Notícias
Podcast Direito de Família e Arte do IBDFAM traça panorama histórico do divórcio na Justiça brasileira
No episódio de agosto do podcast Direito de Família e Arte do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a escritora e historiadora Luciana Worms e a advogada Lígia Ziggiotti abordam a Emenda Constitucional 66/2010, que completou 10 anos em julho. O programa já está disponível no Soundcloud e no Spotify.
Concebida pelo IBDFAM, em parceria com o então deputado federal Sérgio Barradas Carneiro, a EC 66/2010 pôs fim a longos prazos para dissolução do casamento civil, beneficiando milhares de brasileiros que se separavam ou tinham processos pendentes, desobstruindo, assim, a quantidade de casos no Poder Judiciário. Mudanças legislativas como esta, no entanto, não surgem de uma hora para outra.
Contextualização
No novo episódio do podcast, Luciana Worms apresenta uma canção de Ataulfo Alves em que o artista aborda a polêmica do fim do casamento de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. Na música, segundo a especialista, o homem tem uma vida de orgias fora do casamento e a mulher, além de se sentir culpada pela infidelidade do marido, é punida pela sociedade e perde a guarda dos filhos por pensar em fazer o mesmo. É a partir desta referência musical que a escritora abre o debate sobre as questões históricas e jurídicas envolvendo a dissolução do casamento.
Lígia Ziggiotti, doutora em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná, adiciona que o episódio trata-se, fundamentalmente, da constante mutação do conceito de família. “A nossa viagem começa no Código Civil de 1916 e termina na Emenda Constitucional 66, de 2010, que finalmente facilitou o divórcio aqui no Brasil depois de tantos anos de um verdadeiro tabu relacionado à possibilidade das pessoas conseguirem desfazer, juridicamente, seu vínculo conjugal”, comenta.
No início do século, em 1916, como aponta Lígia, reinava o dogma da família legítima, matrimonializada, hierarquizada e patriarcal. Toda essa estrutura fazia com que fosse impensável romper um casamento na Justiça. Além disso, como aponta a advogada, “havia uma indissociabilidade entre relação conjugal e paterno-filial, o que significa que o Código Civil julgava os filhos pela relação que seus pais tiveram. Portanto, colocavam um crivo entre quem seria filho legítimo ou ilegítimo – a depender do matrimônio de seus pais”.
Discriminação por gênero
Os papéis familiares e sociais da época em questão eram inflexíveis e guiados pelas perspectivas de gênero. As mulheres eram geralmente colocadas em posição inferior na relação conjugal, discriminadas explicitamente. Lígia aponta que, de acordo com o Código Civil de 1916, “as mulheres casadas eram relativamente incapazes e não poderiam fazer parte de âmbitos da vida civil sem que houvesse assistência de seus maridos”.
Outros artigos davam conta de que, mulheres eventualmente grávidas de homens casados teriam grandes dificuldades em relação ao sustento da criança, evidenciando mais uma vez o contexto de vulnerabilidade a que permaneciam. “Não havia a possibilidade de uma mulher nesta situação ter o sustento financeiro do filho compartilhado com o genitor”, explica a especialista.
A pauta do divórcio
Transformações sociais, como a urbanização e os métodos contraceptivos, bem como os levantes dos movimentos feministas, começaram a contestar o dogma de que o casamento só poderia acabar com a morte de um dos cônjuges.
No entanto, como afirma Lígia, grupos antidivorcistas da época complicaram muito a entrada em vigor da Primeira Lei do Divórcio, que só chegou em 1977. Segmentos da sociedade acreditavam que dissolver o casamento iria contra os pilares da tradição, da propriedade e do valor da família brasileira.
Luciana, em seguida, conta que a bancada católica do Congresso Nacional era rígida no que tange ao Estatuto da Mulher Casada. “Se a Lei do Divórcio passasse, a bancada ameaçava endurecer ainda mais o Estatuto da Mulher Casada. Era uma coisa inimaginável”, lembra a escritora.
O “fim” também é direito
Diante de tantos empecilhos históricos para o divórcio, Lígia demonstra que é importante olhar o outro lado da moeda: formar famílias é um direito, mas desconstituí-las também é um direito fundamental. “Conjugalidades podem ser espaços de realizações, mas também podem ser espaços de violência, de opressão e simplesmente de perda de sentido compartilhado entre o casal”, diz.
A EC 66/2010, neste contexto, mudou todo o panorama jurídico ao dizer, simplesmente, que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio. Para você exercitar o direito do divórcio, segundo ela, basta manifestar essa vontade. “Não é necessário apresentar causa, cumprir prazo, ter aquela ideia de culpa pelo fim do relacionamento. O direito de se casar tem, portanto, tanta importância quanto o direito de se separar”, conclui.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br