Direito de Família na Mídia
Meu bem, nossos bens...
21/06/2005 Fonte: O Globo - RJ em 21/06/05Flávia Oliveira
A piada já é um clássico nas varas de família. Até casarem-se, marido e mulher são só “meu bem para cá, meu bem para lá”. Na separação, surge o plural: “meus bens para cá, meus bens para lá”.
Humor à parte, uma pesquisa organizada pelas sociólogas Clara Araújo e Maria Celi Scalon mostra que é mesmo no modelo cooperativo que funciona a maior parte dos lares brasileiros. Quatro em cada em dez famílias são geridas pelo regime de caixa único, no qual o casal deposita toda a renda mensal e de onde retira o dinheiro para as contas domésticas e as despesas individuais. Trata-se do que os especialistas chamam de fusão — mas, alertam as pesquisadoras, mais por falta de recursos financeiros do que por crença na comunhão.
— Teoricamente, juntar os salários parece uma forma mais igualitária de administrar o orçamento familiar. No entanto, nossa leitura é de que é provável que a fusão ocorra pela necessidade de lidar com a escassez, uma vez que os casais com mais escolaridade e renda tendem a juntar apenas parte do dinheiro — diz Clara Araújo, do Departamento de Ciências Sociais da Uerj.
Falta dinheiro para cobrir as despesas
Na pergunta apresentada aos entrevistados que trabalham, 39,8% dos homens e 47,5% das mulheres dizem que a renda do casal é totalmente compartilhada. O modelo tido como mais moderno, no qual os cônjuges juntam parte do dinheiro e mantêm as sobras separadamente (comum em países desenvolvidos, onde o nível de instrução é maior e há mais eqüidade salarial), foi citado por 4,3% dos homens e 8,2% das mulheres. Para Celi Scalon, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), numa sociedade de renda baixa, como a brasileira, é natural que os casais juntem suas rendas: — Quase tudo vai para cobrir as despesas. É difícil haver sobras.
Foi o que constatou o operador de telemarketing Onésio Alves de Azevedo Júnior, casado há um ano com a professora Da lete Barros da Costa. Os dois têm 23 anos e, até casarem-se, moravam com os pais e administravam sozinhos seus salários que, juntos, somam R$ 2 mil. A vida de casado, contudo, empurrou-os para o caixa único.
— Tentamos no início do casamento manter a parte financeira como se fôssemos solteiros, mas não deu. As despesas são altas. Juntar tudo foi a forma que encontramos para controlar mais o dinheiro — diz Onésio.
Modelo idêntico tem o casal Delma Marins, promotora de vendas, e André Luiz Pinto, garçom e artista plástico, juntos há 14 anos. O casal mora com três filhos e ganha de R$ 1.800 a R$ 2.200 por mês. Eles vão juntos ao supermercado e ao banco. Todas as despesas são feitas com o conhecimento do outro.
— A gente participa de tudo um do outro. É um sistema que dá certo — garante Delma, que em seu primeiro casamento experimentou, mas não aprovou, o modelo de contas completamente separadas.
A pesquisa — que hoje será lançada em livro, batizado de “Gênero, família e t rabalho no Brasil” (Editora FGV/Faperj) — mostra também que ainda é grande o número de homens que declaram administrar sozinhos os ganhos de toda a família: são 32,7%. São eles também que costumam pagar contas e ir ao banco. Entre as mulheres, 11,5% admitem que entregam o salário ao marido; um décimo deles transfere os rendimentos às esposas. É o caso do motorista Ronaldo Coelho, que deposita tudo o que ganha (de R$ 1.200 a R$ 1.500 por mês) na conta que a mulher administra. Michele Magalhães, com quem é casado há três anos, é operadora de telemarketing e ganha R$ 700, mas desde o namoro cuida das finanças do casal.
— Como ele viaja muito, eu sempre tratei de tudo: da construção da casa, da compra dos móveis e agora do orçamento doméstico. Até o cartão bancário dele fica comigo.
Mãe de Pedro Lucas, de 2 anos, Michele administra as contas com mão de ferro. Mantém um caderninho, que ela já chama de livro-caixa, em que anota toda e qualquer despesa. No momento, tem economizado ao máximo para formar uma poupança e realizar o sonho do casal: comprar um carro.
— Meu marido confia muito em mim e eu me sinto na obrigação de passar todas as informações. Aviso sobre tudo o que eu compro — diz.