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Relações afetivas entre advogados e seus clientes são examinadas em artigo científico
Um dos destaques da 43ª edição da Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões é o artigo ”Relações afetivas entre advogados de família e seus clientes: amor ou transferência?", de autoria da psicanalista Claudia Pretti Vasconcellos Pellegrini, vice-diretora de Relações Interdisciplinares do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em parceria com o advogado José Eduardo Coelho Dias, membro do IBDFAM.
O texto investiga as relações entre advogados de família e seus clientes, com base no conceito da psicanálise de transferência. Os autores detalham ainda a inexistência de impedimentos legais para tais relacionamentos, e suas consequências para ambas as partes. “A ideia surgiu exatamente no sentido de, a partir de elementos e conceitos que a psicanálise oferece, contribuir para o entendimentos dessas questões. A transferência, um dos conceitos fundamentais da psicanálise recortados por sigmund freud, nos fornece os elementos necessários para pensarmos o relacionamento entre advogados (as) de família e seus clientes a partir de uma lógica, e não de um impedimento moral ou legal”, explica Claudia Pretti.
“Sabemos que os advogados que atuam nas lides familiaristas têm em sua rotina clientes que estão passando por momentos de muito desamparo e fragilidade, o que acaba colocando esses profissionais em um lugar de escuta das dificuldades e fragilidades de cada um. Ao mesmo tempo, vivemos momentos nos quais o diálogo tem tido dificuldade para ocupar a cena na resolução dos conflitos, provocando a judicialização dos mesmos.” Segundo ela, em muitos casos, o profissional não é capaz de situar de forma clara seu lugar de atuação, e separar suas questões pessoais daquelas que se apresentam no caso, o que acentua as dificuldades.
Transferência e afetividade
De acordo com a autora, quando um advogado ocupa o lugar de representante de um cliente e ,ao mesmo tempo, de seu parceiro amoroso, o risco de tomar aquela causa como sua e não do cliente é enorme. “A não separação entre o lugar de atuação faz com que o profissional em questão imprima suas próprias questões pessoais e inconscientes, o que na maior parte das vezes compromete a isenção necessária. Não é raro encontrarmos grandes litígios que possuem em sua origem essa não separação das questões das partes envolvidas daquelas dos advogados (as) que as representam”, avalia.
Segundo Claudia Pretti, não há regulamentação específica que impeça o relacionamento entre clientes e seus representantes legais. “O que temos é uma espécie de código de conduta velado, no qual essa situação não costuma ser bem vista dentro do meio, sobretudo dos grandes escritórios de advocacia.”
“Aprendemos com a psicanálise que toda e qualquer relação amorosa ou erótica tem sua origem em questões inconscientes próprias de cada sujeito aí envolvido, seu sintoma e seu modo de se relacionar com o mundo. Cada um desenvolve seu próprio modo de amar e tende a projetar no parceiro amoroso características que lhe são próprias”, argumenta a autora.
De acordo com ela, o conceito de transferência aponta a projeção de desejos inconscientes para a figura deste que ocupa um lugar de suposição de saber para o sujeito. “O amor transferencial é, portanto, característica de todas as relações humanas. No contexto da psicanálise, porém, tem lugar central na condução do tratamento, uma vez que o psicanalista não pode acreditar que o afeto dirigido a ele é provocado por suas conquistas e adjetivos, e sim, um movimento estrutural do processo. Nesse sentido, os advogados de família também podem receber esses afetos dirigidos a eles nesses momentos de tanta fragilidade da parte de seus clientes. Lidar com isso sem se misturar com essas questões é fundamental para sua boa atuação profissional.”
Lógica emocional
Para a psicanalista, as consequências dessa relação são muito mais lógicas do que legais. “Estar envolvido emocionalmente com uma causa em que atua pode impedir que a atuação se faça dentro dos trâmites necessários e passe a ter uma condução dentro de uma lógica emocional e da paixão, turvando a visão e transformando a lide profissional em uma lide pessoal. Para o cliente em questão, ele poderá até ter a impressão de que seu advogado está mais empenhado no caso, mais pronto a atender as solicitações, sem perceber que isso o impede de ocupar mais plenamente seu lugar no processo.”
“Não existe possibilidade de prevenir a transferência, ela é estrutural e inerente às relações humanas. O fundamental não é preveni-la e nem se livrar dela, mas sim saber de sua existência para não cair em uma posição equivocada na atuação profissional. Caso seja inevitável viver uma relação amorosa com um de seus clientes, é importante saber que sairá do lugar de atuação profissional para cair em um outro que poderá comprometer o pleno exercício.” Conforme a especialista, trata-se de uma impossibilidade lógica.
“Não se pode ocupar os dois lugares ao mesmo tempo sem o risco de uma mistura de funções temerária ao bom andamento dos processos aí envolvidos. A boa separação entre o lugar de advogado e o de parceiro amoroso permite que os dois lugares sejam vivenciados de forma mais adequada”, conclui Claudia Pretti.
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