Direito de Família na Mídia
Sem estrutura, adoção continua demorada
28/05/2018 Fonte: Diário de CuiabáSancionada há seis meses, a lei que visa reduzir os prazos de espera para adoção de crianças e adolescentes tem esbarrado na falta de estrutura do Judiciário.
A avaliação é de juízes e especialistas na área de infância ouvidos pela reportagem.
Entre as mudanças da nova norma, está a definição de prazos para conclusão de diferentes etapas da adoção, o que não havia na lei anterior.
É o caso, por exemplo, da avaliação para que pretendentes a adotar possam ser incluídos na fila (etapa prevista para ocorrer até 120 dias), do estágio de convivência com a criança (90 dias prorrogáveis) e da conclusão do processo de adoção (120 dias, também prorrogáveis).
Na prática, porém, juízes afirmam que ainda falta estrutura e número suficiente de técnicos e juízes para dar conta desses prazos.
"Não vejo como cumprir a lei sem fazer essa alteração na estrutura. É pouco funcionário para muita demanda", afirma a juíza da 3ª Vara da Infância, Juventude e Idoso do Rio, Mônica Labuto.
A mesma avaliação faz Iberê de Castro Dias, juiz assessor da corregedoria de Justiça do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo). "A lei estipula novos prazos, mas isso não reaparelha todas as varas de infância do estado", afirma.
Entre os entraves, estão a falta de varas específicas para a área de infância e de técnicos como assistentes sociais que possam fazer o estudo psicossocial, necessário para que juízes possam proferir as sentenças.
"Há um congestionamento de processos para este estudo. Temos alguns há quase um ano", relata Walter Gomes de Sousa, supervisor de adoção da Vara de Infância e Juventude do Distrito Federal.
Outra longa espera é para a habilitação. Só em Mato Grosso, por exemplo, há 220 processos que aguardam a convocação–alguns deles ainda de março do último ano.
Na prática, isso inviabiliza que os pretendentes possam entrar na fila para adotar uma criança ou adolescente.
Já a demora na conclusão desses processos faz com que os pretendentes fiquem sem acesso à certidão atualizada de nascimento da criança.
Questionados, tribunais ouvidos pela reportagem reconhecem o problema e dizem investir em mutirões para tentar acelerar a tramitação dos processos de adoção.
No entanto, os tribunais dizem que não há previsão de contratação de novas equipes devido à crise econômica e ao contingenciamento no orçamento dos estados.
A demora afeta famílias como a da estilista Raquel Pereira, 41.. Há dois anos, ela obteve a guarda de Éder, hoje com sete anos.
No início, conta a estilista, o processo andou rápido e foi repleto de coincidências. Uma delas é que, assim que ela e o marido tiveram o cadastro aprovado para entrarem na fila para adotar, o menino ganhou o aval para ir para a adoção.
A outra coincidência é que, assim que Raquel iniciou a convivência com o menino, descobriu que Éder já a conhecia e a via do portão da escola, onde ele pegava o ônibus e ela deixava o sobrinho.
Hoje, o menino conta com orgulho para os colegas sobre sua história de adoção.
"Um dia ele me falou: 'mãe, eu queria ter nascido da sua barriga'. Mas eu brinco: 'você acha que eu conseguiria fazer uma coisinha linda dessas?'"
Enquanto isso, a família ainda espera pelo final do processo de adoção de Éder.
O motivo: apesar do prazo previsto de 120 dias para a conclusão, isso ainda não ocorreu.
"Nos dizem que até está indo rápido, porque tem gente que demora até cinco anos", afirma a mãe. "Mas não é verdade. A partir do momento em que já está com a criança, ela já é sua. Mas até não termos isso no papel, vivemos uma ansiedade grande."
DESCOMPASSO - Além da falta de estrutura, o descompasso entre um perfil desejado por quem quer adotar uma criança e a realidade nos abrigos ainda é outro entrave que leva à demora no processo de adoção –ou que faz, muitas vezes, com que ele nem aconteça.
Atualmente, o Brasil ainda tem 8.763 crianças à espera de adoção. Na outra ponta, há 43.615 pretendentes cadastrados para serem pais adotivos dessas crianças.
Isso poderia indicar que, para cada uma delas, há cinco pretendentes a serem seus pais adotivos. Na prática, porém, nem sempre esses dois lados se encontram.
"O principal gargalo, quando se fala na demora, é pela escolha que o próprio adotante faz. Não há problema em querer adotar crianças até três anos. Mas não dá para reclamar da demora na fila", afirma Iberê Dias, do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A boa notícia é que, aos poucos, esse cenário de desencontro entre o perfil desejado pelos adotantes e a realidade nos abrigos para menores s vem mudando no país.
Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apontam que, nos últimos oito anos, a proporção de pretendentes que aceitava só crianças brancas caiu de 39% para 17%.
Já o índice daqueles que são indiferentes a cor teve comportamento contrário: passou 29% para 47,2%.
A justificativa para esse cenário está na maior atenção ao tema e no aumento das parcerias com grupos de apoio à adoção, que ajudam a orientar pretendentes para a adoção.
"Aos poucos, percebemos que o adotante tem ampliado o perfil", diz Sara Vargas, presidente da Angaad (Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção).
"Quando entrei nessa área, praticamente não se fazia adoção nacional de crianças até sete anos. Agora, encontramos até dez anos", diz Mônica Labuto, do Rio.
Foi o que ocorreu com Eduardo Pires, 38. Inicialmente, ele e a mulher preencheram no cadastro que queriam adotar uma menina de até sete anos, já que já tinham outro filho, biológico, de oito.
Após dois anos de espera, no entanto, o casal decidiu alterar o perfil colocado no cadastro para 8 anos, com até um irmão.
Depois, em contato com grupos de apoio à adoção, decidiram mudar para até três irmãos. "Como eu sou filho adotivo, eu já tinha essa ideia de adoção", conta Eduardo. "Mas faltava convencer minha mulher."
Na próxima segunda-feira (28), a família completa a primeira semana com uma nova configuração na casa: bem mais cheia.
Na última segunda-feira (21), Eduardo e a mulher receberam a guarda de cinco irmãos, entre 5 e 11 anos, os quais conheceram por meio de grupos de busca ativa para crianças com menos chance de adoção.
"Está uma loucura. Tive que comprar um carro maior e mudei meu trabalho para poder ficar mais tempo com eles", afirma Eduardo.
"Parece um desafio, mas quando vem aquele monte de gente junto, deita todo mundo na cama e te chama de pai e mãe, é maravilhoso."