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Parto anônimo pode coibir abandono materno e abortos clandestinos, afirma especialista
O parto anônimo foi tema de alguns projetos de lei há cerca de 13 anos. O objetivo era prevenir o abandono de crianças, visto a constância de casos notificados no país. Atualmente, ainda sem previsão legislativa expressa sobre o tema, persiste a busca por meios eficazes de se coibir o desamparo de recém-nascidos, bem como a vulnerabilidade de mulheres que recorrem aos abortos clandestinos.
Em 2008, três projetos de lei se dedicaram ao tema. Um deles, o PL 3.220/2008, foi apresentado em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Os textos tinham a finalidade de consolidar meio legal para que as genitoras manifestassem intenção de não ficar com seus filhos, permitindo a ida dos pequenos para famílias socioafetivas, por meio de adoção.
Embora rejeitados nas Comissões da Câmara, as propostas acenderam as discussões que, quase uma década depois, deram origem à Lei 13.059/2017, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) para acrescentar disposições acerca do tema. Ainda assim, o abandono de recém-nascido, conduta tipificada no Código Penal, é assunto recorrente.
Direitos das crianças e das mulheres
Para a advogada Melissa Telles Barufi, presidente da Comissão da Infância e da Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o parto anônimo é capaz de reduzir esse tipo de violência contra os recém-nascidos. A discussão, segundo a especialista, deve perpassar os direitos das crianças e também das mulheres.
"Diz respeito a um instituto que busca equalizar dois interesses contrapostos: de um lado garantir que uma criança não desejada não seja alvo de abandono, aborto ou infanticídio; de outro, que à mãe biológica, que não quer ser mãe, seja assegurado o direito ao anonimato e a não formação da relação materno-filial", explica Melissa.
Ela explica que o parto anônimo no Brasil pretende resguardar a integridade física e psicológica da criança, bem como proporcionar às mães condições dignas durante o período gestacional. A mulher teria o resguardo de sua saúde e a isenção da responsabilidade pelo ato de abandono pelas normas legais tradicionais.
"O objetivo é o resguardo da dignidade, integridade física e psíquica da criança, visando uma colocação em família substituta e garantindo o direito à vida e ao convívio familiar, além de permitir à mãe biológica atendimento à saúde, física e psicológica, a fim de auxiliá-la na tomada de sua decisão", destaca a diretora nacional do IBDFAM.
Histórico de projetos de lei
Além do projeto de lei com a participação do IBDFAM, a busca pela regulamentação do parto anônimo veio também em outras duas propostas que observaram a ausência de previsão específica na legislação. No entanto, foram todos arquivados sob alegação de inconstitucionalidade.
Os Projetos de Lei 2.747/2008 e 3.220/2008 tinham o intuito de coibir o abandono com a garantia do sigilo da identidade da mãe. Recomendavam, ainda, a implantação de programa específico no Sistema Único de Saúde – SUS para acompanhar e realizar partos anônimos no país.
"Ambos foram rejeitados sob a fundamentação de estarem sendo inobservados os direitos fundamentais da criança, resguardados pela Constituição de 1988, eis que não estaria sendo considerada como um sujeito de direito e merecedor de proteção especial", relembra a advogada.
Quanto ao Projeto de Lei 2.834/2008, apensado aos demais, definia o parto anônimo e sua implicação na perda do poder familiar. "Propondo a alteração do Código Civil, objetivava uma solução amparada legalmente e eficaz para o combate ao abandono e exposição da criança a condições insalubres. Conjuntamente, foi arquivado com os demais projetos fundamentados na inconstitucionalidade."
Proteção integral da criança
Publicada há quatro anos, a Lei 13.059/2017 discorre e determina normas que devem ser observadas na necessária discussão sobre o parto anônimo. As disposições atendem ao direito da proteção integral da criança, garantido pela Constituição, pelo ECA e dispositivos legais internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro.
"É evidente o cuidado do legislador para garantir o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar junto à genitora quanto a seu possível arrependimento e o direito ao sigilo sobre o nascimento, os quais se tornam relevantes ante ao respeito da escolha. Permite ainda que a genitora, caso deseje, seja acompanhada pela rede pública de saúde e assistencial, além de buscar a promoção de programas sociais e de saúde familiar", comenta Melissa Barufi.
A especialista frisa que o parto anônimo visa, principalmente, o bem-estar do menor. "Logo, não se vislumbra qualquer afronta à proteção da criança, mas, ao contrário, constatam-se mais uma tentativa de proteger o pequeno de eventual aborto ou abandono materno, encontrando eco no Direito de Família contemporâneo, comprometido com uma nova pauta principiológica e realizando a socioafetividade em detrimento dos ditames do biologismo."
Ela conclui: "Compreende-se, portanto, que o parto anônimo é compatível com a principiologia legal que resguarda o menor, sendo ainda benéfico à genitora, resguardando seus direitos e garantias antes inobservados".
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