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Especial Consciência Negra - Elisa Cruz: "O Direito precisa reverter seu histórico"
Nesta semana, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM apresenta uma série de entrevistas especiais sobre o Dia da Consciência Negra, celebrado na próxima sexta-feira, 20 de novembro. Até a data, membros do IBDFAM compartilham suas trajetórias na luta antirracista, destacando a importância do comprometimento de toda a sociedade com a causa.
A entrevista desta terça-feira (17) para o Especial Consciência Negra é com Elisa Cruz, professora e defensora pública do Estado do Rio de Janeiro. Por ser negra e ter a pele clara, o racismo atravessou sua trajetória de forma velada, como ela percebe atualmente.
“Quando olho para trás, vejo que muitos episódios de racismo aconteceram. Acho que o principal traço disso na minha vida foi que acabei não me assumindo como negra. Esse também foi o maior desafio. Sempre fui orientada, expressamente ou não, a me considerar branca ou embranquecida para tentar fugir do racismo”, avalia.
A tentativa de embranquecimento era tão somente um reflexo do preconceito já institucionalizado na sociedade, de acordo com a defensora pública. “Aquilo, em si, era uma violência, um traço do racismo, que busca não reconhecer o valor das pessoas negras e a sua chance de reverter a história deste país”, pontua Elisa.
Superação do passado escravista
Segundo dados do Atlas da Violência divulgados em agosto, a taxa de assassinatos de pessoas pretas no Brasil saltou de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes entre 2008 e 2018. Os números representam um aumento de 11,5% no período, enquanto os homicídios de não negros tiveram uma diminuição de 12,9%. Em 2018, 75,7% das vítimas eram negras.
Neste contexto de extrema violência, o Dia da Consciência Negra, celebrado em memória de Zumbi dos Palmares (1655-1695), líder contra a escravidão, tem sua importância reafirmada. “A data tem como ponto central chamar atenção ao histórico racista, ao desmerecimento das pessoas negras neste país e ao fato de que nunca conseguimos superar nosso passado escravista nem construir soluções sociais, políticas, jurídicas e econômicas”, define.
A luta, contudo, não deve estar restrita às ações afirmativas de novembro, como frisa a defensora pública. “Não podemos achar que só em novembro deve haver a celebração ou a reflexão mais profunda sobre o racismo. Isso tem que acontecer muito além do dia 20 de novembro. Durante todo o ano, precisamos valorizar as pessoas negras, sua produção intelectual e cultural, de trabalho nas várias áreas. É preciso incorporá-las e naturalizar sua presença em todos os espaços.”
Processo de desmerecimento e depreciação
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a proporção de jovens de 18 a 24 anos pretos ou pardos no ensino superior passou de 50,5% em 2016 para 55,6% em 2018. Entre os brancos, a proporção é de 78,8%. Na mesma faixa etária, o número de pretos e pardos com menos de 11 anos de estudo e que não estavam frequentando a escola caiu de 30,8% em 2016 para 28,8% em 2018, enquanto o índice para a população branca é de 17,4%.
“O que acontece no Brasil é um processo de desmerecimento, de depreciação. Precisamos nos olhar coletivamente e abrir mão de diversos espaços. Fazer uma reflexão muito profunda sobre a pessoa e a cultura negra para tirá-la desse lugar de inferioridade em que foi colocada por anos para que chegue a um patamar de igualdade”, frisa Elisa.
De acordo com a especialista, o Direito tem papel fundamental nessa discussão. Deve partir dos profissionais que atuam na área o enfrentamento à discriminação por raça ou etnia. “Precisamos subir o nível e acabar com a inferiorização especialmente dentro do Direito, que foi um dos instrumentos usados para manter a escravidão neste país”, afirma.
“O Direito precisa reverter seu histórico e colocar os traços, a pessoa e a cultura negra como tão importantes e essenciais para a construção do que é este país”, conclui Elisa Cruz.
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