Direito de Família na Mídia
Brasil anda para trás com Estatuto da Família
09/10/2015 Fonte: El País - BrasilO educador Toni Reis, de 50 anos, e seu marido David Harrad demoraram sete anos para conseguir adotar Alysson, hoje com 14 anos. “Foi um processo difícil”, disse Reis. “Tivemos que recorrer ao Supremo Tribunal Federal”, diz. Hoje, a família é formada por mais dois filhos além de Alysson: Jéssica, de 11 anos, e Felipe, de nove anos.
A história de Toni e David é parecida com a de centenas de casais homossexuais que tentam adotar filhos. Demora, e os processos costumam ser mais complicados do que se fosse um casal heterossexual. Mas esse processo pode ficar ainda mais difícil. Se o Projeto de Lei 6583/2013, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR), for aprovado, a família de Toni e David corre o risco de não ser reconhecida como família pelo Estado. Isso significa que direitos como herança, guarda compartilhada dos filhos em caso de separação do casal, plano de saúde corporativo e até a associação a clubes, podem ser simplesmente negados a eles.
O texto, também chamado de Estatuto da Família, trata de políticas públicas efetivas voltadas especialmente para a valorização da família. Mas define como entidade familiar apenas o “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Ou seja, exclui por completo a possibilidade de união entre pessoas do mesmo sexo perante à lei.
Também propõe modificar o Estatuto da Criança e do Adolescente para exigir que as pessoas que queiram adotar um filho sejam, necessariamente, casadas civilmente ou que mantenham uma união estável. O que significa que casais homossexuais não teriam o direito de adotar um filho, como fizeram, depois de anos de luta, Toni e David.
“É uma excrescência’, diz Reis, que também é ex-presidente, e atual secretário de Educação, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e militante dos direitos gays. “É um projeto que não dá direitos, mas tira direitos”. De acordo com Viviane Girardi, advogada especialista em direito da família, a questão é mais séria. Ela define a lei como inconstitucional. “A Constituição diz que todos são iguais perante a lei”, explica. “Se essa lei for aprovada, deve ocorrer um bombardeio de ações que vão questionar a constitucionalidade dela”.
No ano passado, foi criada uma comissão especial para apreciar o texto do projeto de lei. Segundo a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), todos os 23 deputados membros da comissão são evangélicos, exceto ela e mais três deputados petistas. Ela também compartilha da opinião de inconstitucionalidade. “Na nossa opinião, o Estatuto é inconstitucional”, disse. “E a nossa proposta é que ele seja simplesmente rejeitado [e não modificado]”.
Questionado sobre a constitucionalidade da lei, o presidente da comissão, deputado Leonardo Picciani (PMDB), desconversou. “Eu tenho evitado durante o processo manifestar a minha posição pessoal até o término do processo para que eu possa com tranquilidade conduzir a deliberação da matéria”, disse. “Eu não fiz uma análise a fundo da questão constitucional da matéria para te dizer sobre esse ponto específico”, afirmou. Procurado, o autor do Estatuto da Família, deputado Anderson Ferreira (PR), não retornou à ligação da reportagem.
A questão é polêmica. Em fevereiro deste ano, o site da Câmara criou uma enquete online perguntando: “Você concorda com a definição de família como o núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família?”. Mais de 4,6 milhões de pessoas responderam, deixando essa como a enquete mais votada do site até agora. Das respostas, 49,98% eram “sim”, e 49,71%, “não”. Embora denote um país dividido, o que não é surpresa, o resultado não interfere na aprovação ou não da PL, que está agendada para ser votada pela comissão especial nesta quarta-feira.