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Dica IBDFAM: Com Glicério do Rosário, Pai é um espetáculo sobre "aquele que faz crescer e que cresce junto"
Ator, dramaturgo e pai de dois filhos, Glicério do Rosário leva sua vivência para o palco com o espetáculo Pai, em cartaz neste fim de semana em Belo Horizonte (MG). A montagem chama atenção para as possíveis transformações sociais quando pais desenvolvem o afeto e o cuidado. Também alerta para os riscos de quando o Estado, pai simbólico, é omisso e perverso com o cidadão.
Em entrevista ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Glicério do Rosário dá detalhes sobre a concepção da peça, em que resgata tanto sua relação com o pai como reflete o dia a dia com os filhos. Na pele de três personagens, ele convida a uma reflexão sobre a paternidade nos dias de hoje. “O pai não é simplesmente aquele que dá o nome ou o traço genético. Acredito que seja aquele que acompanha, que cuida, que faz crescer e que cresce junto”, define.
O que mais te instigou a montar o espetáculo: sua relação com o seu pai ou sua relação com seus filhos?
Meu entendimento, minha descoberta como filho parece que vem concomitante ao meu reconhecimento como pai. A primeira coisa que me levou a querer montar o espetáculo Pai foi a busca de um entendimento sobre que relação amorosa é essa entre pai e filho, entre filho e pai. Isso já passava por mim antes de eu ter filhos, mas talvez tenha se aprofundado agora que me tornei pai.
O primeiro material em que me inspirei para criar essa história de dificuldade de pai e filho se reconhecerem um no outro foi a relação entre Luiz Gonzaga e Gonzaguinha. Eu admirava muito essas figuras e a luta, principalmente de Gonzaguinha, para ter o reconhecimento e o amor do pai, Gonzagão, o que conheci lendo o livro "Gonzaga: De pai para filho", da Regina Echeverria. Por questões circunstanciais, desisti de usar a obra como mote para o espetáculo e passei a querer falar sobre a minha própria vivência.
Então, as duas relações vieram de igual peso. Comecei a revisitar toda a minha posição de filho, ao mesmo tempo em que estou vivendo essa posição de pai, me vendo também no olhar dos meus filhos. Ambas entram no espetáculo com um peso semelhante. Não sei mensurar se uma é mais aprofundada ou importante que outra.
Glicério do Rosário encena o espetáculo Pai - Foto: Guto Muniz
Na peça, você dá vida a três personagens. Como eles se diferem entre si, e em que eles se aproximam?
Abordo três homens: dois pais e um, o narrador, que não necessariamente é pai. Ele é filho, e não esclarece se é pai ou não. Esses três personagens são uma tripartição do intérprete. Eu, de certa forma, usei partes de mim para compor esses três papéis. Tem o pai ator, que é quase uma autobiografia da minha relação com meus dois filhos, Francisco e Téo, cujos nomes inclusive são usados no texto. Ele traz como eu me enxergo tratando com meus filhos e, claro, essa relação espelha aquela que tive com meu pai.
O outro é um professor de História. Ele é ficcional, mas traz um lado meu que é a vontade de guerrilha, de colocar bomba nessas situações absurdas por qual todo brasileiro está passando por causa desse descaso desse pai simbólico que é o Estado, dessa indecência que se tornaram os cargos parlamentares, os executivos e os militares. Esse lado que quer explodir as coisas, porque já não enxerga mais possibilidade de diálogo, também reside em mim. Está muito presente na potência que me leva, inclusive, a montar um espetáculo como esse, falando que o coração é uma bomba e pode explodir a qualquer momento. Esse lado guerrilheiro é muito vivo em mim, assim como meu lado franciscano, fraterno, amoroso. De certa forma, um ajuda a dosar a força do outro.
O terceiro personagem, que é o narrador, o MC, também é uma parte importante de mim, talvez a ponte entre um e outro. Ele procura deixar claro como o ser humano é dialético, com forças dentro de si, podendo uma sobrepujar a outra ou mesmo permitindo que elas encontrem uma terceira via. É a tentativa de equilibrar dois percursos que não são antagônicos, mas que têm energias dicotômicas. Ele também traz a força dessa linguagem do rap e do hip hop. Vim da periferia e dialogo bem com esse discurso muito inteligente, de conjugação dessas potências urbanas e humanas, inclusive com um saber empírico muito importante.
Como você definiria ser pai? O que é desempenhar essa função hoje em dia?
No espetáculo, o MC diz: “Não basta ser pai, não basta participar. Se não vai cuidar, meu chapa, não te mete a procriar, sacou?”. Antigamente, falava-se que “pai é quem registra” e também que “pai tem que participar”. Essa leitura é uma tentativa de ser menos machista, no sentido de que “eu ajudo a minha esposa”, mas enxergo como um verniz sobre uma casca ainda patriarcal, como se a obrigação de cuidar fosse unicamente da mulher. No meu entendimento, hoje, pai é o cara que cuida mesmo, ainda que não haja um laço sanguíneo.
Você é pai quando se coloca como responsável pelo crescimento, criação, sobrevivência e alimento espiritual, intelectual e fraterno de um ser em desenvolvimento. Isso é função de pai. Se você puder exercer esse papel em companhia de alguém, é maravilhoso. Sejam dois pais que se amparam no cuidado de um filho, um pai e uma mãe ou mesmo um pai sozinho. O pai não é simplesmente aquele que dá o nome ou o traço genético. Acredito que seja aquele que acompanha, que cuida, que faz crescer e que cresce junto.
PAI
Peça de Glicério do Rosário. Direção: Geraldo Octaviano. Temporada no Teatro Marília, em Belo Horizonte (MG): dias 23, 24 e 30 de abril e 1º de maio. Sábados, 20h; domingos, 19h. Ingressos à venda em www.diskingressos.com.br.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br