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STF forma maioria para declarar inexistente direito ao esquecimento
O Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF concluiu, por maioria de votos, pela inexistência do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro. A tese, a primeira a ser fixada em 2021, repercute em temas como a busca de indenizações por afetados por matérias jornalísticas e na maneira como serviços de busca na internet indexam informações individuais.
A tese fixada foi: "É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício de liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível."
O leading case, o Recurso Extraordinário 1.010.606, se encaixa no primeiro caso. A família de Aída Curi pedia que a corte declarasse a Rede Globo como impedida de tratar o tema. A moça, morta em 1958 em um crime de feminicídio no Rio de Janeiro, foi retratada em um episódio do programa Linha Direta em 2004. Os Curi pediam indenização – e o direito a que a história não fosse mais tratada em público.
O ministro Dias Toffoli, em voto de 67 páginas, negou a possibilidade. Para o relator, admitir a proposta seria dar maior peso ao direito da vida privada sobre a liberdade de expressão. "Parece-me que, admitir um direito ao esquecimento, seria uma restrição excessiva e peremptória às liberdades de expressão e de manifestação de pensamento dos autores e ao direito que todo cidadão tem de se manter informado a respeito de fatos relevantes da história social", escreveu em seu voto.
O caso chegou à sua quarta e última sessão com os votos já proferidos pelo relator, pelos ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber (acompanhando integralmente). Edson Fachin (que considerou o direito existente, mas não cabível ao caso) e Nunes Marques (que considerou inexistente o direito, mas enxergou direito à indenização para Nelson Curi) eram vozes em parte ou em todo divergentes.
Em seu voto, Cármen Lúcia fez paralelos com tempos pré-Constituição de 1988. "Num país de triste desmemória como o nosso, discutir e julgar o esquecimento como direito fundamental, nesse sentido aqui adotado [...] pareceria, se existisse essa categoria, um desaforo jurídico para minha geração", disse a ministra, que nasceu em 1954. "O Brasil é um país cuja minha geração escolheu lembrar". Ricardo Lewandowski também acompanhou o relator.
Gilmar Mendes votou pelo provimento parcial ao caso, por considerar que seria passível a análise de indenização à família, ao considerar que a Globo expôs o caso de Aída de maneira vexatória. Para Gilmar, a análise deve ser feita caso a caso. Marco Aurélio Mello acompanhou o relator e Luiz Fux, presidente da corte, também.
A decisão contribui para o debate, mas não encerra o debate sobre o tema do "Direito ao Esquecimento', segundo o professor titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Anderson Schreiber. "A tese negou uma certa acepção de direito ao esquecimento, mas deixou muitas questões em aberto", disse. A decisão no leading case, segundo Anderson, pode permitir que a corte retorne ao tema para tratar casos sobre a proteção à privacidade, por exemplo.
"Isso ficou claro em votos como o do presidente, onde se faz a ressalva [do direito ao esquecimento] a 'informações que não gozam de interesse social e político'", ponderou o professor. Desta forma, temas que remontam a outros aspectos do chamado direito ao esquecimento podem voltar ao plenário da corte.
Por Guilherme Mendes – Repórter em Brasília
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