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Crianças podem usar nome afetivo ainda em processo de adoção, decide TJRS; questão ainda não está pacificada na jurisprudência
Neste mês, duas decisões em sentidos opostos trataram do uso de nomes afetivos por crianças e adolescentes em processos de adoção. Também chamado de nome social, refere-se à denominação dada pela família adotante, permitindo logo a integração com o novo lar. Enquanto alguns tribunais obedecem leis estaduais que permitem tal possibilidade, o Superior Tribunal de Justiça – STJ entende que há necessidade de maior atenção ao tema.
Em decisão recente, a Terceira Turma do STJ definiu que o uso de nome afetivo antes da conclusão da adoção requer prova científica de benefícios para a criança. O colegiado acolheu, por maioria, o recurso do Ministério Público de Minas Gerais – MPMG para restabelecer decisão que não admitiu a utilização do nome afetivo pleiteada pelos adotantes antes da sentença de mérito na ação de adoção.
De acordo com a ministra Nancy Andrighi, a modificação do nome do adotando exige cautela e apoio técnico e científico. Apontou ainda que o acórdão do TJMG não demonstrou a existência de efetivo benefício à criança e que, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990), a alteração do nome deve se dar no julgamento de mérito da adoção.
Já no Rio Grande do Sul, três irmãos, com idades entre 1 e 6 anos, poderão usar o nome afetivo com sobrenome do casal adotante, mesmo durante a guarda provisória. A permissão está na Lei Estadual 15.617/2021, promulgada em maio, que permitiu a decisão favorável do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Canoas, no interior do estado.
“Embora ainda exista debate sobre o tema, principalmente porque, em princípio, haveria necessidade de alteração de lei federal, no caso, o ECA, para o uso do nome afetivo, a existência de lei estadual representa enorme avanço para garantia dos direitos mencionados”, ressaltou o juiz Tiago Tweedie Luiz. “Embora a aparente singeleza da menção, em um termo de guarda, do nome afetivo da criança ou adolescente, é isto que vai assegurar a esta pessoa o pleno exercício de seus direitos, sem contar todo o simbolismo de seu ingresso em uma família.”
Processo de pertencimento
A advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, opina sobre o tema. “O uso do nome afetivo é uma forma de auxiliar a criança em seu processo de pertencimento à família. Sua identidade afetiva passa a ser com a família adotiva”, defende.
“Os processos de adoção, em grande parte, são distribuídos por dependência à Ação de Destituição do Poder Familiar ou de forma cumulada. É certo que os procedimentos para a destituição do poder familiar são demasiadamente longos, chegando à média de 7 anos e meio, de acordo com a Associação Brasileira de Jurimetria”, ressalta Silvana.
Ela acrescenta: “A demora jurisdicional, no caso da adoção, pode tornar inócuo o provimento final, retirando a tramitação ideal da tutela jurisdicional diferenciada, que deve ser célere, em respeito à dignidade da pessoa humana e ao princípio da prioridade absoluta”.
A espera pode acarretar prejuízos graves à personalidade da criança, que se verá privada de ter incluída em sua vida todos os direitos advindos da adoção, entre eles o nome da família. “Essa falta de inclusão causa danos à criança, retira-lhe o direito de ser daquela família, causa instabilidade emocional, transforma toda a segurança da adoção em algo instável, provisório, de possível ruptura. Viver uma relação familiar com sentimento de transitoriedade é terrível para a criança.”
Necessidade de lei nacional
Ao analisar a decisão recente do TJRS, que obedeceu a lei estadual, Silvana do Monte Moreira ressalta a necessidade de uma norma nacional sobre o tema. Ela cita o Projeto de Lei 10.027/2018, do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que dispõe sobre o uso de nome afetivo para crianças e adolescentes que estejam sob a guarda da família adotiva.
“Importante mencionar que a primeira lei estadual (7.930/2018) tratando dessa matéria é de autoria do deputado estadual Flavio Serafini (PSOL-RJ)”, comenta Silvana. Além do Rio de Janeiro, Palmas também já tem, desde 2019, legislação sobre o assunto após projeto do IBDFAM seção Tocantins com o então vereador Diogo Fernandes, que levou a proposta para a Câmara.
Comprovação científica
Quanto ao entendimento do STJ, que defendeu a necessidade de prova científica de benefícios para a criança para atender tal pretensão, a advogada opina: “Falar de pesquisa científica no atual momento da nação é complexo. No meu entendimento, com mais de 20 anos de atuação no campo do direito da criança e do adolescente, como mãe sem qualquer adjetivo, a parentalidade e a filiação se dão a partir do sentimento de pertencimento”.
“A necessidade de pertencimento foi primeiramente mencionada por Baumeister e Leary (1995), sendo definida como uma motivação que os seres humanos têm para procurar e manter laços sociais profundos, positivos e recompensadores. Déficits no sentimento de pertencimento foram identificados como prejudiciais às habilidades de socialização, levando à ansiedade e isolamento social (Baumeister, Brewer, Tice, & Twenge, 2007; Brown, Silvia, Myin-Germeys, & Kwapil, 2007; DeWall & Baumeister, 2006).”
Segundo Silvana, a base científica já existe e não se vislumbra qualquer malefício para a criança em ter em seus documentos escolares e médicos o nome afetivo. “Negar o nome afetivo às crianças é negar-lhes a identidade afetiva, é impor-lhes a utilização de um nome que pode estar carregado de dor por abandono, abuso, negligência e desamor. E, mais que tudo, é negar-lhe pertencimento à família formada pelo cuidado.”
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