Direito de Família na Mídia
Disputa desleal pelos filhos
16/06/2011 Fonte: Revista Puc MinasAs mudanças começam a ser percebidas quando o filho ou a filha passa a evitar um dos pais após a separação do casal. As visitas e os encontros tão esperados parecem não ter mais graça. A alegria e a ideia festejada no início, em ter até mesmo duas casas para morar, passa a incomodar. O sentimento de amor e carinho dá lugar à raiva e a ações como o distanciamento.
A partir daí, o sentimento de rejeição acaba fazendo parte do dia a dia das crianças e adolescentes, que se tornam vítimas do processo de alienação parental. Esse é o termo utilizado para identificar a situação em que a mãe, o pai ou algum parente incentiva a romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao pai ou à mãe.
De acordo com dados de organizações não governamentais internacionais, 80% dos filhos de pais divorciados já sofreram algum tipo de alienação parental e estima-se que mais de 20 milhões de crianças passe por este tipo de violência psicológica em todo o mundo.
Para Maria Berenice Dias, vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), este é um problema antigo nos lares brasileiros, mas que há algum tempo vem chamando a atenção da sociedade, dos psicoterapeutas e do poder jurídico. "A ação da alienação parental gera uma mudança de comportamento nos filhos, no momento em que a criança ou o adolescente começa a evitar a presença e a convivência de um dos pais."
Segundo a psicóloga Paula de Souza, mestre em Educação e professora da disciplina Psicologia Aplicada ao Direito, no Curso de Direito da Família e Sucessões Aplicado do Instituto de Educação Continuada (IEC) PUC Minas, estes casos são exemplos de abusos de ordem psicológica e social, na medida em que o filho(a) é impedido(a) de ter contato coma família.
Foi com o objetivo de coibir essa prática que o governo federal sancionou a Lei 12.318, em agosto de 2010, instituindo advertências e até punição para os genitores ou parentes que causam prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção do vínculo e da convivência. Dessa forma, a justiça estipula ações severas ao alienador, como, por exemplo, multa; acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; alterar a guarda para guarda compartilhada ou sua inversão e até suspensão da autoridade parental.
O drama da alienação
"Tenho vivido um verdadeiro pesadelo". Assim A.V., moradora de Belo Horizonte, define o que ela tem passado nos últimos anos, com o distanciamento do filho, ação característica de uma alienação parental. Separada há três anos, há pelo menos dois vem lutando na justiça para ter o filho de volta. Segundo ela, essa tem sido uma experiência difícil, que começou depois que o ex-marido não aceitou a separação. "A partir daí, surgiram ameaças, que culminaram na alienação do filho. A sensação é de indignação, especialmente, quando penso em como meu ex-marido denegriu a minha imagem como mãe", desabafa.
Maria Berenice Dias, vice-presidente nacional do IBDFAM, comenta que o grande benefício da Lei 12.318 é o aspecto pedagógico. "A população não percebe, mas existe um profundo desconhecimento a respeito do assunto. Muitos juízes não tinham sequer escutado falar em alienação parental. A princípio, esta lei tem todos os pontos positivos e também a vantagem de dar prazos. O que falta, um pouco, é a sua operacionalização e a maneira de torná-la efetiva. O fato é que os filhos têm sido utilizados como um instrumento de poder e a Lei vem, talvez, desmistificar essa ideia."
Foi exatamente o que aconteceu com A.V. e seu filho. Ela conta que, apesar de ter a guarda judicial, o filho passou a evitá-la depois da separação, até que o pai conseguiu leva-lo embora de casa. "Só tinha contato com ele de forma escondida, indo até a escola, ou falando ao telefone, sem que o meu ex-marido soubesse. Somente em 2010 é que ganhei na justiça a garantia de retomar o contato. Ninguém tem o direito de tirar a minha convivência com meu filho", relata.
De acordo com Maria Berenice Dias, os alienadores infringem não só a lei, mas os princípios constitucionais. "A Constituição Federal assegura às crianças e aos adolescentes o direito à convivência familiar. Conviver com os genitores, ainda que eles estejam separados, é um direito. E essa negação deixa de atender ao melhor interesse da criança."
A psicóloga Paula de Souza lembra que os genitores precisam compreender que a separação foi entre o homem e a mulher, e que é necessário o zelo com os filhos. "A separação é do casal e não dos pais. O que se confunde são as funções. Como o discurso via filho é mais poderoso, eles acabam sendo utilizados de forma errônea como instrumento de brigas", completa.
Como procurar ajuda
Alice Birchal, especialista em Direito de Família e coordenadora do Curso de Direito da Família e Sucessões Aplicado do Instituto de Educação Continuada (IEC) PUC Minas, esclarece que a partir do momento em que a situação fica for identificada, providências legais e jurídicas devem ser tomadas. "Será necessário ajuizar a ação de guarda ou visitas e, a partir daí, demonstrar, a partir de provas o que está ocorrendo entre o genitor e a criança e, dessa maneira, requerer a visitação ou a guarda também se a ação já estiver em curso."
A psicóloga Paula de Souza defende que as relações ideais não existem e é importante estabelecer, sim, formas saudáveis de convivência familiar. "Quando se chega a esse extremo observamos que o ambiente em que a pessoa vivia não devia ser tão harmônico assim. Por isso, a Justiça vem ajustando as melhores formas para criar os menores problemas. A Lei 12.318 foi criada, justamente, para normatizar as regras e pôr limites, para tentar coibir a ação de um dos pais, que, porventura, tenha o intuito de cometer essa prática com os filhos".