Direito de Família na Mídia
Eleições e feminismo: a luta por mais mulheres no poder
08/06/2018 Fonte: Leia JáAs eleições deste ano carregam consigo uma expectativa forte de mudança da conjuntura do país, mas não apenas isso. Uma parcela da sociedade nutre também a esperança de ampliar a participação de mulheres na política para, desta forma, reforçar a pauta feminista no Congresso Nacional. Feminismo este que, em síntese, defende a ampliação do papel e dos direitos das mulheres na sociedade e virou uma das palavras do momento no país.
Nessa perspectiva vem surgindo movimentos e iniciativas que pretendem endossar candidaturas que hasteiam a bandeira, mas esbarram nas dificuldades dentro dos partidos - principalmente de direita e centro. Um grupo que vem trabalhando para reverter o quadro é o PartidA, movimento nacional que, inclusive, encabeça uma campanha chamada “Meu voto será feminista”.
Para a militante da organização, Daiane Dutra, a subrepresentação das mulheres em espaços políticos tem gerado um cenário caótico para o gênero no Brasil e a ideia do PartidA é garantir que as pautas feministas passem a ser contempladas de forma mais significativa no setor que rege a sociedade com leis predominantemente criadas por “homens conservadores”.
“Queremos garantir que mais mulheres sejam eleitas em 2018 e as pautas feministas estejam contempladas nas plataformas políticas, agora isso não significa que não façamos intervenções em mandatos liderados por homens, por exemplo. Acreditamos que alguns homens são aliados a luta feminista e isso é importante”, observou.
“A prioridade total, contudo, é que possamos garantir que as mulheres sejam candidatas, mulheres feministas principalmente. Não é porque ela é mulher que defende nossas pautas”, completou, lembrando da atuação da vereadora do Recife, Michele Collins (PP), que é contra a legalização do aborto considerada uma das pautas mais importantes para o feminismo.
Liderando uma chapa feminista que disputa o Governo de Pernambuco, a pré-candidata do PSOL a governadora e advogada, Daniele Portela, acredita que as eleições deste ano podem abrir espaço para as mulheres que, na ótica dela, são à base da sociedade.
“As mulheres estão reivindicando o seu lugar depois de um apagamento quase total ao longo da nossa história. Ainda é muita pequena nossa participação nos espaços políticos, mesmo com a cota de 30% de candidaturas femininas por partido. Essas posições são tradicionalmente ocupadas por homens, héteros, cis e na sua maioria brancos. Neste sentido, acredito que a pauta feminista traga um novo olhar para os problemas postos nos estados e no país. Um olhar que, a partir do recorte de gênero, consiga trazer soluções para problemas históricos como o desemprego de mulheres”, salientou.
Na avaliação de Danielle, a maioria da população “tem mostrado profundo descontentamento com a classe política” e, uma parte dela, por conta disso, “tende a se aliar com pautas e candidatos que apresentem discursos mais conservadores”. Para reagir a tal tendência, a psolista disse que defender a participação feminista no pleito “é questão de princípios”.
“É preciso delimitar os espaços e saber onde nos colocamos. Defender um recorte feminista nessa eleição é uma questão de princípios. E por isso creio que, quem se coloca como postulante defendendo essa pauta, necessariamente será uma candidatura forte”, reforçou a pré-candidata a governadora.
A quebra de estereótipos e identificação de candidatura feminista
A palavra feminismo tem sido cada vez mais utilizada no país e passou a pautar até o mercado, mas na política ela ainda é carregada de estereótipos dosados pelo preconceito, o que dificulta a vida dos movimentos e de quem defende a iniciativa. Questionada sobre como fazer para quebrar paradigmas negativos diante das defesas feministas e, principalmente neste período eleitoral, Daiane Dutra disse que a primeira ação deve ser de conscientização entre as próprias mulheres.
“Vivenciamos um movimento bem interessante em relação a palavra feminista que o próprio movimento traz com uma carga muito forte de conquistas de direitos. O próprio capitalismo está trazendo como algo que precisamos inserir na sociedade, mas a grande questão é como que esse termo está sendo passado para as pessoas e, sobretudo, para as mulheres? Não basta ser da moda”, argumentou a militante do PartidA.
Para ela, outra questão salutar, é o fato do feminismo pautar candidaturas de partidos de esquerda. “Nos partidos de direita e centro-direita o mote de mulheres no poder está bem presente, mas não basta que sejam mulheres. Mulheres de direita não necessariamente vão defender o direito das mulheres negras, periféricas e da população LGBT”, destacou.
Um exemplo do reforço de candidaturas feministas serem predominantes em partidos de esquerda são as iniciativas do PSOL e do PT neste viés. Em Pernambuco, além da chapa majoritária feminista, a legenda psolista também está construindo projetos como o “Juntas” que apresentará candidaturas de cinco mulheres para a Assembleia Legislativa e a Câmara dos Deputados com a mesma linha de defesa, pautando temas como o feminismo e a luta LGBT.
Já no PT, foi criada a iniciativa “Elas por Elas” que pretende “impulsionar, formar e dar condições materiais e políticas para que mulheres feministas ocupem cargos políticos, dentro e fora do partido”.
Feminismo: da sociedade para a política
A conscientização das próprias mulheres sobre a abrangência do feminismo também baseou um panorama feito pela cientista política Priscila Lapa. Sob a ótica da estudiosa, nas últimas eleições “não foi possível ver uma evolução das candidaturas” do gênero e a pauta feminista não tem ganhado uma abrangência no debate eleitoral.
Para que isso cresça, segundo ela, é necessário a quebra dos tabus que permeiam a pauta feminista e isso acontecerá somente a partir de uma mudança na sociedade.
“A medida que a mentalidade das pessoas muda sobre isso vai se refletindo na política. A gente caminha positivamente no debate público, quando se traz para as escolas, por exemplo. É possível enfrentar esse tema com menos tabus, como o que fala que feminismo é algo restrito ou ultrapassado. Dentro da esfera política, porém, ainda precisa percorrer um longo caminho. É uma esfera muito machista. A classe política não dá a devida importância ao tema”, disse a estudiosa.
Na classe política, Lapa disse que a pauta feminista é atendida apenas diante de apelos e comoções a partir de tragédias que abalem a sociedade, como foi o caso da morte da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL).
A decisão pelo voto feminista
Apesar da falta de candidaturas competitivas e dos meses que ainda faltam para o início da campanha eleitoral, há quem já tenha definido que votará apenas em mulheres no pleito deste ano. Como é o caso da estudante de enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco, Mirella Santana, 20 anos. A universitária acredita que, em sua maioria, os deputados e senadores não servem ao povo e, por isso, decidiu guiar a posição político-eleitoral a partir do que chamou de “um voto integralmente representativo”.
“Não cabe mais votar em quem não representa essas ideias, em partidos afundados em escândalos de corrupção. Não cabe mais votar naqueles que se dizem ‘neutros’, pois neutralidade já é um posicionamento”, salientou a eleitora.
“Esse ano eu decidi votar só em mulheres. Uma decisão que considero óbvia pra mim, que luto por uma democracia verdadeiramente representativa. Ao contrário do que vemos hoje: um estado majoritariamente composto por homens brancos, cis, héteros, de alta classe social e herdeiros de uma trajetória política familiar. E não basta ser mulher, tem que levantar as minhas bandeiras e me representar de verdade”, completou, pontuando ter se descoberto, diante do cenário político do país, uma pessoa “feminista, social democrata e progressista”.
A postura de Mirella Santana e tantas outras mulheres que já definiram o voto dão aos movimentos a esperança de que os dados atuais de candidaturas e de eleitas podem mudar com a eleição deste ano. Para se ter uma ideia, atualmente elas estão representadas em 10% dos mandatos nas casas legislativas, o que deixa o Brasil no ranking atrás de países como Arábia Saudita, Síria, Iraque e Emirados Árabes. Em 2014, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 29,73% dos quase 25 mil candidatos eram mulheres.