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Livro investiga tratamento dado à poligamia consentida, realidade crescente no Brasil
Há estudos científicos que garantem: não é da natureza humana ser monogâmico. Ainda hoje, a sociedade brasileira segue sem garantias jurídicas para as pessoas que optam por viver com mais de um parceiro. Esse modo de amar tende a ser comum nesses tempos em que a felicidade e a realização pessoal são colocadas acima das tradições. Poligâmicos brasileiros vivem nas mesmas condições de alguns imigrantes que chegam por aqui, onde, ao contrário de seus países de origem, não encontram respaldo legal para suas relações de afeto.
O juiz Maurício Cavallazzi Póvoas, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e atuante no Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC, é o autor do livro Poligamia Consentida no Direito Brasileiro e Internacional. A publicação investiga, entre outros fatores relacionados ao tema, como o arranjo familiar poligâmico é tratado pela Constituição da República do Brasil. O prefácio é assinado por Cristiano Chaves de Farias, diretor nacional do IBDFAM.
Para falar como o Brasil se insere no panorama internacional sobre a poligamia, Maurício explica que essa análise deve ser feita levando em consideração o Direito e a realidade social. Em seu estudo, ele mostra como a Constituição alberga a família poligâmica calcada na boa-fé dos seus membros. "Não excluo, de forma alguma, eventual direito advindo das famílias paralelas, que são as decorrentes de adultério, mas delas não trato no meu livro", detalha o magistrado.
"No que concerne à realidade social, as famílias poligâmicas, por mais que estejam cada vez mais presentes, ainda sofrem resistência, o que é natural, sobretudo porque nossa sociedade é calcada em valores mais conservadores, estes decorrentes de um histórico de confusão entre a igreja e o Estado. Mas estou certo que esta resistência aos poucos vai sendo quebrada, como ocorreu com as famílias homoafetivas", diz Maurício.
Ausência de garantias jurídicas
Uma das vertentes principais do livro consiste em verificar a obrigatoriedade, ou não, de aceitação por parte dos Estados aderentes aos mecanismos internacionais de proteção aos Direitos Humanos, da condição de poligâmicos dos migrantes que aportam legalmente a esses países. O autor faz um recorte sobre as realidades vivenciadas no Brasil.
"As condições [dos imigrantes] são as mesmas que os brasileiros natos que vivem em poligamia enfrentam, como a ausência de garantias jurídicas em caso de dissolução da união. Isso somente vai ser alterado quando se reconhecer, seja por meio de decisões judiciais ou de normas jurídicas, que as uniões poligâmicas consentidas existem de fato e que os seus membros não podem ser marginalizados pelo sistema jurídico", defende o juiz.
Para ele, há a necessidade de uma atualização sobre o tema no ordenamento jurídico brasileiro. Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ proibiu que cartórios registrem escrituras de uniões poliafetivas, mantendo essas relações à margem da sociedade. Assim, questões como multiparentalidade, adoção, pensão alimentícia, previdência e herança envolvendo essas famílias encontram controvérsias ao chegarem à Justiça, como destacou estudo divulgado pelo IBDFAM no ano passado.
"Não há dúvida alguma que seria brilhante e mais do que necessário que esse tema fosse discutido com maturidade e com base na realidade atual da nossa sociedade. Mas creio que isso será muito difícil de acontecer neste momento. Não obstante, cabe a nós, juristas, não esquecer de trazer sempre esse tema à baila, de forma que possamos estar preparados para resolver os problemas que certamente surgirão quando as famílias poligâmicas que hoje se constroem começarem a se dissolver", conclui Maurício.
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