Direito de Família na Mídia
Movimento GLBTT cobra aprovação de PL contra discriminação em SP
14/03/2007 Fonte: Carta MaiorApós veto do prefeito Kassab à lei que estabelecia punições a cidadãos e estabelecimentos que praticassem qualquer tipo de discriminação contra a comunidade GLBTT, movimento protesta e cobra aprovação de novo projeto de lei.
A violência contra a população GLBTT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros) é cada vez mais presente e visível na cidade de São Paulo. As agressões têm se concentrado sobretudo em regiões freqüentadas pela comunidade e no centro da capital. Recentemente, o cabeleireiro Sergio Pessoa foi duramente espancado na Praça da República e perdeu um rim. A razão dos crimes: homofobia. Como forma de combater e prevenir a violência, a comunidade GLBT desenvolveu em 2001, em parceria com o Poder Legislativo de São Paulo, um projeto de lei que penaliza a discriminação contra este grupo. O projeto foi aprovado pela Câmara Municipal em dezembro do ano passado.
O prefeito Gilberto Kassab (PFL), no entanto, vetou a nova lei, o que levou o movimento a realizar, nesta quarta-feira (15), um protesto contra a homofobia em São Paulo. Na avaliação das organizações que defendem a causa, a negativa do prefeito reforça as práticas daqueles que vitimizam GLBTTs e cria um discurso contra os Direitos Humanos dessa população.
"Em todo o Brasil, lutamos por leis que punam a homofobia. As leis não são um instrumento por si só capaz de superar algo tão histórico como este tipo de preconceito. Mas são mecanismos importantes de ação em casos de homofobia. Foi uma lei estadual, por exemplo, que permitiu a punição contra o shopping Frei Caneca pela discriminação a um casal homossexual. Foi importante para aquelas pessoas. Essa é a razão do movimento exigir que o município de São Paulo, depois de tanto tempo de tramitação, aprove uma lei que puna a homofobia em âmbito municipal", explica Paulo Mariante, do Identidade – Grupo de Ação Pela Cidadania Homossexual.
Com base na existência de uma legislação estadual semelhante e nos tratados internacionais de defesa dos direitos humanos, Kassab alegou a sobreposição de competências no veto dado ao projeto de lei 440/01, de autoria do então vereador Ítalo Cardoso (PT). O prefeito considerou inviável a aplicação de outras punições em nível municipal.
"... o projeto aprovado, à evidência, desborda da competência municipal prevista no artigo 30 da Constituição Federal, por tratar de matéria concernente aos direitos e garantias individuais, já amparados por ampla legislação federal, tanto de natureza civil, administrativa e trabalhista, quanto de natureza penal, de sorte que me vejo compelido a apor veto total à propositura, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público", afirmou Kassab.
"Preliminarmente, deve-se considerar que o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembléia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948, cujos artigos 1º e 2º estabelecem que ‘todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade’ e também que ‘todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação’ ", alegou o veto do prefeito.
Na opinião do vereador Carlos Gianazzi (PSOL), que fez contribuições ao projeto original, o veto de Gilberto Kassab foi, ele próprio, homofóbico. Para ele, as razões do veto não têm fundamentação jurídica, moral ou ética. "É sempre a mesma ladainha", acredita. "Este tipo de justificativa é um caminho que pode ser usado para vetar qualquer projeto de lei. Por isso, nosso repúdio. Este projeto foi construído coletivamente pela comunidade GLBTT. Nossa cidade ainda é homofóbica; a homossexualidade ainda é entendida como pecado, doença ou desvio de comportamento. Isso é um atraso para a nossa sociedade. Os homossexuais são discriminados violentamente, sem que haja uma política preventiva em relação às agressões", critica Gianazzi, para quem há uma incoerência entre São Paulo abrigar a maior parada gay do mundo e não ter uma lei específica para combater este tipo de discriminação.
Novo projeto
Nesta quarta-feira, Gianazzi e a vereadora Soninha (PT) apresentaram um novo projeto de lei à Câmara Municipal, fazendo modificações técnicas no PL anterior para evitar seu veto com base na mesma justificativa. Segundo Julian Rodrigues, do Instituto Edson Néris, membro do movimento GLBTT, seria mais difícil derrubar na Câmara o veto do prefeito do que aprovar um novo PL.
Uma das alterações realizadas trata das pessoas atingidas pela nova legislação. Pela lei vetada, todo e qualquer cidadão poderia responder pela prática de discriminação por orientação sexual. O poder de política do município, no entanto, é administrativo. O cidadão pode responder por criminal ou civilmente pela discriminação, mas a prefeitura não pode multar um cidadão. No novo PL, somente as pessoas físicas ou jurídicas que mantêm relação com a Administração Pública Municipal podem ser acionadas. Nos demais casos, a prefeitura recebe a denúncia de discriminação e encaminha para os órgãos competentes.
"Mantivemos ao máximo o espírito do projeto, mas trabalhamos em imprecisões técnicas da primeira versão, corrigindo essas questões, para que elas não possam ser usadas como alegações para um novo veto do prefeito", explicou Luis Nader, assessor jurídico do gabinete da vereadora Soninha. "Assim poderemos avaliar se a razão do veto é mesmo essa ou se há um preconceito por trás", disse.
Entre as sanções previstas no novo PL (139/07), a serem aplicadas de forma progressiva, estão advertências, multas de R$ 1.000, R$3.000, proibição de contratar com a administração pública municipal por um ano, suspensão e cassação do alvará de licença e funcionamento. Se sancionada a lei, todos os estabelecimentos públicos e privados com sede em São Paulo serão obrigados a afixar uma placa afirmando que toda e qualquer forma de discriminação ou prática de violência em razão de orientação sexual é crime está sujeita às sanções previstas na lei. São consideradas formas de discriminação inibir ou proibir a manifestação pública de carinho, afeto, emoção ou sentimento; impedir ou dificultar o ingresso ou a permanência em espaços e serviços públicos; fabricar, comercializar e distribuir símbolos e propagandas que incitem ou induzam à discriminação, preconceito, ódio ou violência com base na orientação sexual do indivíduo, entre outros.
"Há quem diga que uma lei como esta é privilégio. Não é. Combater uma situação de desigualdade, de preconceito e de violência causada em função da opção sexual e punir caso ela aconteça é garantir a cidadania e o direito dessas pessoas", afirma Soninha. "Enquanto outras cidades apresentam e aprovam projetos, aqui, infelizmente, o prefeito tem uma posição contrária. Veta uma lei aprovada na Câmara e não abre o debate público sobre o assunto. Perde uma oportunidade de conscientizar a sociedade. Temos que ganhar a consciência daqueles que ainda não perceberam a importância desta questão. Quanto mais democrática for nossa sociedade, mais harmoniosamente conviveremos", acredita Soninha.
No expediente desta quarta, Soninha leu, diante do plenário onde militantes GLBTT protestavam para pressionar os vereadores pela aprovação do novo PL, uma carta do movimento aos vereadores. No documento, as organizações lembram o II Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê programas de prevenção e combate à violência contra os GLTTB, incluindo campanhas de esclarecimento e divulgação de informações relativas à legislação que garante seus direitos. Lembram também que cidades como Porto Alegre, Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife, Maceió, Belo Horizonte, Salvador, Juiz de Fora e os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Alagoas e o Distrito Federal já possuem leis similares. Que São Paulo não fique então, desta vez mais, para trás.