Direito de Família na Mídia
Projeto do TJ do Rio dá apoio a vítimas de violência doméstica ameaçadas de morte
28/08/2017 Fonte: www.tjrj.jus.brNa noite do dia 13 de setembro de 2014, Flávia Lima, 24 anos, sem profissão, mãe de três filhos –na época com seis, três e um ano de idade–, moradora de Duque de Caxias e casada há quatro anos, após ter suportado várias agressões, foi ameaçada de morte pelo companheiro e decidiu denunciá-lo à polícia.
Três meses depois, na madrugada do dia 1º de dezembro, Ellen Oliveira, então com 22 anos, mãe de uma menina de três anos, após ser ameaçada de morte pelo marido, que chegou drogado em casa – era consumidor de crack –, no bairro de Cosmos, na Zona Oeste do Rio, também decidiu apresentar denúncia na delegacia.
As histórias de Flávia e de Ellen poderiam se somar a tantas outras que engrossam a extensa lista de estatísticas de violência contra a mulher. De acordo com os dados divulgados pelo “Dossiê Mulher-2017”, do Instituto de Segurança Pública da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, ao longo dos últimos cinco anos houve um aumento de 34% nos assassinatos de mulheres no estado. Desse total, atuais e ex-companheiros foram indicados como prováveis autores em 12,6% dos casos.
Após as denúncias, Flávia, assim como ocorreu com Ellen em dezembro, foi encaminhada pelos policiais à Central Judiciária de Abrigamento Provisório da Mulher Vítima de Violência Doméstica (Cejuvida), órgão criado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) em 2010 para atender as mulheres vítimas de violência doméstica durante o Plantão Judiciário.
Reunindo uma equipe de psicólogos e assistentes sociais, a Cejuvida realiza atendimento às mulheres que sofreram violência doméstica e que estão ameaçadas de morte pelo marido ou companheiro, e que buscam socorro nas delegacias a partir das 18 horas, quando se inicia o Plantão Judiciário.
Após entrevista com a equipe da Central o caso é avaliado por um juiz do Plantão que, verificando a necessidade de alojamento em lugar que garanta a segurança contra o agressor, encaminha a vítima para um abrigo estadual ou municipal em endereço sigiloso. A mulher permanece, em média, quatro meses no abrigo, onde, além de apoio psicológico, são oferecidos cursos de formação de costureira, balconista, recepcionista, entre outros.
“Esses cursos abrem novas perspectivas para as vítimas, que chegam com a autoestima baixa e veem nessa formação uma chance de recomeçar a vida, buscando uma oportunidade no mercado de trabalho, sem a dependência financeira do ex-companheiro no momento de seu retorno à sua vida social”, destacou a psicóloga Lídia Schnetzer.
Foi o caso de Flávia, que, durante o período que esteve no abrigo, fez curso de camareira e, ao sair de lá, conseguiu um emprego que a possibilitou alugar uma casa.
“Eu estava muito nervosa, com medo e os profissionais da Cejuvida conversaram comigo e me acalmaram, para que eu pudesse recuperar a noção do que faria da minha vida. Minha única saída era ser transferida para o abrigo com meus filhos. Durante o período em que fiquei abrigada fiz um curso de camareira e quando saí de lá consegui um emprego e aluguei uma casa para morar com meus filhos”, afirmou Flávia.
Ellen também conseguiu recuperar sua autoestima após ficar abrigada durante cinco meses. Lá ela se inscreveu no curso de auxiliar de cozinha, além de participar das atividades de integração com as outras vítimas abrigadas, assistindo palestras ministradas por psicólogos e terapeutas ocupacionais. Ellen conta que as atividades promovidas no abrigo permitiram que ela se recuperasse emocionalmente.
“Quando cheguei na Cejuvida, encaminhada pelos policiais da delegacia, estava desorientada. Durante a entrevista com o psicólogo, percebi que não adiantava, naquele momento, tentar voltar para casa, pois acabaria morta pelo meu ex-marido. Então fui para o abrigo e lá iniciei meu processo de recuperação. Fiz amizades com outras mulheres vítimas e uma foi ajudando a outra. Fiz um curso de auxiliar de cozinha e quando saí do abrigo consegui um emprego”, explicou.
Hoje, Ellen, já recuperada, após concluir curso de cuidadora de idosos, arrumou novo emprego e tem planos mais ousados.
“Com a indenização que recebi do meu emprego anterior como auxiliar de cozinha e com a ajuda da minha família, consegui comprar um terreninho e agora, já trabalhando em uma casa de família, cuidando de uma idosa, minha próxima meta é construir, aos poucos, minha casa própria para morar com minha filha, hoje com seis anos”, revelou.
Perfil das vítimas
O psicólogo Luiz Medina, que atua na Cejuvida desde a sua criação, relata o perfil das vítimas e dos agressores, de acordo com levantamento realizado nos sete anos de atendimento.
“As vítimas abrigadas possuem em média de 30 a 40 anos de idade, sendo a maioria solteiras (cerca de 61%). Um pouco mais da metade (52%) não concluíu o Ensino Fundamental e a maioria não possui emprego e depende financeiramente do marido ou companheiro. Já a maior parte dos agressores (89%), não possuía registro de ocorrência anterior à denúncia e cerca de 76% apresentaram sintomas de uso de drogas, entre álcool e entorpecentes”, revelou Medina.
De acordo com as estatísticas da Cejuvida, a cada ano são realizados, em média, 55 abrigamentos de vítimas ameaçadas de morte, além dos atendimentos e de orientações telefônicas. Nos últimos dois anos, foram realizadas cerca de 500 orientações às vítimas por telefone. Medina explicou que a partir de 2016, a Cejuvida passou a orientar as vítimas que procuram as delegacias, mas que solicitam, apenas, medidas restritivas aos agressores.
A Cejuvida funciona no prédio do Fórum Central do TJRJ, na rua Dom Manuel s/n, entrada pelo Plantão Judiciário. O atendimento é realizado de segunda à sexta-feira, das 18h às 11 h do dia seguinte e durante as 24 horas de sábados, domingos e feriados.
Para serem indicadas pela Cejuvida às casas-abrigos, as vítimas devem ser encaminhadas pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) ou pelas delegacias de polícia com o devido boletim de ocorrência. A vítima deverá assinar um Termo de Concordância para permanecer na casa-abrigo. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (21) 3133—3894, das 18h às 11h.