IBDFAM na Mídia
Guarda compartilhada flexibiliza convivência em benefício do filho
19/03/2018 Fonte: ConjurPor Maria Berenice Dias
Foram necessárias sucessivas alterações legislativas para, enfim, ser implementado o mais significativo o avanço no que diz com os vínculos de parentalidade: a imposição coacta da guarda compartilhada.
Definida como responsabilização e exercício conjunto dos direitos e deveres dos pais concernentes ao poder familiar dos filhos (CC, artigo 1.583), o tempo de convívio com cada um dos pais deve ser dividido de forma equilibrada (CC, artigo 1.583, parágrafo 2º).
Não importa a discordância de um ou de ambos os pais, ou eventual estado de beligerância entre eles. Encontrando-se ambos aptos ao exercício do poder familiar, a guarda é sempre compartilhada (CC, artigo 1.584, parágrafo 2º).
Ou é assim, ou simplesmente a guarda será definida a favor de quem não deseja o compartilhamento. Basta manter-se em estado de beligerância com o outro. A solução legal é das mais louváveis, pois visa a impedir que o exercício do direito de convivência seja usado como instrumento de vingança ou de barganha.
Cabe ao juiz, de ofício, atentando às necessidades específicas do filho (CC, artigo 1.584, II), promover a divisão equilibrada do tempo de convívio com cada um dos pais, nem que para isso precise socorrer-se da orientação de equipe interdisciplinar (CC, artigo 1.584, parágrafo 3º).
Desse modo, se a guarda é compartilhada e o filho deve conviver com ambos os genitores mediante divisão equilibrada do tempo, descabido estabelecer a residência de um dos pais como “base de moradia” do filho. A norma legal é de absoluto não senso (CC, artigo 1.583, parágrafo 3º): Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.
O dispositivo não impõe a fixação da residência do filho a um lar específico. Também não diz que a base de moradia precisa ser atribuída a somente um dos genitores. Tão somente estabelece que a “cidade” considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atende aos seus interesses.
Ao falar em “cidade”, parece pressupor que os pais residem em localidades distintas, fato que não impede o regime de compartilhamento. A atual parafernália tecnológica autoriza uma proximidade tão grande que, mesmo residindo em países distantes, podem os pais exercer a guarda compartilhada.
Ora, se o período de convivência é dividido equilibradamente entre os pais, nada, absolutamente nada justifica eleger-se uma “base de moradia”, expressão que nem sequer dispõe de precisão conceitual. Também não define a residência e nem estabelece o domicílio do filho. CC, artigo 76: O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente.
Traz a lei o conceito de domicílio. CC, artigo 70: O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.
Carlos Roberto Gonçalves esclarece que residência é simples estado de fato, enquanto domicílio é uma situação jurídica. O Código Civil admite a pluralidade domiciliar. Para tanto, basta que tenha diversas residências onde alternadamente viva[1]. CC, artigo 71: Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Como a guarda compartilhada encerra não só a custódia legal, mas também a custódia física do filho, a fixação do duplo domicílio é o corolário lógico. Encontrando-se ambos os pais aptos a exercer o poder familiar é aplicada, coactamente, a guarda compartilhada, sendo de todo desnecessário — e até inconveniente — o estabelecimento de uma base de moradia do filho, o que acaba por alimentar o desequilíbrio nas relações parentais além de reforçar o modelo hierarquizado de família, que a lei tenta evitar e que estão mais do que na hora de acabar.
Cabe lembrar que ainda se vive o influxo da sacralização da maternidade, se fala em instinto maternal, se declama que mãe desdobra fibra por fibra o coração, padece no paraíso. Desse modo, a fixação da base de moradia materna ainda é a regra. Tal, no entanto, deixa o pai absolutamente à mercê da vontade da mãe. Para usar expressão em voga, empodera ela em detrimento do pai, que somente tem acesso ao filho quando a mãe deixa.
É indispensável certa flexibilização da convivência, para atender ao interesse do próprio filho (por exemplo, para participar de celebrações festivas da família do outro genitor) o que não pode depender da recusa injustificada de quem tem estabelecida a seu favor a base da moradia.
Por isso é imperioso reconhecer que, na guarda compartilhada, independente do período de convívio com cada um dos pais, o filho tem dupla residência, dispondo, portanto, de duplo domicílio.
Afinal, guarda compartilhada é isso: exercício conjunto da custódia legal e física. E justiça não pode se distanciar do equilíbrio imposto pela lei, beneficiando um dos pais em detrimento do outro, o que desconfigura a própria guarda compartilhada.