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Homem enganado sobre paternidade pode anular registro de adolescentes, decide STJ
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ julgou procedente o pedido de um homem em ação negatória de paternidade das jovens registradas como filhas, atualmente com 18 e 15 anos de idade. Ele foi induzido ao erro à época do registro civil de sua suposta prole. Para o colegiado, a despeito da configuração da relação paterno-filial-socioafetiva por longo período, é admissível o desfazimento do vínculo registral, na hipótese de ruptura dos vínculos afetivos.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, observou que os filhos concebidos na constância da união estável foram registrados pelo autor da ação convicto de que realmente existia vínculo de natureza genética. Portanto, constatou-se situação de erro substancial, especialmente por não existir dúvida acerca do desconhecimento da inexistência da relação biológica pelo genitor ao tempo da realização do registro civil.
“Mesmo quando configurado o erro substancial no registro civil é relevante investigar a eventual existência de vínculo socioafetivo entre o genitor e a prole, na medida em que a inexistência vínculo paterno-filial de natureza biológica deve, por vezes, ceder à existência de vínculo paterno-filial de índole socioafetiva”, afirmou a ministra.
Ela ainda observou que, conquanto tenha havido um longo período de convivência e de relação filial socioafetiva entre as partes, após a realização do exame de DNA, todos os laços mantidos entre o pai registral e as filhas foram abrupta e definitivamente rompidos. “Situação em que a manutenção da paternidade registral seria um ato unicamente ficcional diante da realidade”, concluiu.
Desconstituição da relação socioafetiva
A decisão unânime do STJ chamou a atenção da comunidade jurídica. Para a advogada Fernanda Barretto, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o caso trata de um dos temas mais delicados no âmbito das relações familiares: a possibilidade ou não de desconstituição de um vínculo jurídico socioafetiva firmado entre um pai e uma prole, pela descoberta posterior de que o registro se deu por indução em erro.
“O posicionamento do STJ – e esse não é o primeiro acórdão do Superior Tribunal nesse sentido – foi autorizador da desconstituição, mas esse caso se destaca pelo fato de que a convivência socioafetiva entre pai e filhas foi prolongada – a filha mais velha tinha 11 anos quando o processo judicial foi iniciado”, avalia Fernanda.
Nesta terça-feira (27), a advogada participou de transmissão on-line ao vivo com o professor e juiz Pablo Stolze sobre o REsp 1.741.849. No encontro virtual, eles ressaltaram que o acórdão se firmou em três eixos argumentativos principais: a possibilidade jurídica, baseada sobretudo no artigo 1.601 do Código Civil – CC, de questionamento judicial do registro paterno-filial calcado em indução em erro; a violação da boa-fé subjetiva desse pai, que não sabia e não desejava ter assumido como sua uma prole que era biologicamente de outrem; o principal argumento, para o STJ, foi a ruptura da convivência socioafetiva do pai com as filhas, depois do resultado do DNA.
“Ressaltamos a dificuldade do tema enfrentado, bem como o fato de que nossa opinião ali era acadêmica e não critica à atuação da relatora ou dos demais ministros que participaram do julgamento, já que não tivemos acesso aos autos do processo, nem nos caberia fazê-lo”, destaca Fernanda.
Interesses das filhas
No encontro, a dupla de especialistas não perdeu de vista a dor e a decepção do pai, mas também avaliou se a decisão teve por esteio predominante a situação jurídica dele ou se contemplou os interesses das filhas. O questionamento leva a uma das controvérsias principais sobre o tema.
“Elas não concorreram para a situação que deu origem à sua filiação biológica (ou seja, estavam de boa-fé quanto à indução em erro) e sempre tiveram o homem que as registrou como a figura do pai, convivendo com ele como filhas por período essencial para a formação de suas personalidades, de sua história, e solidificando com ele, bilateralmente, o vínculo alicerçado na socioafetividade”, frisa a advogada.
Ela indaga: “A ruptura, por um pai, da convivência socioafetiva construída com seus filhos, tem o condão de romper efetivamente esse laço jurídico-familiar que une duas pontas? Decisão, por certo, dificílima, mas que nos impôs uma respeitosa e profunda reflexão acadêmica”, finaliza Fernanda Barretto.
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