Direito de Família na Mídia
Corrida para conversão de união estável em casamento pode ser considerado um fenômeno
17/09/2006 Fonte: TJMSAlguns dispositivos jurídicos causam fenômenos sociais no mínimo curiosos. A última atualização do Código Civil, em 2002, é um exemplo disso, principalmente no que diz respeito ao matrimônio. Antes da vigência do novo Código, o objetivo do casamento era constituir família, agora é o estabelecimento de uma união plena de vida com base na igualdade de direitos e deveres. Fato que vem ao encontro de um novo conceito de família vivido atualmente. "Não existe mais a família nuclear. Hoje casamentos se dissolvem com facilidade e novas relações são construídas imediatamente sem formalidades oficiais", comenta Carmem Cimira Garcia Canassa, Assistente Social do Poder Judiciário de Campo Grande e Especialista em Terapia de Família.
Para aproximar da população os benefícios concedidos pelo Código Civil de 2002, no que diz respeito aos casamentos, no dia 7 de novembro de 2003, a Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso do Sul publicou o Provimento nº 07/03, regulamentando procedimentos da conversão da união estável em casamento, desde que os interessados sejam pessoas separadas de fato ou separadas judicialmente. Com este dispositivo jurídico, que especifica os procedimentos a serem tomados pelos juízes, as varas de família passaram a converter união estável em casamento.
A "avalanche" de solicitações, porém recaiu sobre a Justiça Itinerante. Na visão do Juiz Titular da 8ª Vara do Juizado Itinerante, Cézar Luiz Miozzo, isso ocorreu principalmente pelas facilidades oferecidas pelas unidades móveis e a proximidade com a população. O relatório de agosto de 2006, deixa o fato bem evidente: 30% das ações iniciadas nos ônibus são dessa natureza.
Quanto a regulamentação Dr. Miozzo acrescenta que na Constituição Federal de 1988 já havia um artigo que sugeria esse reconhecimento, mas o processo foi efetivamente contemplado com o novo texto e com a regulamentação dos procedimentos publicada no Mato Grosso do Sul pelo Tribunal de Justiça.
Quanto ao fato das pessoas regularizarem o matrimônio, Dr. Miozzo se diz satisfeito em poder estar à frente da vara que dá essa oportunidade à população. "O Estado tem a obrigação de propiciar meios para que os cidadãos busquem a legalização e é muito gratificante ver isso acontecendo, ver a alegria das pessoas por terem esse documento nas mãos", comenta o juiz.
Na explicação da especialista em Terapia de Família, Carmem Canassa, esse fato (o casamento) realmente está ligado à busca pela felicidade. Oficializar uma união é sinônimo de segurança, tanto para os pares como para os filhos e é uma resposta para o meio social em que se vivem. Para Carmem, a maioria das pessoas desconhece as formas gratuitas de oficializar as relações, ou, em alguns casos, não se enquadram no perfil dos isentos para casar, sendo assim, vão vivendo juntos e quando descobrem a possibilidade da oficialização, como esta oferecida pela Justiça Itinerante, correm para a formalização. "Outra questão é o fato de observarmos que muitas pessoas, depois de uma primeira relação matrimonial, preferem viver juntas algum tempo ‘para ter certeza’ da boa convivência", explica a especialista. Porém, a necessidade da formalização sempre está presente.
Para Miozzo, definir uma união não reconhecida legalmente é como trabalhar sem registro em carteira. "O direito existe, mas é preciso comprovar legalmente, por vias judiciais para obter o reconhecimento e isso acontece geralmente quando são invocados direitos depois da morte de um dos pares ou eventuais problemas que dissolvam a união", acrescenta Miozzo.
Analisando essas novas formas legais e a corrida do cidadão para promovem o reconhecimento da união, para o professor de Sociologia da Uniderp, Arnaldo Rodrigues Menecozi, é definido como um fato social, uma acomodação ou adaptação ao novo meio. "Há um afluxo (corrida para) social em busca da nova demanda", comenta Arnaldo. Seria como se fosse uma nova brecha na qual verte todo o fluxo até quando a demanda voltar a se estabilizar. O modelo do casamento com 100% de tolerância deu espaço a "tolerância zero". "Os casais não suportam mais a traição, a mentira e vão mudando de relacionamento em busca da felicidade", explica Carmem.
Arnaldo lembra de outras situações em que o casamento sofreu impactos sociais interessantes. "Há alguns anos o governo liberou o PIS para casados, muita gente correu e casou para pegar o dinheiro. Outro fenômeno foi a esperança de enriquecer trabalhando no Japão, muitas pessoas se casaram para poder embarcar para lá. Agora, o alto custo inviabiliza o sonho de muita gente que quer casar, e fatores como a conversão da união estável em casamento, vem atender essa demanda que se populariza cada dia mais", comenta Arnaldo.
Carmem observa ainda, que tanto a união, como a dissolução de um casamento ocorre com mais freqüência entre as classes mais pobres. "Em 20 anos trabalhando com processos de família no Fórum posso arriscar dizer que as pessoas das classes mais carentes, passam em média por três uniões durante a vida", diz Carmem, acrescentando que essas relações formam o novo modelo social em que vivemos, com filhos agregados de ambos os lados, vivendo sob o mesmo teto. Porém, o que ela acredita ser o mais importante é que a formalização das novas uniões é sempre o coroamento e o reconhecimento da felicidade das novas uniões.
Arnaldo acredita que a evolução desse fenômeno ocorrerá até encontrar a estabilidade do volume a que o dispositivo veio atender, "depois tudo volta ao normal e, possivelmente, novos fenômenos irão ocorrer", conclui.