Direito de Família na Mídia
Supremo autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias
30/05/2008 Fonte: Última InstânciaCom seis votos favoráveis, os ministros julgaram improcedente ação direta de inconstitucionalidade contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança. A decisão mantém a esperança de cura, alimentada por pacientes com doenças degenerativas ou portadores de deficiência, que pode vir a partir do resultado dos estudos.
A tese favorável à liberação das pesquisas, defendida pelo relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, foi acompanhada também pelos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ellen Gracie, Cármem Lúcia e Joaquim Barbosa. Prevaleceu o entendimento do relator de que "um embrião congelado, que jamais será gerado, não pode gozar dos direitos de proteção da vida e da dignidade da pessoa humana".
A Lei de Biossegurança foi aprovada em 2005 e o seu artigo 5º permite que embriões congelados há mais de três anos sejam usados para pesquisas.
O ministro Celso de Mello disse que a decisão "representa a aurora de um novo tempo, a celebração solidária da vida e da liberdade", que garante a esperança de uma vida com dignidade aos portadores deficiência.
Entre os votos vencidos, os do ministro Eros Grau e do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, recomendaram reparos técnicos à legislação. Carlos Alberto Menezes Direito, que havia pedido vista dos autos em março deste ano, e Ricardo Lewandowski se manifestaram por restrições às pesquisas, o que, segundo especialistas, na prática as inviabilizaria.
Suspenso por Gilmar Mendes na quarta-feira após os votos de Menezes Direito, Cármem Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso -Ayres Britto e Ellen Gracie haviam dado seus votos em 5/3-, o julgamento foi retomado às 14h desta quinta-feira (28/5), com a reclamação do ministro Cezar Peluso a respeito da interpretação dada ao voto proferido na quarta-feira (28/5). Peluso criticou o entendimento dado ao seu voto -segundo ele, não havia sido feita nenhuma ressalva às pesquisas, apenas exigido maior controle.
Após idas e vindas, o voto do ministro Cezar Peluso ficou como parcialmente procedente.
Em seguida, os ministros Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski e Menezes Direito discutiram os seus entedimentos. Gracie havia antecipado o voto antes do pedido de vista de Direito, em 5 de março, e reafirmou sua posição.
Discussão
Uma sugestão do ministro Cezar Peluso para que os ministros da corte pudessem deliberar sobre a conveniência do tribunal em apontar expressamente a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) como órgão fiscalizador de todos os estudos -e assim criar um sistema de responsabilidade sobre as pesquisas na área-provocou reação do ministro Celso de Mello.
Aos gritos, ele repreendeu Peluso e cobrou a declaração do resultado do julgamento com 6 votos favoráveis à autorização das pesquisas com células-tronco embrionárias sem nenhuma restrição ao texto da Lei de Biossegurança.
"Há seis votos claríssimos que rejeitam a pretensão de inconstitucionalidade da lei. O senhor [se dirigindo a Peluso] está em posição minoritária", disse Mello.
Como Celso de Mello se estendeu por alguns minutos em suas palavras, Peluso provocou: "Vossa Excelência [se dirigindo a Mello] gastou uma hora para falar isso?".
Gilmar Mendes
Gilmar Mendes votou pela constitucionalidade, com ressalvas, da lei que autoriza pesquisas com células tronco-embrionárias.
Segundo Mendes, a legislação brasileira sobre o assunto carece de maior rigor, se comparada com a regulamentação feita por outros países que já se utilizam das pesquisas.
"Na análise comparativa, a lei brasileira contém algum tratamento ineficiente em relação às pesquisas, podendo ensejar violação a princípio da proporcionalidade", disse.
Entretanto, ao condicionar a permissão das pesquisas à aprovação de um comitê central de ética, o presidente do STF ressaltou que declarar a inconstitucionalidade causaria um vício legislativo mais danoso do que a manutenção da sua vigência", através de uma "solução reparadora".
Celso de Mello
Reiterando o que já havia dito tanto no primeiro dia de julgamento da ação, em 5 de março, quanto nos intervalos da retomada, na quarta-feira (28/5), Celso de Mello garantiu maioria aos que defendem o uso das células-tronco embrionárias em pesquisas.
Celso de Mello baseou o voto, em parte, em documento apresentado por um grupo de trabalho da Academia Brasileira de Ciências. No documento, os cientistas afirmam que a vida do futuro feto está "irremediavelmente condicionada" ao desenvolvimento do embrião no útero. Eles dizem ainda que as pesquisas com células-tronco adultas, por enquanto, indicam que elas não são mais promissoras que as embrionárias.
O ministro também fez uma longa consideração sobre a laicidade do Estado brasileiro e frisou que, "nesta república laica, o Estado não se submete a religiões".
Celso de Mello concluiu o voto afirmando que, após esse julgamento, que classificou de "efetivamente histórico", "milhões de pessoas não estarão mais condenadas à desesperança".
Marco Aurélio
Em um voto que prometeu ser "conciso e rápido", mas que durou cerca de uma hora, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou que a posição do Supremo não pode impedir quem não tem meios de procurar o tratamento em países em que a pesquisa é liberada a buscar a cura.
"Ordens contrárias às pesquisas não merecem prosperar", disse. "[A decisão contrária] prejudicará justamente aqueles que não tem como buscar em outro centro o tratamento necessário."
Mello afirmou que não cabe ao Supremo Tribunal Federal apresentar sugestões de modificação da norma, em uma crítica aos votos parcialmente favoráveis e contrários dos ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cezar Peluso.
"É de todo impróprio o Supremo julgar fazendo recomendações, ele não é órgão de aconselhamento", afirmou.
Segundo Marco Aurélio, "a lei [de Biossegurança] foi aprovada por 96% dos senadores e 85% dos deputados, o que demonstra razoabilidade".
Para o ministro, as premissas que levam à interpretação de que a lei é ambígua "não se fazem presente".
De acordo com Marco Aurélio, apresentando recomendações à lei, há um risco de se redesenhar o texto legislativo, "assumindo o Supremo o papel de legislador positivo".
Ao finalizar o seu voto, Marco Aurélio Mello afirmou que o "tema da vida" continua sendo "alvo de grande expectativa no Brasil", o que dá responsabilidade ao Supremo.
"Cumpre a esta Corte a guarda da Constituição Federal, julgando improcedente a ação e mantendo a esperança sem a qual a vida do homem se torna inócua", disse.
E completou: "que se aguarde o amanhã, não se apagando a luz que no Brasil surgiu com a Lei 11.105/2005 [Lei de Biossegurança]".
Ação
O julgamento da ação teve início em março, quando o relator e a então presidente do STF, ministra Ellen Gracie, votaram pela improcedência da ação, considerando constitucionais as pesquisas.
A ação foi ajuizada no Supremo em 2005 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, e questiona o artigo 5º da Lei 11.105/05, conhecida como Lei de Biossegurança, que permite a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias.
O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresentou o parecer contrário à continuidade das pesquisas. Entidades também defenderam suas posições em plenário.
Em favor das pesquisas, o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, em nome da Presidência da República, defendeu que apenas a partir do nascimento o embrião tem direito à vida. "Por que a pena é diferente para o caso de um aborto e de um homicídio? A legislação brasileira não trata o feto como ser humano. O que se falar de um embrião congelado, que não está no útero da mulher? Poderá o Estado obrigar a mulher que doou o óvulo a conceber o embrião?", questionou.
Para Ives Gandra Martins, primeiro a fazer sustentação oral pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), "a vida tem início no momento em que o embrião é fecundado". Desse modo, a Constituição Federal e o Código Civil lhe garantem o direito à vida e personalidade jurídica. O advogado não deve comparecer ao plenário nesta quarta-feira. Ele enviou um fax ao ministro relator justificando sua ausência.