Direito de Família na Mídia
Jovem casal de namorados desafia tradições do Afeganistão e corre risco de morte
08/08/2011 Fonte: Espaço VitalOs protagonistas são Halima Mohammedi e Mohammed Rafi, ambos de 17 anos. Eles nutriram uma paixão platônica por mais de um ano e, chegada a hora do encontro - quando admitiram que pretendiam casar - acabaram sendo presos e despertando o ódio das duas etnias a que pertencem.
O casal conversava ao telefone quase todas as noites, apesar da madrasta de Halima desaprovar. Depois de um ano, eles decidiram que estavam cansados de esconder seu relacionamento. Eles iriam se encontrar, iriam até o fórum e se casariam. Mohammed persuadiu um primo mais velho a levá-lo à aldeia de Jabril, onde ela os esperava na praça.
Eles recém tinham casado e viajado alguns minutos, quando um automóvel bloqueou seu caminho, e alguns homens enraivecidos pularam à sua frente. A jovem não se machucou na confusão, mas a multidão bateu no primo e surrou Mohammed até que ele desmaiasse. "Sabíamos que iam nos matar", disse ela. Nos incidentes, com a chegada da polícia, um homem morreu.
Os dois apaixonados agora passam os dias em lados opostos da mesma prisão juvenil, fora da vista um do outro. Mohammed está cuidando das feridas ainda visíveis no rosto inchado e nos olhos cheios de sangue. E Halima tem tido aulas de costura.
Os dois dizem que querem ficar juntos, mas há complicações. Os membros da família do homem que foi morto no confronto enviaram uma mensagem para Halima, dizendo que ela é culpada por sua morte. Mas ofereceram a ela uma saída: que se casasse com um de seus filhos, e então sua dívida estaria paga.
Em um país ainda marcado pelas leis consuetudinárias, uma união como aquela é inaceitável. Acabaram - em celas separadas - sob o teto da mesma prisão juvenil. Os pais pedem sua morte, mas o governo tenta impedir a tragédia, ainda que não tenha nenhuma solução para o caso.
Os dois adolescentes se conheceram dentro de uma fábrica de sorvete. Eles se olhavam antes do expediente e murmuravam um "oi" quando os supervisores não estavam olhando. Finalmente, um papel dobrado com o número de telefone foi jogado discretamente no chão da fábrica.
Era o início de uma história de amor afegã, que desrespeitou a tradição dominante de casamentos arranjados e de forte intromissão por parte da família, um romance entre dois adolescentes de etnias diferentes que enfrentou a intolerância da aldeia diante dos desejos dos corações modernos. Os resultados surgiram a uma velocidade brutal.
Neste mês, um grupo de homens viu o casal junto em um carro, forçou-o a encostar e começou a interrogá-lo. Por que estavam juntos? Que direito tinham? Uma multidão revoltada de 300 pessoas cercou os dois, chamando-os de adúlteros e exigindo que fossem apedrejados ou enforcados.
Quando as forças de segurança chegaram e resgataram o casal, a ira da multidão explodiu. Eles estavam em maior número que a polícia local e incendiaram carros e invadiram a delegacia a 10 km de Herat, levantando questões sobre a força da lei no Oeste do Afeganistão, em uma das primeiras cidades que fez a transição formal para a segurança afegã.
O confronto, que durou quatro horas, terminou com um morto, uma delegacia de polícia incendiada e os dois adolescentes - Halima Mohammedi e seu namorado, Rafi Mohammed - confinados em uma prisão juvenil. Oficialmente, seu destino está nas mãos do sistema legal instável. Mas eles enfrentam julgamentos mais severos por parte das famílias e da comunidade.
O tio de Halima visitou-a na prisão para dizer que "ela havia envergonhado a família" e prometeu que "iria matá-la quando fosse liberada".
Kher Mohammed, o pai de Halima, operário analfabeto que trabalha no Irã, concordou tristemente. "O que pediríamos é que o governo mate os dois", disse ele. Os adolescentes, envergonhados em falar de amor, disseram simplesmente que estavam preparados para a morte. Mas não conseguem entender por que deveriam ser mortos.
Rafi Mohammed, que tem 17 anos, disse: "Sinto-me muito triste. Simplesmente peço a Deus que me devolva esta moça. Estou pronto a perder minha vida. Só quero que ela fique em segurança."
Halima, que acha que tem 17 anos, disse: "Somos todos humanos. Deus nos criou do pó. Por que não podemos nos casar ou nos amar?"
O caso gerou comoção em Herat, em parte porque trouxe à lembrança o apedrejamento brutal determinado pelo Taleban no último verão no Norte do Afeganistão. Na ocasião, depois de uma fuga frustrada para se casar, um jovem casal em Kunduz foi apedrejado até a morte por uma turba - que incluía familiares. O apedrejamento marcou a aplicação brutal da lei islâmica, foi gravado em vídeo e divulgado na Internet meses depois. Autoridades afegãs prometeram investigar o incidente após a reação internacional de indignação, mas ninguém foi levado à Justiça.
Em comparação, a reação imediata à violência de agora em Herat foi animadora. Os clérigos recusaram-se a condenar o casal. A polícia arriscou sua vida para tirar os dois adolescentes da situação de risco e levá-los em segurança ao sistema de justiça, em vez de deixá-los nas mãos dos parentes revoltados. E a polícia informou que cinco ou seis meninas fugiram da cidade com seus namorados e noivos nas semanas após o confronto.
Após discutir o caso, o conselho da província decidiu que Mohammed e Mohammedi mereciam a proteção do governo, porque eles não estavam prometidos a outros e porque eles disseram que queriam se casar. "Não são criminosos, mesmo que tenham cometido atividades sexuais", disse Abdul Zahir, líder do conselho.
Halima Mohammedi inicialmente foi levada ao abrigo feminino na província de 1,5 milhão de pessoas, mas a polícia transferiu-a rapidamente para o centro de detenção juvenil da cidade, um prédio ensolarado onde cerca de 40 meninas e 40 meninos habitam dormitórios separados. "Do ponto de vista deles, ela cometeu um crime", disse Suraya Pakzad, diretora da Organização Vozes das Mulheres, grupo de direitos humanos que forneceu uma cama a Mohammedi por uma noite.
Pakzad disse que a maior parte das mulheres e meninas nos abrigos do Oeste do Afeganistão havia fugido de casamentos forçados ou violentos ou tinha sido marginalizada por suas comunidades por namorarem sem a aprovação das famílias. Os parentes muitas vezes punem tais transgressões com surras ou morte.