Notícias
STJ inicia julgamento sobre possibilidade de companheira sobrevivente anular partilha de ex-esposa
Atualizado em 28/05/2021.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ iniciou o julgamento sobre o direito de uma mulher de promover a anulação de uma partilha feita pela primeira esposa de seu ex-companheiro, uma vez que imóveis adquiridos durante o segundo relacionamento, união estável, estariam no rol de bens da primeira esposa. O julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial – AgInt no AREsp 1.701.665/RS foi iniciado na terça-feira (25).
A discussão envolve o relacionamento de um homem, já falecido, com sua primeira esposa, desde 1937; e com sua segunda companheira, com quem viveu entre 1968 e 1991. Após a morte dele, alguns de seus bens foram transmitidos a filhos do seu primeiro casamento. Foi então que a companheira ingressou nos tribunais contra a sucessão da primeira parceira, por estar se valendo de bens que, supostamente, teriam sido adquiridos durante a união estável após 1968.
O caso começou a tramitar na Justiça do Rio Grande do Sul. Lá, a primeira instância anulou a partilha por entender que o artigo 1.029 do Código de Processo Civil de 1973 permite a anulação do ato no caso de erro ou dolo.
"Todo o patrimônio adquirido onerosamente pelo falecido durante a união estável, portanto entre os anos de 1968 até o início do ano de 1991, comunica-se com a companheira e não com a esposa, salvo as hipóteses do artigo 1.659 do Código Civil", escreveu a juíza em sua decisão. É o lado da esposa que recorreu da decisão no STJ.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, negou provimento ao agravo interno. Para o ministro, como a autora é terceira em relação à partilha dos bens da primeira esposa, em tese quando muito teria direito de crédito dos aludidos bens partilhados, "a sua pretensão fundamenta-se no vício daquele errado".
Para Salomão, "a ação pretendida deve observar o prazo prescricional de quatro anos a que alude o art. 178 § 9º, inciso V, letra "b" do Código de 1916, ou seja, o mesmo prazo para anular negócios jurídicos em geral dado em erro dolo simulação ou fraude, tendo como inicial a data da homologação da partilha, em 28 de março de 1990."
Após o primeiro voto, a ministra Maria Isabel Galotti pediu vista ao caso.
Separação de fato
Primeiro vice-presidente da Comissão de Relações Acadêmicas do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado Conrado Paulino da Rosa considera a questão complexa por conta de os fatos estarem sujeitos à vigência do Código Civil de 1916. Vencida a questão, indica Conrado, "o que temos de perceber é a possibilidade de aplicação do entendimento, já consolidado em tribunais superiores, de que a separação de fato cessa o regime de bens", explica.
"No momento em que existe a separação de fato do primeiro relacionamento, no qual, segundo informações, era norteado pela comunhão universal de bens, há, a partir da separação de fato, a possibilidade da manutenção de um relacionamento convivencial em que os bens adquiridos após a separação de fato não mais se comunicam com a primeira parceira, ou seja, passarão de ser de titularidade da companheira."
Leis são ex nunc e não retroagem
O advogado Rolf Madaleno, diretor nacional do IBDFAM, atua no caso. Ele explica que algumas características precisam ser observadas para que se tenha a exata compreensão do que está sendo julgado. “Trata-se de uma esposa que faleceu antes da Constituição Federal de 1988 e, portanto, antes das leis da união estável de 1994 e a de 1996”, detalha, referindo-se às normas 8.971/1994 e 9.278/1996.
“Quando ela faleceu, tudo que aconteceu foi o inventário da meação dos bens que ela possuía. Posteriormente, a ‘concubina’, como era chamada no passado, ingressou com uma ação declaratória de existência de união estável. Pretendeu com isso, em 2001, usar as leis de hoje para interpretar fatos do passado. Esse é o grande problema. Não é possível retroagir para aplicar o que hoje se compreende na legislação brasileira, para aquilo que antes de 1988 se compreendia.”
De acordo com o especialista, os fatos e a lei anteriores é que regem o inventário. “Não há como anular o inventário das leis do passado com as leis atuais. O STJ já se pronunciou diversas vezes nesse sentido”, comenta. Ele lembra que a separação de fato também é um instituto moderno, trazido e interpretado a partir do Código Civil de 2002, “por causa da disposição em que estabelece que, quando alguém está separado de fato, se reconhece a existência da união estável”.
“Nenhuma lei de hoje, posterior à morte da viúva, pode ser aplicada para anular o inventário dessa esposa feito em junho de 1988”, frisa Rolf. Ele explica que mesmo a união estável, que transcorreu entre 1968 a 1991, não encontraria reconhecimento, visto que as normas sobre o tema foram editadas anos depois. “Esse é o grande destaque desse julgamento. As leis do passado precisam ser preservadas. As leis de hoje não têm essa incidência, não retroagem, porque os efeitos são ex nunc, das leis para a frente”, conclui.
Por Guilherme Mendes – Repórter em Brasília
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br