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Retorno às aulas presenciais divide opiniões na sociedade e na Justiça
A pandemia do Coronavírus tirou crianças e adolescentes das escolas e impôs o ensino à distância à rede pública e privada. Diante da ainda alta taxa de transmissão da Covid-19, até mesmo a Justiça tem se dividido entre decisões que vetam e outras que permitem o retorno das aulas presenciais, ainda que seguindo as limitações recomendadas pelos órgãos de saúde.
No início de setembro, a 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, por exemplo, manteve autorização para retorno das atividades das redes públicas e privadas, ressaltando que a presença dos alunos deve ser facultativa. A juíza responsável negou pedido de sindicatos de professores para que fosse suspenso o retorno determinado pela Resolução 61 da Secretaria da Educação.
Já o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ suspendeu os efeitos do Decreto Municipal 47.683/2020, que autorizou a reabertura das escolas privadas de forma voluntária na capital fluminense. O desembargador que analisou a matéria observou a necessidade de preservar a vida e a saúde dos alunos, além de evitar o aumento da desigualdade perante a rede pública.
Presidente da Comissão da Infância e da Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Melissa Telles Barufi ressalta que já existem protocolos com medidas específicas de reinício das aulas presenciais. Contudo, a discussão ainda requer cautela, já que a Covid-19 segue fazendo vítimas de todas as idades pelo país.
“A análise dos pontos positivos e negativos da retomada das atividades escolares presenciais passa, inevitavelmente, pelos estudos médicos e científicos que permitiram a retomada de outros ramos e atividades na sociedade brasileira. Dito de outro modo, havendo a implantação dos protocolos de segurança e a fiscalização adequada para o cumprimento dos protocolos, a retomada às aulas meramente acompanharia o fluxo das retomadas graduais dos serviços e produtos prestados”, comenta Melissa.
Papel fundamental das escolas
A especialista destaca o papel fundamental da escola na vida e no desenvolvimento do ser humano, sendo o meio condutor do ensino e da formação humana, em todos os seus aspectos: social, físico e emocional.
“A escola exerce papel insubstituível no desenvolvimento motor, cognitivo, intelectual, emocional e social da criança e do adolescente. Por esta razão, o acesso à escola e à educação é considerado direito fundamental do cidadão e está garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 6º”, aponta.
Além disso, estudos da neurociência mostram que os seis primeiros anos de vida são decisivos para o desenvolvimento da linguagem, comportamento e aprendizagem. “Essa janela de aprendizado deve ser aproveitada, com a estimulação correta para o progresso do desenvolvimento, principalmente, na primeira infância”, defende Melissa.
“A estimulação correta, é feita através da abordagem e o trabalho técnico desenvolvido pelos profissionais aptos a este encargo, que estão nas instituições de ensino. Afora isso, é de conhecimento que a escola extrapola a educação de conteúdo curricular, pois cumpre papel social promovendo relações interpessoais e apoio emocional”, acrescenta a advogada.
Desigualdade social e situações de violência intrafamiliar
O ambiente escolar é também parte integrante da rede de proteção de crianças e jovens de todo país, que veem na escola o local de abrigo contra os maus tratos, abusos e negligências sofridas em casa. As divergências sobre o retorno às escolas perpassam, por essa e outras razões, fatores sociais e econômicos.
“Por não contarem com a escola como refúgio seguro enquanto os pais e mães trabalham, crianças ficam sozinhas em casa ou com cuidadores que não possuem qualificação para tal missão. Adolescentes perambulando pelas ruas, muitas vezes recebendo péssimas influências, contribuem para o aumento dos índices de evasão escolar”, avalia Melissa.
O ensino on-line também não atende às múltiplas realidades da população, que por vezes não dispõe dos aparatos tecnológicos necessários. “Tais competências são ainda mais necessárias nas populações menos favorecidas economicamente e são intangíveis por outras vias, que não as presenciais, muito pelo fato de que milhares de crianças não tem acesso à internet e estão alijados do ensino à distância.”
“Ainda, não se pode afastar os graves prejuízos emocionais e acadêmicos que as crianças e os adolescentes estão sofrendo. São inúmeros os casos de doenças psiquiátricas de variada intensidade, agravadas, na maioria das vezes, pelo estresse, depressão, violência doméstica e abuso físico, emocional e sexual, os quais atingiram níveis crescentes durante o período da pandemia”, ressalta Melissa.
Discussão “criteriosa, técnica e científica”
Em contraposição a esses argumentos, a advogada não perde de vista a necessidade de avaliar se o retorno das atividades escolares vai colocar em risco toda a população brasileira, com o aumento do número de infectados e, por consequência, a superlotação e colapso do sistema de saúde. Por isso, a discussão deve ser “criteriosa, técnica e científica”.
“Em um momento delicado como este, o pensamento deve ser o mais amplo possível, no intuito de garantir o melhor para toda a população. Sobre o ensino à distância, enquanto supre a ausência das aulas presenciais e busca fornecer conteúdo curricular às crianças e adolescentes em idade escolar, permite que as diferenças aflorem, entre os que podem e os que não podem ter acesso”, frisa.
O contexto tende a resultar na diferenciação no ensino, dentro de uma mesma classe escolar e entre estudantes com realidades econômicas distintas. “Por isso, a retomada das atividades escolares necessita de uma avaliação técnica para ponderar se, em conjunto com outros ramos da sociedade que já estão explorando as atividades, é capaz de garantir uma retomada segura, nos parâmetros dos protocolos de saúde”, ressalta Melissa.
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