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Trabalhador que estava em processo de transição de gênero terá demissão revertida
Uma decisão da 11ª Vara do Trabalho de Brasília reverteu a demissão discriminatória de trabalhador que estava em processo de transição de gênero e condenou a empresa ao pagamento de R$ 30 mil a título de indenização por danos morais. O homem foi demitido dois dias antes de realizar cirurgia de remoção dos seios.
Conforme consta nos autos, o trabalhador foi contratado em julho de 2014 e iniciou a transição de gênero em janeiro de 2017, quando era membro da CIPA e contava com estabilidade no emprego. Ele alega que, no decorrer do processo, com suas alterações fisionômicas se tornando cada vez mais visíveis, passou a receber tratamento desrespeitoso de seus superiores, em um cenário de discriminação e preconceito.
Segundo ele, após ter deixado a CIPA e comunicado ao superior que realizaria cirurgia de mastectomia masculinizadora em fevereiro de 2018, foi demitido sem justa causa dois dias antes da data agendada para a realização do procedimento cirúrgico. A defesa da empresa nega que a dispensa tenha sido discriminatória, bem como a prática de quaisquer atos que pudessem caracterizar constrangimentos rotineiros em seu desfavor.
Na sentença, a juíza declarou nula a dispensa por reconhecê-la discriminatória e julgou procedente o pedido de reintegração, nas mesmas condições anteriores à demissão, com a indenização dos salários relativos ao período entre a dispensa, em fevereiro de 2018, até a efetiva data de reintegração ao emprego.
Dispensa discriminatória
A magistrada entendeu que os depoimentos das testemunhas chamadas pela empresa não foram coesos ao tentar explicar os motivos da demissão, e chamou atenção para um e-mail da empresa, de outubro de 2017, que mostra a intenção em dispensar o trabalhador até o final daquele ano.
Para ela, a contradição das testemunhas, principalmente quanto à decisão de dispensa do trabalhador em momento anterior a fevereiro de 2018, somada à “pressa” demonstrada na mensagem eletrônica transcrita quanto a necessidade da demissão do reclamante até o final de 2017, “tem o condão de confirmar a tese da exordial quanto à dispensa discriminatória do reclamante, já que, após o exaurimento do mandato na CIPA e a notícia que o empregado precisaria se submeter à cirurgia, a reclamada decidiu demiti-lo”.
Mesmo tendo pleno conhecimento do processo de transição de gênero, iniciado durante o período de mandato como membro da CIPA, e da necessidade da realização do procedimento cirúrgico que afastaria o trabalhador por muitos dias do trabalho, a empresa prosseguiu com a demissão, efetivando o afastamento dois dias antes da intervenção. “Conduta como a praticada pela reclamada não pode ser tolerada em um Estado Democrático de Direito”, frisou a juíza.
A magistrada considerou ainda que, mesmo ciente de que o trabalhador precisava realizar a cirurgia, com base em laudos médicos apresentados, e que vivia um momento delicado em sua vida pessoal, a empresa dispensou o empregado, deixando de traçar um diagnóstico de sua saúde física e emocional, desrespeitando com isso as normas de segurança e medicina do trabalho.
Dano moral
A juíza ponderou que, quando a Constituição Federal de 1988 coloca como direito humano fundamental o direito à vida, esse direito, vai muito além de respirar. Os direitos de personalidade, o que inclui a forma de escolher as diretrizes de vida – como a autodeterminação da pessoa -, são irrenunciáveis, intransmissíveis e dizem respeito tão apenas ao seu detentor, integrando a esfera de sua intimidade e privacidade. “É em preservação deste bem tão precioso que acolho a tese prefacial, dado que se mostra a melhor forma de garantir a observância à dignidade da pessoa humana, aos direitos da personalidade, ao direito da saúde, ao valor social do trabalho e à cidadania”, concluiu na sentença.
Ao arbitrar indenização por danos morais, a magistrada entendeu que o trabalhador teve atingida sua esfera moral ao ser exposto à situação angustiante de ficar sem emprego e sustento, sendo lançado ao mercado de trabalho durante momento pessoal delicado de pleno conhecimento da empregadora, a apenas dias da realização de procedimento cirúrgico. Para a juíza, “é evidente que tais situações trouxeram dor e sofrimento ao trabalhador. Além do mais, ainda que assim não fosse, nos casos de dispensa discriminatória, o sofrimento é presumido.”
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