu a ilegitimidade processual do pai biológico para ajuizar a ação, mesmo após ter sido realizado o exame de DNA e comprovada a paternidade desde último.
De acordo com o entendimento do STJ, a ação apenas poderia ter sido ajuizada, se fosse o caso, pelo pai que reconhece, equivocadamente e de boa-fé, a paternidade ou pelo próprio filho no interesse de contestar e ilidir a filiação estabelecida, nos termos do Código Civil (art. 1.596 e seguintes). Na hipótese, apesar do resultado do exame de DNA, o pai afetivo externou a vontade de manter a filiação, tendo em vista os laços sócio-afetivos nutridos, até então, com a menor.
O posicionamento adotado reproduz, com muita lucidez, razoabilidade e, sobretudo, juricidade, a autêntica função do Judiciário pátrio diante dos significados insculpidos na Carta Política Constitucional, muito embora o litígio tenha sido definido estritamente por regras adjetivo-instrumentais (carência de ação por ilegitimidade da parte autora).
A par disto, é conveniente destacar alguns pontos que, se não fossem por critérios técnico-processuais - como, de fato, foram utilizados no deslinde da situação apresentada - poderiam servir de parâmetro ou vetor argumentativo para a definição da contenda.
O assunto tem pano para manga. Este artigo se limitará, por isto, a diminutas considerações.
Quando se refere a direitos da criança e do adolescente, o sistema legal do país titula, com certa rigidez, diversas normas para assegurar a intangibilidade dos interesses dos menores.
Tal proteção começa a se erigir, por razões óbvias, a partir da própria Constituição Federal, a qual impõe a todos a obrigação de garantir, em absoluta prioridade e de maneira integral, aos infantis o direito positivo e subjetivo à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, da CF). Foi, enfim, a intenção do legislador constituinte.
De igual forma, a legislação infraconstitucional - Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e Adolescente - elenca e institui os aparelhos ordinários de guarnecimento das pessoas dos menores que, por suas qualidades específicas de vulnerabilidade, são garantidos, afirmativamente, por imperativa prestação institucional do Estado (Ministério Público, Conselhos Tutelares, Poder Executivo e o próprio Poder Judiciário, este último quando instado) e demais colaboradores com interesses sociais ou filantrópicos.
Sem dúvidas, a presença dos pais, não se importando o gênero da relação - afetiva ou biológica - é de irrefutável importância para a formação cívica e do caráter dos menores, pois é, nesta fase, que são construídos os valores educacionais, morais, éticos e religiosos que estarão presente durante toda a existência da pessoa. A guarda, nestas circunstâncias, será sempre imputada àquele que ostentar melhores condições de educação, amparo, acolhimento, amor, afinidade e afetividade. São tais referências, aliás, que orientam o prumo para a consolidação dos interesses que mais atendam às necessidades vitais das crianças e adolescentes (art. 15, do ECA, mais uma vez citado).
Desta feita, e se restringindo o conflito tão-somente a questionamentos de fato e direito, como subsídios para dialética dos argumentos e convencimento do magistrado, a decisão teria que ser declinada, se o cenário esse fosse, àquela que promovesse, indiscutivelmente, a respeito aos parâmetros de conduta que mais contemplassem os supremos interesses da criança, além da preferência ao processo de desenvolvimento moral, mental, espiritual e religioso, arregimentados, na perspectiva, pela oferta de melhores condições de subsistência, com moralidade e dignidade humana indispensáveis, dentro de um convívio familiar harmonioso.
O intento do Ordenamento se consubstancia, portanto, em conferir, aos menores, estrutura familiar coesa, densa, segura e todos os elementos necessários a um crescimento equilibrado.
Por fim, e deixando de lado as considerações expostas acima, o caso foi encerrado com a inalterabilidade do registro civil, mantendo-se intacto o vínculo de parentesco do pai afetivo, até porque ficou constatada, no contexto, sua evidente ligação paternal e afetiva cultivada com a menor, argumento este ressaltado na decisão proferida.
Como se vê, o STJ vem se tornando, nos últimos anos, instância jurisdicional de relevo no assentamento de discussões - não tão comuns - guerreadas no Poder Judiciário. Este é, aliás, o seu verdadeiro papel deste Tribunal, ao contrário do ocorrido, nos dias de hoje, em que se nota a tendência de o pôr, sem o mínimo sequer de propriedade, em simplório grau de reánalise e julgamento de feitos, na maioria das ocasiões, revestidos com propósitos meramente procrastinatórios.