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Em livro, especialistas recorrem ao cinema para discutir temas persistentes e emergentes na relação entre Direito e Saúde
A advogada e professora Tereza Rodrigues Vieira, especialista em Bioética e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, coordenou o livro Cinema, Saúde e Direito: Reflexões bioéticas e críticas sociais, lançado pela Editora Zakarewicz no fim do ano passado. Na publicação, especialistas recorrem a títulos clássicos e recentes para abordar novos temas e questões ainda não superadas na sociedade contemporânea.
"A sétima arte desperta reflexões profundas, as quais contribuem para a transposição do espectador para a cena da telona, motivando o exercício da alteridade, ao se colocar no lugar do outro. A veracidade da cena impulsiona a afetividade e a emoção do espectador, o qual se projeta como personagem, identificando-se com os acontecimentos", observa Tereza.
Segundo a especialista, a conexão com o Direito resulta em um excelente recurso pedagógico. "Possibilita o compartilhamento de aprendizado ao gerar o debate e provocar discussões, complementando o conteúdo e vislumbrando inúmeras possibilidades. As pessoas veem o mesmo filme, porém realizam diferentes leituras. O mesmo se passa com a análise da realidade dos fatos."
O cinema consegue levar para a tela casos, visões do mundo e conflitos importantes para a observação e compreensão do comportamento humano diante de inúmeras situações que demandam a aplicabilidade do Direito. "O roteiro, a narrativa, o foco da câmera, a iluminação, a trilha sonora, o figurino, a direção, a interpretação podem conduzir o espectador a diferentes olhares. Assim, o cinema fomenta a subjetividade como recurso pedagógico, auxiliando o intérprete do Direito, estimulando o exame dos fatos e o desenvolvimento da argumentação jurídica."
Histórias atemporais
Para Tereza Rodrigues Vieira, filmes antigos também podem servir às discussões e estudos da contemporaneidade. É o caso de O Conde de Monte Cristo, romance clássico de Alexandre Dumas do século XIX, adaptado para a telona em mais de uma ocasião – a mais famosa é a versão de 2002. "Há temas que são persistentes, sobretudo aqueles que envolvem a pobreza, o poder, a moral religiosa, a injustiça e a vingança, os quais são estudados e contextualizados segundo suas realidades políticas, culturais, religiosas e sociais."
Outro exemplo citado pela coordenadora do livro é Doze Homens e um Segredo, que teve duas versões, em 1960 e 2001, e ainda comove diante do benefício da dúvida sobre a autoria de um crime. "As normas e comportamentos mudam, contudo, por vezes, a intolerância moral e religiosa ainda impera. A obra 1984, de George Orwell, era ficção científica quando foi escrita em 1949 e faz alguns anos já é realidade, basta lembrar que o reality show Big Brother Brasil está em sua 21ª edição."
Já Mar Adentro, de 2004, fala da eutanásia, tema antigo e que ainda gera acaloradas discussões hodiernamente. "Aborto também é um tema ainda bastante controverso. A teimosia dos intransigentes que se recusam a aceitar o próximo como ele é continua a discriminar em decorrência da etnia, como nos filmes Hakani, A Promessa e O Menino do Pijama Listrado, e de gênero e cor, como em Preciosa e A Cor Púrpura."
"O preconceito e discriminação por orientação sexual (presente nos filmes Amor por Direito, Boy Erased, Me Chame pelo seu Nome) e identidade de gênero (Mulher Fantástica e XXY), já um tanto apaziguados juridicamente, encontram ainda bastante resistência por parte dos fundamentalistas, os quais nutrem polêmica sem fim", cita Tereza.
A especialista reflete: "Muitos problemas e conflitos não desapareceram com o amparo jurídico-legal, apenas ficaram mais tolerados. Em razão disso, vez ou outra a vítima tem ainda que recorrer ao Judiciário para fazer valer a lei contra o racismo ou contra o exercício da diversidade sexual."
Os especialistas que compõem livro tratam ainda sobre assédio moral (O Diabo Veste Prada), pesquisa em seres humanos (Cobaias e O Jardineiro Fiel), a engenharia genética, o poder dos fabricantes de material hospitalar (Código de Honra), o reconhecimento da família multiespécie (Sempre ao Teu Lado), seleção de características do futuro bebê e eugenia (Uma Prova de Amor e Gattaca), criogenia (Projeto Lázaro), entre outras abordagens.
Para o contexto de 2021, a coordenadora da publicação destaca dois longas: "Capitão Fantástico fala sobre o homeschooling e o direito ao acesso à diversidade, tema em voga nesses tempos de pandemia. O reconhecimento cada vez maior do direito à objeção de consciência e da liberdade religiosa foi tratado no filme Até o Último Homem".
Inteligência artificial na Justiça
Há ainda, entre os verbetes, Eu, Robô, sobre o uso da inteligência artificial, área da Ciência da Computação que lida com o aprimoramento de máquinas e computadores cujo intuito maior é a capacidade de imitar a inteligência humana. Ambientado em 2035, os robôs são usados como empregados e assistentes dos humanos.
"Se pensarmos nas profissões jurídicas, na Estônia já se usa um 'juiz robô', o qual tem autonomia para julgar pequenas causas de até oito mil dólares, agilizando, assim, o seu sistema judiciário. Dessa forma, os juízes humanos podem usar seu tempo para julgar casos maiores e mais complexos", explica Tereza.
Sob essa ótica, um "juiz robô" agilizaria bastante o tempo, economizando dinheiro do Estado. A especialista faz ponderações: "Entendo que o Direito não pode se afastar da sua finalidade social, que é servir a sociedade, portanto, não deve ser inteiramente robotizado, com interpretação fria e seca da lei, distante da motivação de cada caso concreto".
"Fala-se também em inteligências artificiais conhecidas como 'advogados robôs', como por exemplo, software utilizado para pesquisas em documentos, o qual oferece ao advogado solicitante uma série de soluções, com eficiência e pouco risco pela exatidão contida nos dados. Em se tratando de vidas, toda situação merece ser analisada de forma individualizada, uma vez que apresenta peculiaridades. O objetivo do Judiciário não deve ser a produtividade, distanciada das partes e do processo, mas a justiça", defende Tereza.
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