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Retorno às escolas e aulas on-line dividem opiniões entre pais; autora de artigo sobre o tema opina
O retorno de crianças e adolescentes às aulas presenciais tem dividido opiniões entre os pais e em toda a sociedade. Governadores já falam em permitir a reabertura de escolas no segundo semestre, enquanto a pandemia do Coronavírus segue fazendo vítimas no Brasil. Nesta quarta-feira (22), o país atingiu a triste marca de 82 mil mortes pela Covid-19.
O afastamento escolar e a relativização da obrigatoriedade da matrícula da criança e do adolescente durante a pandemia foi tema de artigo escrito em abril pela advogada Mariane Bosa de Lins Neves, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. O texto abordou a suspensão das aulas presenciais na rede de ensino público e privado como medidas para promover o isolamento social.
Publicado no portal do IBDFAM há três meses, o artigo foi escrito em um dos primeiros momentos de enfrentamento à Covid-19 e também das análises de suas consequências no Direito das Famílias. No fim de abril, o Conselho Nacional de Educação – CNE aprovou diretrizes para orientar escolas da educação básica e instituições de ensino superior neste período.
Desigualdade social
“Muitas escolas tiveram que se adaptar ao sistema de aulas e atividades de forma on-line, o que, a meu ver, aumentou ainda mais a desigualdade social já existente em nosso país. Isso porque muitos estudantes não possuem computador, internet ou responsável para auxiliar nos estudos. Da mesma forma, também se verifica despreparo das instituições de ensino e dos professores em fornecer a educação de forma remota”, opina Mariane.
Ela observa que estados e municípios têm publicado decretos adiando o retorno das aulas presenciais, gerando uma falsa expectativa na população. O Ministério da Educação – MEC, por sua vez, divulgou em julho diretrizes de segurança para a volta às aulas presenciais.
“Dentre elas, uso de máscaras, distanciamento social de 1,5 m, medição de temperatura dos alunos, disponibilização de álcool gel, ventilação do ambiente, entre outras, sem estabelecer a data para o retorno. Essas normas não são suficientes para garantir que não haverá contágio da Covid-19 nas escolas”, defende Mariane.
Educação exige acompanhamento presencial
Segundo a advogada, a realização de aulas on-line não atende plenamente os direitos e as necessidades de crianças e adolescentes no acesso à educação. Ela aponta que, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, o uso excessivo de telas pode causar sérios danos físicos e psicológicos às crianças e adolescentes, como ansiedade, irritabilidade, depressão, transtornos de sono, de déficit de atenção e de alimentação.
“Ainda não vejo como fornecer educação a crianças e adolescentes de forma eficaz, sem o acompanhamento presencial um profissional. Prova disso é que o homeschooling não foi adotado no Brasil”, lembra Mariane.
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal – STF, ao analisar o tema de Repercussão Geral 822, sobre a possibilidade do ensino domiciliar, ministrado pela família, como meio lícito de cumprimento do dever de educação, previsto no artigo 205 da Constituição Federal, firmou a seguinte tese: “Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira.”
“Por isso, penso que o MEC deveria regulamentar de forma mais precisa esse ano letivo de 2020, ressalvando outros direitos fundamentais das crianças e dos adolescente, como a saúde, o lazer, a convivência familiar e comunitária, considerando que a reposição das aulas da forma como foi proposta, com aulas nas férias e nos finais de semanas, tais direitos estarão prejudicados”, observa Mariane.
Ela acrescenta que a superexposição às telas não diz respeito só às crianças: pais ausentes acirraram o uso excessivo do celular na frente dos filhos durante a quarentena, devido ao home office. “É imprescindível que os pais reservem um tempo para se dedicarem inteiramente aos filhos, fora do ciberespaço, para fortalecer a relação afetiva existente entre eles, que é essencial para o desenvolvimento saudável do ser humano. Crianças e adolescentes precisam de convivência, de cuidado e de afeto, que a tecnologia jamais irá substituir”, afirma Mariane.
Espaço de vigília e cuidado
A pandemia também atrasou a inicialização escolar de milhares de crianças. Mariane lembra que a escola é um espaço de vigília e de cuidado para crianças. “A obrigatoriedade a partir dos 4 anos serve mais para proteger e garantir os cuidados à criança do que o aprendizado propriamente dito, uma vez que nessa fase a criança aprende brincando com as vivências no dia a dia”, afirma.
Ela ressalta a importância do ambiente escolar para garantir o direito à convivência comunitária e o aprendizado quando à vida em sociedade. “A parte técnica, com um possível atraso no aprendizado teórico, não deve ser a preocupação dos pais neste momento. Já a parte emocional e de relacionamento sim, haja vista que a família está cada vez mais no seu núcleo, ao passo que, antigamente, se convivia mais com a família extensa e vizinhos. Com o isolamento, causado pela pandemia, isso se acentuou.”
O momento, diz Mariane, é de dar afeto e incentivar os mais jovens ao aprendizado independentemente do ano letivo. “A relação de afeto com a família é essencial no desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, pois é com ela que adquirirem confiança e segurança em si mesmos e no próximo. Com a tecnologia avançando cada vez mais, o profissional que se destacará no futuro é aquele que tiver inteligência emocional e souber se relacionar com as pessoas. Esse é o aprendizado que os pais, hoje, devem priorizar aos seus filhos”, sugere a advogada.
Mariane vê como pouco provável o retorno das aulas presenciais enquanto não houver segurança no controle da pandemia. “Autorizar adultos a saírem para trabalhar por sua conta é bem diferente do que possibilitar o retorno das aulas a crianças e adolescentes, colocando as suas vidas em risco”, destaca.
Ela lembra o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar os direitos da criança e do adolescente com absoluta prioridade, ressalvando-os de qualquer tipo de negligência. “Toda e qualquer decisão, primeiramente, deve observar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Neste momento, a prioridade é que estejam vivos e saudáveis”, assinala Mariane.
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