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Artigo científico examina a influência do gênero nas relações de guarda compartilhada
“A influência do gênero nas relações de guarda compartilhada” é tema do artigo da advogada Milena Sardinha Garcez Faria, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que integra a 43ª edição da Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões.
No texto, a autora investiga a distribuição da guarda dos filhos a partir de uma perspectiva feminista, que permite uma reflexão acerca da influência das relações de gênero. Milena ressalta que a distribuição da guarda dos filhos é tema central ao Direito das Famílias e, por envolver relações íntimas e pessoais, é importante adotar uma perspectiva que vá além da lei, ou seja, multidisciplinar que leve em consideração questões relacionadas ao tema como, por exemplo, o Direito das Mulheres.
“Como resultado dos movimentos feministas, as mulheres conquistaram maior espaço político, econômico e jurídico. Esse processo de busca por autonomia e inserção no mercado de trabalho permitiu que as mulheres assumissem outros papéis, de modo que não mais podiam ser identificadas apenas por aqueles desenvolvidos no núcleo familiar e, como consequência, os homens passaram a ser incluídos de forma mais ativa na dinâmica da família”, lembra a advogada.
A especialista pontua que, apesar da evolução legislativa fundada na equidade, “o Direito não consegue se atualizar na mesma velocidade com que as mudanças sociais ocorrem e, por isso, ainda persistem traços de uma sociedade patriarcal dentro do Poder Judiciário. Sendo assim, é extremamente relevante analisar a influência das relações de gênero na divisão da guarda dos filhos.”
Perspectiva heteronormativa
A advogada explica que o artigo teve como foco a aplicação da perspectiva do gênero para analisar a divisão da guarda dos filhos no contexto de uma relação heteronormativa, que é marcada pela dicotomia entre homens e mulheres. “Embora não tenha explorado esse enfoque no artigo, uma análise sobre gênero e Direito das Mulheres deve também abordar outros contornos familiares que estão para além da relação heteronormativa.”
“Por muito tempo persistiu a concepção de que o cuidado dos filhos era uma função a ser desempenhada exclusivamente pelas mulheres. Por exemplo, durante a vigência do Código Civil de 1916 os homens detinham o pátrio poder e exerciam a chefia do núcleo familiar, administrando bens e provendo a manutenção da família, e as mulheres desempenhavam uma função auxiliar, sendo sua ocupação precípua o cuidado com a criação e educação dos filhos”, reconhece Milena.
Para a especialista, essa concepção, apesar de ter sido mitigada, ainda persiste. “Consequentemente, o Poder Judiciário ainda possui traços paternalistas, sendo um deles a preferência por conferir a guarda dos filhos às mães. Além de sobrecarregar as mulheres e imputar a elas responsabilidades maiores, muitas vezes deixa-se em segundo plano a participação e dedicação dos pais, que é de fundamental importância para o desenvolvimento das crianças.”
A guarda compartilhada, segundo ela, surge como um modelo que invoca a simetria dos papéis parentais, garantindo uma maior igualdade entre gêneros no que diz respeito à divisão da guarda dos filhos. “Ainda assim, apesar de ser um modelo baseado na corresponsabilidade e na colaboração, não põe fim às hierarquias sexuais dentro do núcleo familiar.”
“Por isso é importante adotar uma perspectiva feminista ao analisar a divisão da guarda dos filhos, não só para entender como as relações de gênero influenciam essa dinâmica, mas também para refletir sobre que medidas podem contribuir para assegurar a igualdade material entre homens e mulheres”, justifica a advogada.
Convivência
Milena observa que a pandemia da Covid-19 trouxe novas complexidades às relações familiares e a questão da guarda dos filhos não escapou dessa realidade. “Com a necessidade de isolamento social e de observância de diversas medidas sanitárias, a convivência familiar foi colocada em xeque, isso porque, o convívio com ambos os genitores e suas famílias extensas aumentaria a exposição ao vírus.”
“Acompanhando as decisões judiciais que foram proferidas sobre o tema percebi que nos primeiros meses de pandemia os tribunais adotaram uma postura mais cautelosa em recomendar a suspensão da convivência por determinado período ou até mesmo instituir um regime de convivência virtual”, comenta a autora.
Ela destaca que, com base na necessidade de se resguardar a convivência dos filhos com ambos os genitores, se tornou majoritário o entendimento de que a pandemia não poderia representar óbice à tal convivência, exceto em situações pontuais em que um dos genitores exerce atividade de risco ou quando a criança apresenta comorbidades e/ou características que a colocariam em maior perigo caso fosse contaminada pelo vírus.
Para a advogada, a partir da perspectiva de gênero, e considerando que na maioria dos casos a guarda dos filhos é atribuída à mãe, a pandemia trouxe mais sobrecarga às mulheres. “Acredito que, em um primeiro momento, a redução da convivência ou até mesmo a instituição de uma convivência virtual possa ter parecido uma boa alternativa, até mesmo para as mulheres, pois representaria uma forma de preservação da saúde.”
Milena ressalta que a participação ativa de ambos os genitores é essencial para o bom desenvolvimento da criança e para que haja um maior equilíbrio no tocante às responsabilidades parentais, sem que estas recaiam quase que exclusivamente sobre as mães. “Inclusive, notei um movimento por parte dos homens em buscar na justiça a manutenção da convivência com seus filhos durante o período da pandemia, o que mostra a preocupação dos mesmos em ter uma participação mais ativa na vida dos filhos.”
“De todo modo, a questão da guarda se tornou ainda mais sensível e, em certas situações, a pandemia ocasionou maiores desentendimentos entre os genitores, eis que o cuidado consigo e com os outros precisou ser redobrado. Por ser entusiasta dos métodos autocompositivos, acredito que a pandemia revelou a importância cada vez maior de se pensar em solucionar conflitos, principalmente na seara do Direito das Famílias, de forma consensual e não adversarial”, conclui Milena.
Confira, na íntegra, esse e outros artigos exclusivos da 43ª edição da Revista Científica do IBDFAM. A assinatura pode ser feita pelo site ou pelo telefone: (31) 3324-9280. Assine!
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