Direito de Família na Mídia
Opinião: Delações de ex-cônjuge e o sigilo da intimidade marital
17/07/2005 Fonte: por Celso Antonio Tres, procurador da RepúblicaO atual imbróglio da República, “mensalão” e quejandos, com as revelações da ex‑mulher do presidente do Partido Liberal, Maria Cristina Mendes Caldeira (v.g., Folha de São Paulo, 21.06.05), reedita práticas históricas, como na CPI do Orçamento ("Anões do Orçamento"), idos da década de 90, mais recentemente Celso Pitta, ex‑prefeito de SP, qual seja, ex‑mulher, brandindo elefântica memória e viés vingativo inerentes ao sexo feminino, é incomparável dossiê "ad perpetuam rei memoriam", ávido, tal qual esvoaçantes penas sob estonteante vendaval, a espargir interminável libelo acusatório.
Mesmo a evoluída tecnologia (câmeras, fitas, DVD, etc.) não consegue guardar tanta informação. Não sem razão, o direito norte‑americano trata do “marital communications privilege”, o segredo das comunicações entre esposos.
Na antigüidade clássica, Esparta, mulheres sempre preservadas/cortejadas as que "dormiam para fora". Sabiam tudo dos seus clientes, próceres do poder. Na alcova, ardor do amor fundindo corpos e sentimentos, nenhum segredo resiste à intercomunicação.
Em prol na nobre causa, escoimar os poderes da nação, notadamente a brasileira, farta em sujeira, viva às ex‑mulheres, ex-maridos, ex-amantes etc.!Todavia, pode ser discutida a legalidade do testemunho do ex-cônjuge. Fidelidade, não apenas a sexual, é dever recíproco nas relações conjugais (art. 1.566 do Código Civil)
O estatuto processual isenta o cônjuge do dever de testemunhar (art. 206 do CPP; 406 do CPC). Contudo, não proíbe, contrariamente ao ocorrido com quem deva guardar sigilo profissional (art.207 do CPP). A vedação cível ao testigo do cônjuge tem a ressalva do interesse público, ‘in casu”, bastante evidente (art. 405 do CPC).
Corolário da inviolabilidade da vida privada (art. 5º, X, da Constituição) não seria a vedação de quem priva da intimidade de outrem desnudar a privacidade do consorte?! Aqui, ‘mutatis mutandis’, transportando-se à relação conjugal reserva consagrada no sigilo profissional, vale referir Nelson Hungria, sobre o segredo profissional, “verbis”:
“Dizia Kant que, para aferir-se da moralidade ou imoralidade de um fato, o melhor critério era imaginá-lo, hipoteticamente, transformado em norma geral de conduta: se a vida social ainda fosse possível, o fato é moral; do contrário, é imoral. A antinomia de um fato humano com a moral positiva está na razão direta de sua nocividade social. É bem explicável, portanto, que entre as ações imorais que, por sua maior gravidade, constituem o injusto penal, figure a violação do segredo profissional. Se fosse lícita a indiscrição aos que, em razão do próprio ofício ou profissão, recebessem segredos alheios, estaria evidentemente criado um entrave, muitas vezes insuperável, e com grave detrimento do próprio interesse social, à debelação de males individuais ou à conservação e segurança da pessoa. (Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. VI., p. 236).
A vida social seria possível caso a intimidade de todos os cônjuges fosse escrachada em público? É moralmente legítimo o testemunho da privacidade (art. 332 do CPC)? A questão é instigante. Todavia, em tratando-se do exercício de “munus publicum”, cargo parlamentar, sabidamente gravado pelo ônus do controle público (arts. 37, 53, 54, 70 a 74 da Constituição), cláusula que espontaneamente aderiu quem optou pela vida política, não há restrição ao testemunho de ex-cônjuge.
Quem quiser privacidade total mantenha-se no oficio privado. Inadmissível fazer da “res publica” privada! Todavia, não sendo matérias afetas à função pública, tampouco relativas a direitos de superior relevância (v.g., identificação de paternidade ignorada etc.), vigora cerceamento ao testemunho do ex-cônjuge.