Direito de Família na Mídia
A Justiça gaúcha autorizou uma menina sem pai a incluir o segundo sobrenome da mãe
06/11/2018 Fonte: O SulSe não representar prejuízo a terceiros e tiver vital importância na vida de uma pessoa, a alteração no registro de nascimento não pode ser negada pela Justiça. Por isso, a 8ª Câmara Cível do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) deu provimento a recurso que determinou a inclusão do sobrenome da avó materna na certidão de uma menina que, por não ter sido registrada pelo pai, só leva o último sobrenome da mãe.
Segundo a mãe, a garota sofria uma série de constrangimentos, principalmente na escola, por carregar apenas um sobrenome, herdado do avô materno. Ela pediu que a Justiça autorizasse a alteração de registro para incluir, então, o seu segundo sobrenome — ou seja, o sobrenome da avó materna. O juízo de origem, entretanto, indeferiu o pedido, o que levou à interposição de apelação ao TJ-RS.
Para o relator do recurso, desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, embora a legislação faculte a alteração voluntária de elementos componentes do nome, a partir da maioridade, também prevê a flexibilização do princípio da imutabilidade em casos especiais, como o presente.
‘‘Com efeito, embora seja regra a imutabilidade, não se justifica a adoção de um rigorismo absoluto e sem sentido prático, já que a pretensão aqui esposada, de simples acréscimo de sobrenome de ascendente da linhagem materna, ao cabo, visa a facilitar a identificação com o grupo familiar, justamente uma das razões de ser dos registros, cumprindo ao intérprete não olvidar da missão do Direito como instrumento de efetivação da paz social’’, complementou no acórdão.
Para ilustrar o entendimento, Pastl citou a jurisprudência da corte. Manifestou-se o então desembargador Claudir Fidélis Faccenda: ‘‘Certo que a regra é da imutabilidade do prenome, a lei também deve servir de instrumento para manter a paz social e harmonizar a vida das pessoas, solucionando seus conflitos, razão pela qual não se justifica um rigorismo exacerbado’’.
Sobrenome da madrasta ou padrasto
A Lei de Registros Públicos, ao autorizar que enteados adotem o nome de família do padrasto ou da madrasta, não exige que o pai ou mãe biológicos concordem com tal acréscimo. Com esse entendimento, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve, no início do ano, sentença que julgou procedente uma ação de retificação de registro civil.
O autor, que é menor de idade e foi representado no processo pela mãe, teve reconhecido o direito de incluir o sobrenome do padrasto. O problema é que o pai registral do menor considerava o pedido descabido, recorrendo contra a decisão da Vara dos Registros Públicos da Comarca de Porto Alegre.
Em razões recursais, ele disse que o juízo não se manifestou sobre o pedido de estudo social no núcleo familiar do menor. Afirmou ainda que não se trata apenas de simples retificação de registro, mas de um clássico caso de alienação parental.
No mérito, sustentou que o filho, pela ‘‘tenra idade’’, não tem discernimento para fazer tal pedido. Assim, somente quando atingisse a maioridade é que poderia manifestar interesse em acrescentar o patronímico do padrasto.
O relator no TJ-RS, desembargador Rui Portanova, negou a legitimidade do pai registral para figurar no processo, já que os autos não discutem a exclusão do sobrenome dele. ‘‘A lei não fala e nem cogita na necessidade de concordância do pai biológico com tal acréscimo, advindo daí a projeção de que a ele faltaria legitimidade para figurar neste processo, inclusive para recorrer contra a sentença’’, explicou.
Conforme Portanova, também não se pode falar em cerceamento da defesa, já que a pretensão do autor é apenas acrescentar ao nome do apelado o sobrenome do padrasto. E essa possibilidade vem expressa no artigo 57 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), desde 2009, por mudança fixada pela Lei 11.924.
O relator citou trecho da sentença do juiz Antonio Nascimento e Silva, ao publicar a justificativa do projeto de lei que levou à alteração: a iniciativa, segundo o texto, “vem em socorro daquelas centenas de casos que vemos todos os dias, de pessoas que, estando em seu segundo ou terceiro casamento, criam os filhos de sua companheira como se seus próprios filhos fossem. Essas pessoas dividem uma vida inteira e na grande maioria dos casos têm mais intimidade com o padrasto do que com o próprio pai, que acabou por acompanhar a vida dos filhos à distância. É natural, pois, que surja o desejo de trazer em seu nome o nome de família do padrasto’’.