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IBDFAM pede que CNJ regulamente divulgação pelos tribunais da íntegra das decisões sobre Direito das Famílias
O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em pedido de providências enviado ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, requereu medida que regulamente, em âmbito nacional, a divulgação, pelos tribunais estaduais, da íntegra das decisões em Direito das Famílias. O objetivo é que o acesso ao inteiro teor da jurisprudência na área permita a devida aplicação das normas, em atenção às peculiaridades de cada caso concreto.
O requerimento faz-se necessário pelo fato de que diversos tribunais estaduais não disponibilizam o inteiro teor de suas decisões. Há ainda a ausência de uniformização em âmbito nacional, o que, segundo o IBDFAM, ofende os princípios da transparência e publicidade, afronta a prerrogativa dos advogados e inviabiliza a concretização de um efetivo sistema de precedentes.
O documento enviado pelo IBDFAM frisa que a posição favorável do CNJ possibilitaria a identificação do precedente, o conhecimento das circunstâncias fáticas sobre as quais o precedente foi construído e a análise de sua evolução. O Instituto também sustenta que não há qualquer violação ao segredo de Justiça, diante da possibilidade de substituir nomes das partes pelas iniciais.
Tribunais vêm disponibilizando apenas ementas dos julgados
Em pesquisa realizada pelo IBDFAM entre 16 e 17 de agosto de 2021, nos portais de todos os tribunais estaduais e do Distrito Federal, constatou-se que, ao contrário da maioria das Cortes recursais, os Tribunais de Justiça dos Estados do Paraná – TJPR, Rio de Janeiro – TJRJ e Espírito Santo – TJES disponibilizam apenas as ementas dos julgados, sem permitir acesso ao seu inteiro teor ou à fundamentação das decisões.
Já os Tribunais de Justiça dos Estados do Amapá – TJAP, Maranhão – TJMA, Santa Catarina – TJSC, Tocantins – TJTO e do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT ora disponibilizam o inteiro teor das decisões, ora apenas as suas ementas. Enquanto isso, a Resolução 121/2010 do CNJ, que trata do tema, afasta sua aplicação aos processos que tramitam em segredo de justiça, caso das ações de Direito das Famílias.
O pedido de providências do IBDFAM lembra que a referida Resolução foi editada antes da vigência do atual Código de Processo Civil – CPC (13.105/2015), que introduziu o sistema de precedentes, e expressamente atribui aos tribunais o dever de uniformizar sua jurisprudência (art. 926) e dar publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores (art. 927, § 5º).
“E não há como ser criado um sistema de precedentes, de forma técnica e científica, sem acesso ao inteiro teor das decisões judiciais, conforme a manifestação de advogados, magistrados, promotores de justiça, professores e pesquisadores que trabalham com o Direito das Famílias”, defende o IBDFAM.
Peculiaridades dos casos concretos
“A prática do Direito de Família é individual, cada caso tem uma situação peculiar. Para que possamos compreender como foi a aplicação do Direito, qual foi a fundamentação, é necessário entender qual é o caso concreto e qual foi o fundamento utilizado. Assim, poderemos corresponder com a devida aplicação das normas”, comenta Luciana Faísca, diretora nacional do IBDFAM.
A advogada fala da necessidade de se ter acesso ao conteúdo integral das decisões na área para um amadurecimento do Direito. “Se lemos apenas a ementa, que é um simples resumo da decisão, não podemos compreender do que tratava o caso, qual era a problemática daquela família e a sua dinâmica. Por mais que tenhamos casos parecidos, às vezes um detalhe ou situação específica pode dar um outro rumo à decisão.”
“O acesso a todo o conteúdo das decisões também permite a comparação de julgamentos diferentes para saber se há o mesmo suporte fático, até mesmo para uniformização de jurisprudência em tribunais superiores e aplicabilidade do Direito em cada situação.”
Avanços no Direito das Famílias
Segundo Luciana Faísca, a maior parte dos avanços no Direito das Famílias nas últimas décadas se deve aos passos que vieram da jurisprudência. Neste cenário, o IBDFAM teve grande importância como amicus curiae em ações que permitiriam o reconhecimento das uniões homoafetivas, das filiações socioafetivas e da multiparentalidade, por exemplo.
“Todo o trabalho de doutrina, reflexão e participação ativa do IBDFAM levou a importantes mudanças na sociedade. E, para que possamos chegar a esses avanços, é preciso compreender cada caso concreto. Para saber se há multiparentalidade, não basta apenas identificar se a criança tem um padrasto ou uma madrasta; é preciso ver se naquela situação específica se formaram os laços de afeto.”
“Há muito, o Direito de Família brasileiro evolui não por alterações legislativas, mas pelas decisões dos Tribunais que constantemente o oxigena e o adequa à realidade contemporânea”, ressalta o advogado Marcelo Bürger, também diretor nacional do IBDFAM. Além dos exemplos já citados, ele lembra da presença do companheiro no Direito Sucessório.
“Sem a publicidade desses acórdãos, os avanços se perderiam, pois ficariam limitados aos processos em que as decisões foram proferidas. Levando ao exagero para fins de ilustração, o STF teria admitido a multiparentalidade, mas em razão do segredo de justiça, ninguém saberia de que modo o fez, com qual alcance ou estribado em quais fundamentos.”
Sistema de precedente judicial
Para Marcelo, mais do que um melhor atendimento às demandas que chegam à Justiça e da própria evolução da doutrina e da jurisprudência, a disponibilização da íntegra das decisões é pressuposto sem o qual não se pode implementar o sistema de precedente judicial trazido pelo Código de Processo Civil de 2015.
“Sem o acesso ao inteiro teor, os magistrados, advogados, promotores e demais operadores não conseguiriam saber qual a posição dos Tribunais sobre os temas de Direito de Família, e, portanto, não conseguiriam replicar tal posicionamento. A própria igualdade de tratamento ao jurisdicionado estaria comprometida, pois cada juiz decidiria de uma forma, sem a uniformização viabilizada pelo sistema de precedentes.”
Ele acrescenta: “Também não seria possível aplicar os mecanismos de superação dos precedentes, como o overrulling – pois pressupõe compreensão das bases do entendimento consolidado – ou mesmo da derrotabilidade do precedente em um caso concreto, chamada técnica de distinguishing, pela qual se demonstra que os elementos fáticos do caso concreto são diversos daqueles que formaram o precedente jurisprudencial”.
Leia a íntegra do Pedido de Providências do IBDFAM enviado ao CNJ.
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