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Abandono digital de pessoas idosas pode levar à exclusão social, alerta especialista
A sociedade está cada vez mais imersa no mundo virtual, cenário potencializado desde o ano passado, com a pandemia da Covid-19. Nesse contexto, pessoas idosas podem estar expostas ao abandono digital, tema geralmente abordado com um recorte às crianças e adolescentes. Com os mais velhos, o assunto perpassa por uma noção mais abrangente, abarcando inclusão tecnológica e orientação sobre os riscos por parte da família, com educação digital para segurança cibernética.
É o que defende a advogada Patrícia Novais Calmon, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. A atenção às pessoas idosas no ciberespaço envolve semelhança com a preocupação dispensada às crianças e adolescentes. Há diferenças, especialmente quanto ao fato de que os mais jovens já nasceram e se desenvolveram em uma sociedade ultraconectada e estão habituados a ela.
"O abandono digital de idosos se aproxima ao das crianças e adolescentes em razão da necessidade de proteção dos mais vulneráveis. Além disso, ambos retiram o seu fundamento normativo do artigo 229 da Constituição Federal, referente ao dever de cuidado dos pais em relação aos filhos menores e dos filhos quanto aos pais idosos, enfermos ou carentes", comenta Patrícia Calmon.
Segundo a especialista, o abandono digital de crianças e adolescentes seria a negligência dos pais no acompanhamento virtual dos filhos, principalmente no que concerne à segurança digital. "Há, nesses casos, um ato omissivo, pelo não cumprimento de um dever jurídico constitucionalmente imposto. Temas como cyberbullying, sexting e outros riscos são corriqueiramente mencionados pela doutrina como os principais riscos tecnológicos aos mais novos", explica.
A advogada defende que, embora os idosos estejam cada vez mais conectados, não se pode perder de vista a necessidade de inserção dos que eventualmente se encontram excluídos, até mesmo para o pleno exercício da cidadania e dos mais variados direitos fundamentais, como à educação, à profissionalização e à convivência familiar e comunitária.
"Recentemente, pela necessidade de cadastros virtuais para a vacinação da Covid-19, também o direito à saúde tem sofrido fortes influxos tecnológicos, o que potencializa a necessidade de inclusão desse grupo social. A família acaba ocupando papel central nesse cenário, onde a exclusão digital pode representar, em última análise, em exclusão social da pessoa idosa", destaca.
Golpes, exploração patrimonial e autonomia
De acordo com a advogada, as principais preocupações tecnológicas relacionadas às pessoas idosas perpassam pela análise do cyberbullying, que também atinge essa parcela da população, a existência de perfis falsos para exploração patrimonial e, ainda, a atenção aos mais variados golpes que usualmente atingem aqueles que possuem menor habilidade e experiência no uso de plataformas digitais.
Ela propõe qual deve ser o acompanhamento da pessoa idosa no ciberespaço, sem que isso interfira na sua autonomia. "Na análise de qualquer direito de titularidade dos idosos, duas são as premissas básicas que devem orientar a sua interpretação: a preservação da autonomia e o respeito ao envelhecimento ativo e saudável, que significa otimizar oportunidades para o exercício dos mais variados direitos fundamentais. Lembrando, ainda, que não podemos associar idade avançada com incapacidade, já que inexiste uma causalidade necessária entre os conceitos."
Por isso, diante da necessidade de inclusão digital do idoso, é indispensável que a sua autonomia seja sempre preservada, bem como o seu direito à privacidade, intimidade e ao respeito. "O abandono digital de pessoas idosas perpassa mais pela inclusão e orientação do que em efetivo acompanhamento do conteúdo consumido por aquela pessoa, já que tal noção pode ir de encontro com os referidos direitos."
"Diferentemente de crianças, onde o “controle parental” é um mecanismo bastante corriqueiro, no caso dos idosos, me parece que o ingresso sobre o conteúdo em si pode representar uma indevida violação à sua intimidade, principalmente estando diante de uma pessoa idosa e capaz."
Projetos de lei
Recentemente, alguns projetos de lei foram apresentados na Câmara dos Deputados buscando a proteção da pessoa idosa contra abusos e má-fé. É o caso do PL 5.475/2020 que cria campanha pública permanente de orientação aos idosos para prevenir golpes e abusos econômicos em empréstimos consignados, financiamentos, investimentos e seguros em geral, além do combate a crimes comuns.
"Sem dúvidas, poderá refletir positivamente na segurança digital de idosos, principalmente ao evitar um dos principais riscos tecnológicos, que é a existência de golpes que circulam pela internet e que atingem de maneira mais enfática pessoas que não possuem experiência e habilidade no manejo dos mais diversos instrumentos virtuais", comenta Patrícia Calmon.
Em março, ela leva palestra sobre o tema "Abandono digital de idosos" para o 1º Simpósio Virtual de Família e Sucessões do IBDFAM Uberlândia-MG. "Pretendo abordar as semelhanças e diferenças entre o abandono digital de crianças e adolescentes, os riscos associados, o conceito, implicações legais e, ainda, sua conexão com o abandono material e afetivo inverso", antecipa. Saiba mais sobre o evento.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br