Direito de Família na Mídia
Apadrinhamento afetivo proporciona convivência familiar a crianças do DF
19/06/2015 Fonte: Agência CNJ de NotíciasO apadrinhamento afetivo de crianças e adolescentes com poucas chances de adoção que vivem em abrigos no Distrito Federal tem proporcionado a esses jovens a convivência em família e o incentivo nos estudos. As crianças têm encontros quinzenais – geralmente passam o fim de semana na casa dos padrinhos -, fazem passeios e participam dos eventos da família. Tanto os padrinhos quanto os jovens são preparados previamente por meio da Instituição Aconchego, que coordena o programa de apadrinhamento afetivo com o objetivo de possibilitar a esses jovens a construção de vínculos fora da instituição em que vivem.
Os primeiros encontros são no abrigo e, para que sejam realizadas visitas na casa da madrinha ou padrinho, o local é antes visitado por uma assistente social. Foi o que ocorreu com a servidora pública Miracy Dantas, que há um ano apadrinhou Lucas*, de 15 anos, que vive desde os seis anos no abrigo. “Vamos ao cinema, ao shopping, almoços na casa da minha mãe, e as minhas filhas o incluem nos programas delas; a família o acolheu e já estamos com um relacionamento íntimo”, conta Miracy. De acordo com ela, no início o adolescente, que tem outros irmãos que moram no abrigo, era bem tímido. “Agora a nossa ligação é natural, já sinto vontade de buscá-lo no abrigo com frequência, não é uma obrigação”, diz. Além de proporcionar a convivência familiar a Lucas, a madrinha também se preocupa com o incentivo à leitura, apresentando-lhe livros e almanaques, e o auxilia a escolher áreas de interesse que poderiam ser sua profissão no futuro. “Ele é um menino muito bom e obediente”, conta a madrinha.
Uma das intenções do apadrinhamento afetivo é que a criança possa conhecer como funciona a vida em família, vivenciando situações cotidianas. É o que acontece na família de Maria do Socorro Guimarães de Freitas, que recebe o adolescente Caio, de 13 anos, a cada quinze dias durante o fim de semana. “Não mudamos em nada a nossa rotina, cozinhamos juntos, e ele gosta muito de ter o seu canto, dormir em um quarto só para ele”, diz Socorro, que tornou-se madrinha há dois anos por sugestão de sua filha também adolescente. “No início, fiquei com receio de ter um menino em casa por conta das minhas filhas. Mas assim que o conhecemos, nos identificamos na hora, e hoje as minhas filhas o consideram como um irmão”, diz. A família também busca o adolescente no abrigo em ocasiões especiais, como aniversários. “Já falei para ele que o nosso vínculo é para a vida toda, mesmo depois que ele casar e tiver filhos”, conta Socorro.
A vontade de se doar e descobrir uma outra forma de se colocar no mundo foi o que motivou Sueli Helena de Miranda, musicista, a se tornar madrinha há um ano de Augusto, de 10 anos, que vive em abrigos desde os dois anos e agora tem chances remotas de adoção. Eles se veem cerca de três vezes por mês, fazem passeios ao parque e ao cinema, locais preferidos do garoto e, por vezes, passa o fim de semana na casa dela. Sueli conta que, apesar de estar muito aberta para o apadrinhamento e da criança ter sido preparada, nem sempre a convivência é fácil. “Ele tem um temperamento muito forte, não é muito afetivo e às vezes é agressivo, mas nós temos superado isso e eu procuro entender a vida dele; a gente está amadurecendo e fica cada vez mais à vontade”, conta.
Formação profissional – A maior preocupação de Fernando Magalhães Soares Pinto, padrinho há dois anos do adolescente Rubens, de 17 anos, é o seu futuro profissional e a capacidade de emancipação do jovem, que está prestes a deixar o abrigo e ter que levar a vida por conta própria. Rubens não tem nenhum vínculo familiar fora do abrigo, e a única referência é o padrinho, com quem conversa ao telefone três vezes por semana e recebe visita quinzenalmente. Nas conversas, o tema principal é o acompanhamento de suas notas na escola – o que muitas vezes exige “broncas” do padrinho -, a preparação para independência, e as possibilidades de trabalho. “O que cria o laço afetivo é a permanência, eu já disse a ele que pode sempre contar comigo, eu vou ser sempre seu padrinho”, conta Fernando. “Oriento, me preocupo em passar valores, condutas, mostrar o meu exemplo”, completa.
Rubens está no abrigo desde os cinco anos de idade, não tem irmãos e não conseguiu ser adotado. “Ele está atrasado na escola e tem pouca iniciativa”, conta o padrinho. Fernando Pinto assinou um termo de compromisso para que Rubens possa trabalhar no próprio abrigo, com a intenção de desenvolver nele o senso de responsabilidade para a vida. Além disso está procurando vaga em uma escola técnica para o afilhado.
Acompanhamento escolar – Os padrinhos também passam a acompanhar a vida escolar dos afilhados. Para a madrinha Miracy, os fins de semana com o afilhado são divididos entre lazer e estudo. “Minha preocupação é que ele estude, tenha uma profissão e dignidade na vida”, diz Miracy, que ensina o afilhado até a pesquisar ferramentas de estudo na internet. Ela conta que ele tem uma grande defasagem escolar, por conta de um histórico de idas e vindas na escola, já que a mãe, que está presa, frequentemente roubava as crianças do abrigo e as afastava da escola. “Ele estava muito desmotivado, tinha uma professora na escola que o maltratava por ele ser uma criança de abrigo, dizia que ele não iria ser nada e acabaria igual ao pai”, diz.
A desmotivação nos estudos é uma característica frequente entre as crianças que vivem em abrigos. Ano passado, Caio, afilhado de Socorro, repetiu o ano. “Nós conversamos muito e eu passei a aconselhá-lo”, conta. Já Sueli conheceu recentemente a escola de Augusto, e fizeram o dever de casa juntos. “Ele não gosta muito, prefere que a gente fique mais passeando, mas eu acho muito importante, consegui ensinar algumas coisas de matemática para ele”, diz.
Apadrinhamento afetivo – O apadrinhamento afetivo é um programa voltado para crianças e adolescentes que vivem em situação de acolhimento ou em famílias acolhedoras, com o objetivo de promover vínculos afetivos seguros e duradouros entre eles e pessoas da comunidade que se dispõem a ser padrinhos e madrinhas. As crianças aptas a serem apadrinhadas têm, quase sempre, mais de dez anos de idade, possuem irmãos e, por vezes, são deficientes ou portadores de doenças crônicas – condições que resultam, quase sempre, em chances remotas de adoção.
O padrinho ou a madrinha torna-se uma referência na vida da criança, mas não recebe a guarda, pois o guardião continua sendo a instituição de acolhimento. Os padrinhos podem visitar a criança e, mediante autorização e supervisão, realizar passeios e até mesmo viagens com as crianças. Em alguns estados, o Poder Judiciário trabalha há alguns anos em conjunto com instituições que possuem programas que auxiliam os processos de adoção e de apadrinhamento afetivo que se tornaram referência no País – como, por exemplo, o Instituto Amigos de Lucas, no Rio Grande do Sul, e a Instituição Aconchego, no Distrito Federal.
*Os nomes dos menores foram trocados em cumprimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Luiza de Carvalho Fariello
Agência CNJ de Notícias