Direito de Família na Mídia
Vereadores de Rio Branco deixam casais homoafetivos de fora do Estatuto da Família
06/04/2018 Fonte: Página 20Os vereadores de Rio Branco aprovaram nesta quinta-feira, 5, o Estatuto da Vida e da Família, de autoria da Associação dos Ministros Evangélicos do Acre (Ameacre), que exclui do conceito de família arranjos formados por pessoas do mesmo sexo.
Ao versar sobre diretrizes de políticas públicas familiares, o PL acaba por deixar os núcleos homoafetivos de fora de uma série de direitos a serem instituídos a partir do Estatuto, que diz, em seu segundo parágrafo, que a entidade familiar é formada a partir da união entre homem e mulher. O projeto vai para sanção do prefeito Marcus Alexandre.
Entre os direitos que podem ser negados a esse grupo enquanto entidade familiar está o de participar de políticas públicas voltadas à educação, saúde, alimentação, moradia, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania e convivência comunitária, de acordo com o próprio PL.
O projeto foi aprovado por 10 votos favoráveis e três contrários. Entre os parlamentares que apoiaram o PL estão Dankar (PT), Emerson Jarude (Sem partido/Movimento Livres), N. Lima (Sem partido/Ex-DEM), Clezio Moreira (PSDB), Célio Gadelha (PSDB), Juruna (PSL), Elzinha Mendonça (PDT), Artemio Costa (PSB), Roberto Duarte (PMDB) e Lene Petecão (PSD). Apenas Rodrigo Forneck (PT), Jakson Ramos (PT) e Eduardo Farias (PCdoB) votaram contrários à proposta. Os demais vereadores não compareceram à sessão.
Polêmico, o PL não teve debate amplo com a sociedade e os movimentos sociais, que só tomaram conhecimento da pauta na véspera da votação. Após mobilização de última hora, dezenas de LGBTs e simpatizantes foram até a Câmara dos Vereadores de Rio Branco protestar contra a exclusão de seus arranjos familiares no Estatuto da Família.
“O direito de os LGBTs serem uma família não tira o direito de outras famílias também o serem. Não somos contrários ao Estatuto, apenas queremos que ele seja por todas as famílias, que também merecem amparo do Estado. Não aceitaremos o jeito pelo qual o PL foi trazido para votação, de forma sorrateira e com cunho discriminatório”, disse o presidente do Conselho Estadual de Combate à Discriminação LGBT, Germano Marino.
Ao tomarem conhecimento da presença dos ativistas na galeria, vários evangélicos, sob a liderança do presidente da Ameacre, pastor Paulo Machado, foram até a Câmara. Ao final da sessão, Machado avaliou como “satisfatório” o resultado do processo e resgatou a Constituição Federal para justificar a não inclusão de uniões homoafetivas enquanto família, uma vez que a Carta Magna ainda não passou por atualização nesse sentido.
“Não estamos fechando questão para um grupo exclusivo e deixando de fora outros. Se houver modificação na Constituição Federal, haverá também em qualquer PL que trate do tema, inclusive o nosso”, disse o pastor, que também chamou de radical a manifestação “daqueles que se opõem contra um processo tradicional de família”.
Jurisprudência
É fato que o artigo 1.723 do Código Civil brasileiro diz que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. O item tem o reforço do artigo 226 da Constituição, invocado pelo pastor Paulo Machado.
Mas, em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou sobre a união homoafetiva e votou para excluir qualquer interpretação desse artigo que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, baseando-se no princípio da igualdade e da dignidade humana.
Mais tarde, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução que obriga os cartórios de todo o país a celebrarem o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento, dando a esses arranjos todos os direitos de família, como regime de bens, direito ao divórcio, herança e sucessão, seguridade social, entre outros. Isso gerou jurisprudência para que o debate acerca do conceito de família seja atualizado, o que justifica o argumento dos ativistas LGBTs de que o Estatuto aprovado na Câmara dos Vereadores de Rio Branco é ultrapassado.
Por causa disso, o movimento LGBT organizado solicitou amparo ao Ministério Público do Acre (MPAC), que já avisou que vai emitir uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para barrar o texto original do projeto.
Apelo religioso
O Estatuto da Família de Rio Branco tem forte apelo religioso, uma vez que prevê a criação de um conselho formado pela Associação dos Ministros Evangélicos, Dioceses, Loja Maçônica e Federação Espírita, além do Conselho Tutelar e da Promotoria da Família do Ministério Público do Acre (MPAC), únicas entidades laicas.
E é esse um dos pontos que também foi alvo de críticas por parte dos vereadores que se posicionaram contra a medida. Segundo eles, não cabe a um projeto de lei que propõe a criação de conselhos nomenclaturar as instituições que farão parte deles.
O vereador Rodrigo Forneck solicitou que a votação do PL fosse interrompida para que o documento pudesse ser melhor avaliado. Ele propôs ainda algumas emendas, todas rejeitadas pelo plenário. Uma delas altera o nome do documento para Estatuto da Vida e das Famílias, no plural. Outra diz que o conceito de família é a união entre duas pessoas.
“A definição de família colocada nesse projeto é um conceito ultrapassado, medieval, conservador e que não representa a sociedade do século 21. Portanto, a gente começa a tratar o conceito de família no plural, reconhecendo as diversas configurações”, disse.
Ânimos exaltados
Após a sessão, alguns manifestantes jogaram ovos no veículo conduzido pelo vereador N. Lima, que votou a favor do projeto e contra as emendas apresentadas pelo colega Rodrigo Forneck.
“É lamentável ver pessoas esclarecidas não aceitarem a democracia. Votamos conforme consideramos ser o melhor. Isso mostra mais uma vez que militantes partidários não aceitam ser contrariados. Já reportei o caso à mesa diretora e irei tomar providencias jurídicas com relação ao fato”, disse, em entrevista a um site de notícias local.