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Ineditismo: TJAM admite Defensoria como custos vulnerabilis em ação de divórcio
Em decisão unânime, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas – TJAM admitiu recurso da Defensoria Pública em uma ação de divórcio por entender que é legítima a intervenção recursal em favor dos vulneráveis. De forma inédita, a Defensoria foi admitida como custos vulnerabilis (guardiã dos vulneráveis) para resguardar os direitos de uma mulher em situação de vulnerabilidade processual. Os defensores públicos Marcelo da Costa Pinheiro, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, e Rafael Barbosa atuaram no recurso.
No caso concreto, a 3ª Vara de Família de Manaus havia decretado o divórcio da mulher com seu antigo marido e a retirada do seu nome de casada. A parte foi revel, pois não apresentou defesa, nem constituiu advogado.
A Defensoria Pública apresentou apelação, em nome próprio, para resguardar os direitos da mulher em situação de vulnerabilidade processual, alegando que a alteração do nome não havia sido pedida. Essa atuação como custos vulnerabilis já foi admitida pelos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Alagoas, mas em nome de crianças e adolescentes.
A vulnerabilidade processual foi constatada pelo desembargador-relator. Segundo ele, a sentença invadiu indevidamente a esfera privada de uma pessoa vulnerável e atingiu seus direitos existenciais e de personalidade.
O magistrado pontuou que a intervenção recursal da Defensoria seria uma "expressão da garantia constitucional de intervenção mínima do Estado no ambiente familiar", que restabeleceria o equilíbrio processual e a autonomia da parte vulnerável. Deste modo, conheceu da apelação e votou pela exclusão do capítulo da sentença referente ao nome de casada da mulher.
Guardiã dos vulneráveis
Cristiana Mendes Carvalho de Oliveira, presidente da Comissão dos Defensores Públicos da Família do IBDFAM, ressalta que a Defensoria Pública vem se fortalecendo como guardiã dos vulneráveis, “tratando-se de verdadeira conquista civilizatória, pois a Instituição deve atuar em prol dos mais fragilizados, observada a cláusula geral da dignidade da pessoa humana”.
“Assim, surgem cada vez mais decisões favoráveis a essa atuação ímpar, por meio de um novo olhar sobre a salvaguarda de direitos fundamentais. É pertinente que todo o sistema de Justiça reconheça e garanta essa intervenção defensorial, toda vez que se constatar nos conflitos concretas ou iminentes violações de direitos humanos de grupos ou pessoas vulneráveis, ainda que a Defensoria Pública não esteja no exercício de sua capacidade postulatória, representando uma das partes ou um dos sujeitos do processo”, pontua a especialista.
Para Cristiana, a decisão do TJAM é acertada, justa e razoável, por envolver direitos existenciais violados pelo julgamento, garantindo-se o adequado processo legal e observado o princípio do contraditório no seu aspecto substancial, corolário da garantia constitucional da isonomia. “A relevância está na atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis, estendendo-se à mulher, prestigiando-se assim, os princípios da mínima interferência do Estado nas relações familiares e da autonomia privada.”
Vulnerabilidade processual
O ibedermano Marcelo da Costa Pinheiro, defensor público no Estado do Amazonas que atuou no recurso, lembra que o caso, ao menos inicialmente, mostrava-se como mais uma ação de divórcio, dentre tantas patrocinadas pela Defensoria Pública. “O então marido comprovou o casamento ocorrido em 1999 e alegou que há seis anos o casal estava separado de fato. Não havia filhos e nem bens a partilhar.”
“A citação da mulher ocorreu no seu atual domicílio, no interior do Estado do Pará, sem qualquer mácula aparente, efetivando-se por meio de carta. Em razão da inércia da ré, a revelia foi devidamente aplicada e o processo julgado de forma antecipada”, explica o especialista.
Quando da sentença, Marcelo pontua que o pedido de decretação de divórcio foi devidamente acolhido, assim como, determinou-se que a ré voltasse a usar o seu nome de solteira, o que constitui uma grave violação a direitos da personalidade. “Em razão da inexistência de advogado ou defensor para a tutela dos direitos da ré, bem como a anuência do Ministério Público com todos os termos da sentença prolatada, visualizou-se que o manuseio do instituto denominado custos vulnerabilis, o qual, por volta dos idos de 2014, foi idealizado pelo defensor público Maurílio Casas, seria o mecanismo ideal a ser utilizado para obstar a ilegalidade e evitar que a ré tivesse parte do seu nome suprimida.”
“A intervenção da Defensoria Pública, na qualidade de custos vulnerabilis, deu-se diante da existência da vulnerabilidade processual, geográfica e econômica da ré, tendo como um dos lastros teóricos a tese de doutorado da professora Fernanda Tartuce (USP – 2011), no sentido de tutelar os direitos que lhe são mais caros, a exemplo do direito ao nome, o qual, desde 1999, já havia sido incorporado ao seu patrimônio imaterial, sendo a sua retirada uma afronta à sua dignidade”, detalha o defensor público.
Missão constitucional
Para Marcelo, o mais importante impacto dessa decisão é a garantia de um direito da personalidade a uma pessoa que sequer participou diretamente da relação processual, e “que, muitas das vezes, sequer consegue ter uma compreensão razoável das consequências da sua inércia e de que direitos, a exemplo do direito ao nome, não podem ser suprimidos, via de regra, da sua esfera pessoal, nem mesmo pelo Estado”.
Ele salienta ainda a importância da aceitação de mais um caso de atuação da Defensoria Pública na qualidade de custos vulnerabilis, “o que somente atesta e robustece a missão constitucional dessa Instituição na salvaguarda de direitos para milhões de brasileiros que não possuem condições de ter acesso à justiça, além de ser mais um sujeito, no âmbito processual, cooperando para a construção de uma decisão justa”.
Segundo o especialista, a importância da Defensoria em casos como este é justamente tutelar o direito daqueles que mais anseiam por justiça num país de estratosféricas desigualdades como o Brasil. “Não há como se cogitar a justeza de uma decisão que não seja construída e alicerçada na participação ativa e em pé de igualdade entre todas as partes.”
“A Defensoria, intervindo como custos vulnerabilis, atua no sentido de amenizar essas desigualdades e, consequentemente, promover a inclusão satisfatória daqueles que, pelas mais variadas razões, encontram-se alijados do processo de tomada de decisões estatais”, frisa Marcelo Pinheiro.
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