Direito de Família na Mídia
Terceira Turma examina se companheiro homossexual tem direito a plano de saúde
25/04/2005 Fonte: STJ em 26/04/05O pedido de vista do ministro Castro Filho para melhor exame da matéria interrompeu o julgamento, na Terceira Turma, de um processo de extrema relevância e de grande alcance social. Até agora o julgamento conta com três votos proferidos, de um total de cinco possíveis, todos reconhecendo o direito de o companheiro homossexual de um funcionário da Caixa Econômica Federal (CEF) de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, a ser seu beneficiário no plano de saúde. O posicionamento final da Turma vai ser de grande repercussão tanto para os movimentos homossexuais no Brasil quanto para os planos de previdência e de saúde do Brasil.
O processo, que corre em segredo de justiça, é um recurso especial da Caixa Econômica Federal, cujo relator na Turma é o ministro Humberto Gomes de Barros. Houve também um recurso da Funcef – Fundação dos Economiários Federais, mas, por questões processuais, acabou não sendo admitido. A CEF questiona o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, embora afastando o reconhecimento da união estável pretendido pelos autores R. P.C e seu companheiro I. S. R, reconheceu o direito de o primeiro incluir o segundo como seu beneficiário no plano de saúde dos economiários.
Segundo o processo, os dois moram juntos há sete anos, dividindo as despesas da casa, como qualquer casal heterossexual. Ambos são portadores do vírus HIV, o que levou o primeiro a aposentar-se e pedir a inclusão do companheiro em seu plano de saúde, o que foi negado pela Caixa Econômica Federal, ao argumento de que a Constituição e as leis brasileiras vedam o reconhecimento da união estável nesses casos, uma vez que esta só é possível quando se trata de pessoas de sexos opostos.
Na sentença, de 167 páginas, o juiz federal da 10ª Vara do Rio Grande do Sul, Roger Raupp Rios, concluiu pela impossibilidade de reconhecer a união estável por falta de amparo legal, mas reconheceu o direito de I. S. R. a ser admitido no Plano de Assistência Médica Supletiva – PAMS e na Funcef, na condição de dependente de R. P. C. No acórdão da apelação da CEF, que não se conformou com a sentença, a relatora do processo, juíza Marga Barth Tessler, hoje vice-presidente do TRF da 4ª Região, argumentou que a recusa das rés em incluir o segundo autor como dependente do primeiro foi motivada pela orientação sexual dos demandantes, atitude que viola o princípio constitucional da igualdade, o qual proíbe a discriminação sexual.
A juíza considerou inaceitável o argumento da CEF de que seria necessário dispensar tratamento igualitário para todos os homossexuais, sejam masculinos ou femininos. Para a juíza, a discriminação não pode ser justificada com base em outra discriminação. Entendeu, por isso, injustificável a recusa em incluir o dependente no plano de saúde, uma vez que estão preenchidos, no caso, todos os requisitos exigidos pela lei para esse benefício, tais como, vida em comum, laços afetivos, divisão de despesas.
Para ela, mais injustificável se torna a recusa caso se leve em consideração que os contratos de saúde desempenham um importante papel na área econômica e social, permitindo o acesso dos indivíduos a vários benefícios necessários. Devem, portanto, os contratos nessa área merecer interpretação que resguarde os direitos constitucionalmente assegurados, sob pena de restar inviabilizada a sua função social e econômica.
Ao examinar o recurso da CEF, o relator do processo, ministro Humberto Gomes de Barros, argumentou que, de fato, o conceito de união estável, previsto constitucionalmente, só é passível de estabelecer-se entre homem e mulher. Mas, no caso, a questão consiste em definir se os integrantes de uma relação homossexual estável têm direito à inclusão em plano de saúde. Dessa forma, entendendo que a pessoa homossexual não pode ser encarada como um cidadão de segunda classe, votou pela manutenção integral do acórdão, rejeitando o recurso da Caixa Econômica Federal e garantindo o direito ao plano de saúde pretendido. A presidente da Turma, ministra Nancy Andrighi, acompanhou também esse entendimento, o mesmo fazendo o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, terceiro a votar.
O ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no entanto, deixou claro que não estava avançando qualquer juízo de valor sobre a questão do reconhecimento da união estável, que o ordenamento legal não permite nesse caso, mas sim analisando a questão do direito à inclusão no plano de saúde. Argumentou que qualquer contratante tem o direito de indicar quem quiser para seu beneficiário, bastando que estejam preenchidos os requisitos para isso.
Com o pedido de vista do ministro Castro Filho, ficaram faltando dois votos, o do próprio ministro Castro Filho e do decano do Tribunal, ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Como os processos com pedido de vista são levados em mesa – não precisam ser reincluídos na pauta –, esse julgamento poderá ter continuidade em qualquer uma das próximas sessões da Terceira Turma, que ocorrem normalmente às terças e quintas-feiras.
Em caso semelhante apreciado pela Terceira Turma anteriormente, os ministros não chegaram a apreciar o mérito do pedido. Naquela ocasião, ficou mantida decisão do TRF gaúcho de que companheiro de funcionário homossexual da Caixa Econômica Federal portador do vírus HIV pode ser incluído como dependente no Plano de Assistência Médica Suplementar da CEF. O relator, ministro Ari Pargendler, não chegou a aceitar o recurso por uma questão processual. Esse novo recurso em discussão na Turma será o primeiro a aprofundar o tema.