IBDFAM na Mídia
Desejo e preconceito
13/02/2013 Fonte: O GloboRodrigo da Cunha Pereira
Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o companheiro de uma relação homoafetiva pudesse ser incluído como dependente do Club Athlético Paulistano. Tal decisão insere-se em um contexto histórico de luta contra o preconceito e discriminação.
Em 1984 o Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou que uma mulher, pelo simples fato de ser mãe solteira, não mais poderia ser impedida de freqüentar o clube social da cidade de Conselheiro Lafaiete. Paradoxalmente o pai solteiro, desta mesma criança nenhuma restrição ou discriminação sofria naquele ambiente.
Na cidade de Tiradentes, também interior de Minas Gerais, até pouco tempo uma das melhores pousadas não aceitava pessoas negras como hóspedes.
Antes da Constituição de 1988, filhos e familias sem o selo da oficialidade do casamento eram considerados ilegítimos e sofriam todo tipo de discriminação. As mulheres "desquitadas" eram evitadas por encarnarem uma liberdade que afrontava as famílias ditas normais.
O que leva uma pessoa a ter preconceito e a discriminar formas de conduta, ou relações diferentes da sua? Porque "à mente apavora o que ainda não é mesmo velho" como já cantou a bola Caetano Veloso?
Certamente a história particular de cada sujeito, de cada dirigente político, de cada julgador, traz consigo, em sua constituição e formação psíquica, uma subjetividade determinada, ou influenciada, também pelo contexto histórico familiar e social. Mas por que uns têm preconceito e discriminam, e outros não. Por que um mesmo caso levado à justiça pode receber diferentes interpretações?
A Igreja Católica invoca o princípio da dignidade humana para afirmar que famílias so podem se constituir pelo sagrado laço do matrimônio, em relações heteroafetivas e indissolúveis.
Invocando este mesmo princípio o Supremo Tribunal Federal declarou em maio de 2010 que nas relações homoafetivas também se podem constituir famílias.
Diferentes interpretações para as mesmas situações são comuns nos julgados do mundo inteiro. Os juizes são imparciais, mas não são neutros. Cada caso, cada julgamento recebe sua carga de subjetividade e influência do inconsciente e das convicções particulares de cada julgador. E é aí que mora o perigo.
Por exemplo, o tribunal paulista já determinou que uma criança fosse para o abrigo, mesmo após viver e ser criada durante anos por um casal de homens, a pedido da empregada doméstica que lhes confiou informalmente tal adoção e desapareceu no mundo. Os julgadores que praticaram essa violência contra a criança certamente o fizeram bem intencionados e justificados pela sua moral particular. Mas de boas intenções o inferno está cheio.
Para que o Judiciário deixe de repetir as injustiças históricas em seus julgamentos de conteúdo moral, assim como os deputados e senadores que impedem novas leis sobre as novas relações familiares, é preciso compreender que se pode até tentar controlar os comportamentos, mas não o desejo.
Os que se sentem incomodados com comportamentos sexuais e morais diferentes do seu deveriam procurar em suas próprias fantasias as razões deste incômodo. Pessoas em paz com a própria sexualidade aceitam a dos outros com respeito e naturalidade. Reprimir a sexualidade alheia é uma forma de ajudar a reprimir as próprias fantasias.
Casamento gay, adoção homoparental e a antecipação terapêutica da gestação etc sofrem a mesma condenação religiosa.
Seja lá como for, o que um Estado laico não deveria definitivamente permitir é que continuem acontecendo injustiças e exclusões sociais em razão de convicções morais particularizadas e estigmatizantes.
* Rodrigo da Cunha Pereira é presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família