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IBDFAM defende rejeição de PL que proíbe registro de união poliafetiva em audiência na Câmara
A Comissão de Seguridade Social e Família – CSSF da Câmara dos Deputados promoveu, na quinta-feira (27), uma audiência pública para discutir o Projeto de Lei 4.302/2016, que busca proibir o registro de união poliafetiva. Foi a primeira audiência pública, por iniciativa do deputado Alexandre Padilha (PT-SP), e antecede a votação do tema na comissão.
Um dos convidados ao evento, o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Rodrigo Cunha Pereira, argumentou que o projeto em debate reflete a grande discussão filosófica de nosso tempo – a monogamia. "Esse projeto de lei, além de ser uma excessiva intervenção do estado na vida privada do cidadão, fere a Constituição, segundo a qual não existem famílias ilegítimas", argumentou o advogado. Para ele, o PL propõe manter essas “famílias debaixo do tapete, na invisibilidade, fazendo de conta que elas não existem”.
Também presente ao evento virtual, a vice-presidente do IBDFAM, Maria Berenice Dias, apresentou deficiências no texto da proposta. Segundo a advogada, o PL é inadequado "porque sempre houve uma grande resistência do legislador pátrio, para reconhecer como qualquer família ou entidade familiar tudo que foge às uniões que tem o selo do casamento".
Em sua fala, a vice-presidente defendeu que a exclusão do ordenamento jurídico das relações poliafetivas não irá impedir que aconteçam, e pode gerar efeito contrário. "Essa tentativa absolutamente inócua de condenar à invisibilidade e excluir essas famílias do sistema jurídico gera enormes injustiças", concluiu a advogada.
Autonomia privada
O juiz Pablo Stolze, membro do IBDFAM, indicou que a fidelidade é um princípio tutelado no Direito brasileiro. "A autonomia privada, lembrando [o professor] Pietro Perlingieri, não se projeta só no campo do direito contratual; a autonomia privada se projeta em âmbitos da dimensão existencial do humano. A fidelidade pode ser flexibilizada por ato de vontade", comentou. "Eu não faria, mas há quem faça, e o que o Estado faria com isso?", indagou.
Em sua fala, o ministro do Superior Tribunal de Justiça – STJ, João Otávio Noronha, indicou ser a vontade do projeto de lei que uniões estáveis simultâneas não sejam acolhidas. "Não há nada de moralismo, é a ordem jurídica que concebeu assim", disse. "Você quer viver com vários relacionamentos? Saiba que você não terá proteção, é a vontade da lei. Ninguém está proibindo, apenas não serão reconhecidas três uniões estáveis. Ou então teremos de rasgar a Constituição no capítulo VII, e temos de rasgar o direito de família do Código Civil todo."
Por fim, Noronha argumentou que a união poliamorosa pode ser culturalmente aceita no futuro, mas hoje a maior parte da sociedade brasileira não aceita a norma. "O Estado é laico, mas o destinatário das normas do Estado desse país, 98% são cristãos. O Estado legisla para um povo que é cristão, eminentemente cristão. E o cristão nunca apoiou a poligamia", concluiu.
Discordando, o presidente do IBDFAM, afirmou que a sociedade está muito mais aberta a esse tema, prova disso são os vídeos virais nas redes sociais, em que famílias poliafetivas compartilham seu dia a dia, que já ultrapassam 30 milhões de visualizações. “Quem tiver interesse, basta procurar pela hashtag #poliamorbrasil”, pontuou mais adiante.
Impactos e desdobramentos
Autor da proposta, o deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), defendeu o PL. "A ideia deste projeto, em que alguns pensam em distorcer, é de fato observar as questões jurídicas sobre os impactos e os desdobramentos de nossas ações quanto parlamentares", refletiu.
Durante os debates, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), questionou se a sanção do projeto terá impacto nas decisões judiciais relacionadas a direitos e na obrigação de juízes de garantir o direito à dignidade humana a quem está nessa proposta convivencial. A deputada Vivi Reis (PSOL-PA) demostrou preocupação com o direito das mulheres nessas relações.
"Só vai vir em prejuízo às mulheres", respondeu Maria Berenice. "Se é uma realidade que a maioria das famílias poliafetivas são constituídas de um homem e mais de uma mulher – por mais que isso não seja a regra absoluta – não reconhecer que se admita qualquer direito a estas pessoas vêm em prejuízo a elas."
Entenda o PL 4.302/2016
O projeto de lei, apresentado em fevereiro de 2016 pelo deputado Vinícius Carvalho, busca inserir um novo parágrafo único ao artigo 1º da Lei 9.278, de 1996 – que regulamenta a união estável, prevista no § 3° do artigo 226 da Constituição. O texto passaria a tornar expressamente proibido o reconhecimento da união poliafetiva, formada por mais de um convivente.
A justificativa possui um único parágrafo. Segundo o parlamentar, o texto busca coibir cartórios no país de reconhecerem tais arranjos, que seriam feitos, segundo ele, ao “arrepio da legislação”. Nas palavras do parlamentar: “Entendemos que reconhecer a Poligamia no Brasil é um atentado que fere de morte a família tradicional em total contradição com a nossa cultura e valores sociais”.
O texto segue em fase inicial de debates – ele está na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara desde março de 2016. Deputados de oposição, como o então parlamentar pelo PSOL do Rio de Janeiro Jean Wyllys, já chegaram a atuar contra a tramitação da proposta. À época, Wyllys tentou fazer com que o PL tramitasse junto a outro que versava em direção oposta, dando o reconhecimento de todas as formas de união entre duas ou mais pessoas.
Confusão entre poliamor e poligamia
Em vários momentos das exposições na audiência, os conceitos de poligamia e poliamor se confundiam. Argumentações em favor da sanção do projeto de lei levantaram a pauta de regulamentação da poligamia, que acontece quando uma pessoa impedida de casar contrai novo casamento. No entanto, o texto se refere ao registro de uniões poliafetivas, que acontece quando três pessoas, de comum acordo, decidem conviver em união estável.
Por Guilherme Mendes – Repórter em Brasília
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