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Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência: Escassez de políticas públicas pode ser superada com compreensão e protagonismo, dizem especialistas
“Já pensou, tudo sempre igual? / Ser mais do mesmo o tempo todo não é tão legal / Já pensou, tudo sempre tão igual? / Tá na hora de ir em frente / Ser diferente é normal…”
(Música "Ser diferente é normal" - Composição: Vinicius Castro e Adilson Xavier)
O Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência é celebrado nesta terça-feira, 21 de setembro. A data é um convite a todos para pensar as diversas formas de inclusão, além de propiciar um olhar mais atento às realidades diversas que envolvem essa população de aproximadamente 17,3 milhões de brasileiros, segundo dados de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. A escassez de políticas públicas é um desafio, segundo especialistas, que pode ser superado com protagonismo e compreensão individual.
“As lutas das pessoas com deficiência ultrapassam os marcos legais, pois elas acontecem de modo contínuo no dia a dia dos fatos, em que nem tudo é respeitado, informado, esclarecido ou reportado”, observa a advogada Claudia Grabois Dischon, presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Ela acrescenta: “No Brasil, pela escassez de políticas públicas, pessoas com deficiência, hipervulneráveis e/ou hipossuficientes, podem ser privadas do direito de ir e vir, do acesso à informação, da sexualidade, de amigos, das famílias, de vida, e sem que isso seja sequer percebido, em desconformidade com a Constituição Federal de 1988”.
A falta de interseção nas lutas também marca esse dia, segundo a especialista. “A despeito dos muitos avanços e conquistas, há muito a construir e ressignificar até a plena inserção e priorização das pessoas com deficiência na política do país”, sinaliza Claudia. O problema começa pelos partidos políticos, segundo a advogada, em que o lugar de protagonismo se encontra em espaços próprios para pessoas com deficiência não são ocupados por elas.
“O desconhecimento não é um problema, a falta de busca sim”, acrescenta Claudia. “Há um reflexo objetivo das prioridades apresentadas ao longo dos anos, todas elas dependentes de gestões pontuais inclusivas na perspectiva dos direitos humanos. Por outro lado, a falta de reconhecimento fático das pessoas com deficiência como um igual na diferença persiste.”
Perigo de retrocesso
“Os direitos fundamentais, que resultam de luta histórica, não podem sofrer retrocessos, não podendo ser abolidos ou enfraquecidos. Na prática, o movimento da história é pendular, o que mostra a relevância da constante luta social para a preservação dos direitos já conquistados”, frisa o promotor de Justiça e professor Fernando Gaburri, do Ministério Público da Bahia e membro do IBDFAM.
O especialista ressalta que o Estado tem a obrigação positiva de garantir direitos fundamentais. “Assim que garantidos, no todo ou em parte, o Estado tem a obrigação negativa, abstendo-se de violar esses direitos. Os desafios em 2021 foram tanto na preservação de direitos já conquistados, contra o retrocesso, como na luta pela conquista por mais direitos, que possam concretizar a igualdade entre as pessoas”, pontua.
O caminho para a resolução desses impasses é a informação e a participação popular, instrumentos relevantes na luta para o alcance da igualdade plena. “As pessoas com e sem deficiência, com o adequado acesso à informação, poderão protagonizar essa conquista. A participação das pessoas com deficiência como protagonistas nos processos decisórios concretiza a palavra de ordem da Convenção de Nova Iorque: ‘Nada sobre nós, sem nós’.”
"Nessa medida, cabe ao Poder Público oferecer mecanismos adequados e acessíveis para a plena participação da pessoa com deficiência na formação da vontade popular, como nas consultas públicas e demais instrumentos de exercício da democracia.”
Compreensão das famílias
No âmbito das famílias, o respeito aos direitos conquistados depende principalmente da educação e de valores impregnados e ativos no inconsciente e consciente coletivo, diz Claudia Grabois. “O desafio é que sejam permeados e compreendidos na totalidade pelo respeito aos direitos humanos. Privar e proteger são ainda terminologias que se confundem quando não se reconhece de fato a existência, a presença, a participação, os sonhos, as buscas de um indivíduo e os seus direitos inerentes, o que afronta e pode vir a violar marcos civilizatórios.”
“Fato é que pessoas com deficiência podem ser impulsionadas aos sonhos, ao conhecimento e aos projetos na primeira infância, sonhos que são e serão delas, sonhos pessoais e intransferíveis, sonhos que muitas famílias não ousam estimular pela falta de recursos e/ou pelo receio do futuro”, destaca. Ela observa que muitos pais ainda reagem negativamente à descoberta de uma deficiência, o que é comum desde o princípio da humanidade.
Você sabia?
O Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência em 21 de setembro foi instituído oficialmente pela Lei 11.133, de 2005. A data é comemorada por grupos ligados à causa desde a década de 1980, em alusão ao início da primavera. O aparecimento das flores representa a renovação dessa batalha constante pela garantia e pelo exercício de direitos fundamentais.
A advogada ainda aponta que, enquanto há um número de pessoas em faculdades, milhões nem sequer têm acesso aos direitos mais básicos e ao exercício da cidadania. “O poder público precisa despertar para ofertas de acessibilidade adequadas e, talvez, o reconhecimento da neurodiversidade seja o diferencial em todas as áreas e setores. Entender para julgar, se necessário juízo de valor passa a ser imperioso.”
As soluções para a inserção em contextos de diversidade perpassam vontade política individual, humildade e respeito à diversidade. “Saber e sentir o outro como um igual é um exercício lindo de vida, pois ninguém está livre do preconceito. Agora, podemos abraçar o desafio da libertação sócio-cultural para abraçar novas pessoas e contextos. É preciso agir, interagir, abrir as portas e convidar para estar junto, quem sabe para participar plenamente da festa, como um igual com os seus direitos respeitados.”
Mudança de paradigma
“A mudança de paradigma já se faz presente em tudo que diz respeito aos direitos de pessoas com deficiência e agora se trata de implementar na vida, na relação ‘eu e tu’, de Martin Buber, que somente acontece na vida e em vida que pode ser vivida, exercida. O lugar de toda pessoa com deficiência é em todos os lugares e onde ela quiser, um clichê clássico, que pode ser de alguma utilidade.”
O protagonismo das pessoas com deficiência é um caminho fundamental, frisa a advogada. “Que saibamos usar linguagem com desenho universal, aquela com a qual se busca ser compreendido; dar espaço ao protagonismo e cooperar para que retrocessos sejam impedidos; reconhecer que há inúmeras formas de ser e existir, que todos os corpos são distintos assim como são as impressões digitais.”
“Na confiança que aconteça, confio que dançaremos juntos, quem sabe, um dia, com alegria, saude, educação, respeito, solidariedade, atitude, amor incondicional, pontes, laços, sensibilidade e toda acessibilidade de direito, tão somente por sermos gente. Gente, sobreviventes, vulneráveis, em tese e “no fundo”, é tudo que somos.”
“Nossas deficiências não nos resumem”
No Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência do ano passado, 21 de setembro de 2020, o IBDFAM ouviu o ativista Gabriel Henrique, acadêmico de Direito e palestrante. “Nossas deficiências não nos resumem”, afirmou. Leia a entrevista na íntegra.
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