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Advogado parecerista detalha abordagem na Revista Científica do IBDFAM sobre divórcio e partilha de cotas de sociedade empresária
Divórcio e partilha de cotas de sociedade empresária são temas de parecer do advogado Marcos Catalan, que integra a 44ª edição da Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. Em sua exposição, ele também trata do aumento do capital social havido na constância da sociedade conjugal sob a égide de regime de comunhão de bens, da valorização patrimonial da sociedade empresária e da comunicação, em ambos os casos, devida.
Confira, a seguir, a íntegra da entrevista com o advogado Marcos Catalan:
Obrigado pelas perguntas. Respondê-las é uma tarefa digna dos esforços de Hércules, em especial, ante a necessidade de atenção aos detalhes delineadores de cada situação fenomênica. Nunca é demais lembrar, ademais, consoante afirma um grande professor brasileiro: o Direito não é algo simples; longe disso, é deveras complexo. Por isso, o que divido com leitores e leitoras, nesse momento, são apenas algumas reflexões feitas a partir de suas interessantíssimas indagações.
Fale-nos sobre a importância destes temas no cenário atual do Direito das Famílias e das Sucessões.
O parecer que tive a alegria de ver publicado na 44ª edição da Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões tem como pano de fundo um contexto no qual frutos civis produzidos por bens incomunicáveis, no caso, os dividendos gerados por uma sociedade empresária de titularidade exclusiva de um dos cônjuges, foram reinvestidos, dando vida a novas cotas sociais o que, consequentemente, valorizou, inflou, fez crescer, em termos econômicos, a referida sociedade empresária. A nota peculiar ao caso é que isso ocorreu com a utilização de bens de titularidade do casal, nos termos do art. 1660, V, do Código Civil.
Em outras palavras, na situação esquadrinhada, sucessivos aumentos do capital social havidos durante a constância da sociedade conjugal tiveram em sua origem o uso de dividendos que, na qualidade de frutos civis, pertencem, na espécie, aos cônjuges.
Oportuno lembrar – obviamente, além dos que derivam de bens comuns – que os frutos dos bens particulares são de titularidade de ambos os cônjuges ou companheiros quando suas relações conjugais forem balizadas por um dos dois regimes de comunhão previstos na codificação civil. E são de sua titularidade comum desde o instante de “sua gênese”, pouco importando, ainda, o fato de o bem-estar em nome de apenas um dos cônjuges, consoante o magistério de Pontes de Miranda.
Gostaria de dizer, ainda, que no caso que analisei – como em tantos outros com traços similares levados à apreciação do Poder Judiciário –, o titular das cotas sociais se esforçou para sustentar a tese de que a empresa, melhor, a sociedade empresária é de sua titularidade exclusiva, afirmação falsa, pois, em parte pertence ao cônjuge não titular das cotas sociais por conta do fenômeno da sub-rogação sempre que ocorrer o uso de capital comum para gerar novas cotas sociais. Evidentemente, a quantificação deste percentual precisará ser apurada, quase sempre, por meio de prova pericial, caso não haja uma solução consensual.
Ocorre que este, é preciso aclarar, é apenas um cenário entremeio a tantos outros que podem ser imaginados. O regime de bens existente entre cônjuges ou companheiros pode ser um regime de separação ou mesmo um regime híbrido. A sociedade empresária poderia ter valorizado em razão do uso de recursos comuns na aquisição de bens de capital. Isso, por outro lado, pode ter ocorrido com recursos exclusivos de um dos cônjuges ou companheiros. Seu fluxo de caixa poderia ter sido inflado, de forma real, com o uso dos mesmos recursos imaginados nas últimas linhas. Os frutos devidos ao cônjuge ou companheiro não titular poderiam ter sido entregues a ele e os de titularidade do empresário reinvestidos. E ainda, para limitar os exemplos possíveis, a valorização econômica da sociedade empresária poderia ter decorrido, simplesmente, por conta de um movimento de Mercado. E tudo isso impacta na elaboração da resposta em cada situação que o exija, afinal, a hermenêutica pressupõe concretude.
Como tem prevalecido, na jurisprudência, a partilha de bens no que diz respeito à valorização das cotas sociais?
Consoante busquei explicitar ao tentar dar conta de sua primeira pergunta, é imperioso compreender como ocorreu a valorização das cotas sociais. Houve aquisição de bens de capital? A sociedade empresária adquiriu maquinário, imóveis? Se positiva a resposta, como esse processo se deu? Qual a origem dos recursos? A quem eles pertencem? Houve aumento no fluxo de caixa? Foram criadas novas cotas sociais, cotas usualmente denominadas cotas-filhote? E nesse caso, qual foi a origem do capital utilizado? São eles de titularidade do casal?
Em paralelo, é imperioso saber, ademais, qual o regime patrimonial de bens existente no casamento? Ainda tendo em mente o estatuto jurídico patrimonial do casal, caso fosse ele um regime comunitário, há alguma exceção lavrada em pacto antenupcial ou em contrato de convivência criando situação híbrida quanto a destinação dos frutos produzidos?
Neste último caso, cabe indagar, ainda, se uma cláusula com tal objeto pode ser considerada válida ou se o disposto no art. 1660, V e no art. 1667 tem natureza cogente, injuntiva, não podendo ser afastado por ocasião do exercício da autonomia privada.
Mais perto daquilo que me perguntas, em meu sentir – talvez, essa percepção seja não mais que fruto de minha miopia intelectual –, dizia eu, em meu sentir, o Poder Judiciário nem sempre parece estar atento a tais peculiaridades. Noutras ocasiões, parece não se preocupar com a adequada categorização dos dividendos tal qual se observa no AREsp 1.269.531. Tudo isso, é verdade, a despeito das muitas decisões merecedoras de prolongada ovação.
Note que referido julgado entendeu que as cotas “recebidas em decorrência da capitalização de reservas e lucros constituem produto da sociedade empresarial e aumentam o seu capital social, com o remanejamento dos valores contábeis da própria empresa [sic], consequência da própria atividade empresarial. Assim, tal reserva não se caracteriza como fruto”. Se não são fruto, são o que? Que categoria jurídica dogmática de direito privado foi utilizada, embora, não aclarada, na elaboração da referida decisão? Particularmente, em termos melhor explicitados no trabalho técnico referido, tenho comigo que dividendos são frutos civis, sacados ou reinvestidos, e isso, também, porque pensamento distinto estimulará fraudes à meação.
Outra questão que muito preocupa – e o digo de forma muito respeitosa – é o fato de que apesar de produzida de forma monocrática, a mesma linha de argumentação se encontra reproduzida em pelo menos outros três julgados proferidos entre 2019 e 2020 pela mesma Corte. Oportuno destacar que referidos julgados foram igualmente decididos pela via monocrática, logo, sem o debate que, utopicamente, espera-se em qualquer tribunal, mormente, no Tribunal da Cidadania. Imperioso apontar, que isso acaba produzindo um padrão decisório que, a despeito da incoerência dogmática que parece acompanhá-los e do déficit democrático ante a ausência de debate interno, pautas raramente percebidas fora dos círculos acadêmicos, tende a ser repetido em um potencial contexto de perversão do Direito.
Como fazer o planejamento sucessório em casos de valorização das cotas empresariais?
Acredito que o primeiro aspecto a ser identificado pelo profissional diz respeito à complexidade da questão. É preciso muito cuidado para não antecipar respostas que não se sustentem e acabem frustrando expectativas. Aliás, erros dessa natureza podem implicar na imposição do dever de reparar ao advogado ou advogada responsável pelo projeto arquitetônico sucessório defeituoso.
Ora, se um planejamento sucessório feito tendo por lastro bens imóveis nem sempre é algo simples, quiçá o será quando o patrimônio ou parte dele é constituído por cotas sociais, por direitos afetos a sociedades empresárias. Fiquemos com um único exemplo. Pensem em doações sucessivas que individualmente respeitem a regra prevista no art. 549 do Código Civil e se elas prevalecerão quando, em seu conjunto e na ausência de prova de intenção de fraudar a lei, atinjam a legítima existente quando se aperfeiçoou a doação mais antiga?
Imaginem, agora, quanto um design mal feito – pouco importando os instrumentos utilizados em concreto – pode dar margem a um dos problemas que mais se busca evitar quando se recorre ao planejamento sucessório: o litígio entre os herdeiros e, eventualmente, o/a titular da meação. E tenham em mente que muitas vezes são alguns milhões de reais em jogo...
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