Direito de Família na Mídia
Maria da Penha: "Comecei a lutar por Justiça, mas agora ela está nas mãos do povo"
15/03/2016 Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do SulUm tiro, numa madrugada de maio de 1983, mudou para sempre a vida da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes. O disparo acionado pelo marido atingiu a cearense pelas costas, enquanto ela dormia. Com três filhas pequenas, ficou paraplégica, viu sua vida limitada por conta da falta dos movimentos das pernas e teve que ir à luta para ver seu agressor devidamente punido. Com a ajuda de movimentos feministas e de organismos internacionais de Direitos Humanos, 19 anos e seis meses depois da tragédia, Maria conseguiu com que o ex-marido fosse finalmente preso, ainda que tenha cumprido uma parte da pena. Sua história virou símbolo da luta contra a violência doméstica e familiar e a Lei n° 11.340/2006, que impõe maior rigidez na punição de crimes cometidos contra mulheres brasileiras, foi batizada com o seu nome.
Nesta semana, Maria da Penha cumpriu extensa agenda em Porto Alegre. Na tarde desta sexta-feira ela participou do painel "Mulheres Gaúchas Dialogando com a Maria da Penha", no auditório do Foro Cível, na Capital. O evento, que lotou as instalações, encerrou a Semana da Justiça pela Paz em Casa, promovida pelo Poder Judiciário, através da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ).
Por onde passou, a cearense demonstrou serenidade e simpatia. "Estou feliz de estar aqui. Há mais de 30 anos deixei de cumprir o meu papel de mãe a partir do momento em que fui vítima de violência doméstica", afirmou ela, ao público presente. Quando foi atingida pelo tiro, Maria da Penha tinha três filhas pequenas, com 2, 4 e 7 anos de idade. "O que me doeu mais foi não poder acudir e acalentar as minhas filhas e de ver acontecer a injustiça. Comprovado o crime, ele saiu livre do Foro por conta de um recurso", lembra.
A ativista feminista elogiou as iniciativas gaúchas em defesa das mulheres: "O Rio Grande do Sul é pioneiro. A Patrulha Maria da Penha é um dos exemplos", citou ela, que defendeu o incremento nas políticas públicas em defesa das vítimas de violência doméstica e familiar.
Da dor à luta
Na época, versão dada pelo então marido de Maria de Penha foi de que assaltantes teriam sido os autores do disparo. Depois de ficar internada em hospitais e de passar por cirurgias, a farmacêutica ainda sofreu mais uma tentativa de homicídio, quando o marido tentou eletrocutá-la. Neste período, as investigações apontaram que ele foi de fato autor do tiro que a deixou em uma cadeira de rodas.
A primeira condenação do agressor veio somente 8 anos depois do crime, em 1991, mas devido a recursos judiciais, ele conseguiu a liberdade. Inconformada, Maria da Penha conseguiu apoio do Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher e do Centro pela Justiça e o Direito Internacional que, juntos, encaminharam, em 1998, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) uma petição contra o Estado brasileiro, relativa ao paradigmático caso de impunidade em relação à violência doméstica por ela sofrido.
Em 2001, o Estado brasileiro foi condenado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. No mês de outubro de 2002, faltando apenas seis meses para a prescrição do crime, o autor dos crimes cometidos contra Maria da Penha foi preso, mas cumpriu apenas 1/3 da pena a que fora condenado.
Fundadora do Instituto Maria da Penha, em Fortaleza (CE), hoje ela desenvolve atividades que proporcionam mecanismos para o enfrentamento a violência doméstica e familiar contra a mulher e para o dos valores humanos na sociedade, além de percorrer o país dando palestras. É difícil sair de uma situação de violência, é difícil ver a justiça ser feita, em muitos casos, mas é muito ruim a gente não alcançar os nossos objetivos. Se o objetivo é ser feliz, a gente tem que lutar por isso¿, aconselha Maria Penha às mulheres vítimas de violência.