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Herança digital: especialista analisa recepção do tema no ordenamento jurídico
A herança digital está entre os temas emergentes quando se trata das repercussões da tecnologia no Direito das Sucessões. Após a morte, afinal, o indivíduo pode deixar um grande acervo digital, que inclui objetos de valor econômico – como criptomoedas e coleções de e-books, músicas, filmes e games – ou mesmo sentimental – entre fotografias, vídeos, mensagens e perfis em redes sociais.
Vice-presidente da Comissão de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado Marcos Ehrhardt Júnior aponta que a herança digital é um tema cada vez mais presente nos eventos jurídicos e trabalhos sobre os impactos da tecnologia no campo das relações privadas. O primeiro desafio, contudo, é preencher a expressão de significado, segundo o especialista.
“Existem diferentes pontos de vista para o que se deve considerar ‘herança digital’. Prefiro me referir aos problemas da transmissão de bens digitais causa mortis”, esclarece Marcos. “Muito do dissenso diz respeito a compreensões diversas sobre o que deveria compor o acervo de bens digitais, especialmente quando nos deparamos com a exploração econômica de bens personalíssimos como, por exemplo, o uso da imagem em plataformas digitais e redes sociais.”
Segundo Marcos, já existem precedentes judiciais que tratam do acesso a contas digitais de uma pessoa falecida. “Nos próximos anos, problemas envolvendo titularidade de criptomoedas, milhas aéreas e pontos em programas de fidelidade, acervo de livros e músicas digitais, além de controvérsias sobre a exploração econômicas de canais de vídeo e contas pessoais em redes sociais, devem se intensificar no Judiciário, que infelizmente, não parece estar preparado para lidar com toda a complexidade de tais situações”, atenta Marcos.
Ele afirma que, na ausência de normas específicas sobre o assunto na legislação brasileira, o maior desafio é aplicar regras e princípios concebidos para um mundo analógico a situações em que não há suporte físico e que acontecem, por exemplo, no tráfego de dados da rede mundial de computadores.
Direito à privacidade
O acesso à herança digital, por vezes, esbarra no direito à privacidade do falecido. Muito do que está disposto virtualmente diz respeito à intimidade de cada um, não sendo adequado sua disposição a terceiros, ainda que ascendentes ou descendentes. Por essas razões, a discussão também divide opiniões no meio jurídico.
“Precisamos identificar e distinguir bens digitais de conteúdo econômico – titularidade de um livro eletrônico, por exemplo – da expressão pessoal do indivíduo no universo virtual. Todos nós temos uma persona digital, vale dizer, uma expressão do exercício de nossa personalidade, direito indisponível e intransmissível, no universo virtual”, difere Marcos Ehrhardt.
Ele pontua que não podemos tratar todas as situações virtuais da mesma forma. “Quem utiliza o direito à privacidade como forma de limite à transmissibilidade dos ‘bens digitais’ está justamente buscando conferir tratamento distinto a cada uma das situações, o que nem sempre é fácil de identificar, pois vivemos no tempo da “sociedade do espetáculo”, no qual muitos de nós, voluntariamente, abdicam de suas expectativas de privacidade e buscam retorno financeiro com tais comportamentos”, avalia.
Pandemia do Coronavírus impactou a discussão
A discussão ganhou novos contornos com a pandemia do Coronavírus, segundo o especialista. Ele observa que o grande número de mortes provocadas pela Covid-19 provocou reflexões sobre a finitude da vida e questões que não estão devidamente ajustadas pela maior parte da população.
“Muitos se voltaram para temas de Direito das Sucessões envolvendo o planejamento sucessório, que atualmente engloba o destino dos bens digitais. Com a efetiva possibilidade de adoecer e não resistir à doença em um curto espaço de tempo, várias pessoas se deram conta que nunca dialogaram com seu núcleo familiar mais próximo sobre seus desejos e expectativas para o caso de uma morte prematura”, avalia Marcos.
Ele lembra que a recomendação de isolamento social também impôs que diversos procedimentos migrasse para o ambiente virtual, crescendo a presença do meio digital no dia a dia das pessoas. “Se estamos utilizando mais ferramentas tecnológicas e com grande receio do futuro, podemos dizer que a pandemia intensificou a procura por instrumentos que melhor disciplinem o destino desses bens”, acrescenta Marcos.
I Conferência de Família e Tecnologia do IBDFAM
Em 30 de julho, será realizada a I Conferência de Família e Tecnologia do IBDFAM, que marca o lançamento da Comissão do Instituto sobre o tema, presidida pela advogada Patrícia Corrêa Sanches. Vice-presidente da Comissão, Marcos Ehrhardt ministrará palestra sobre “Tecnologias aplicadas ao Direito Sucessório”.
“Para além dos problemas relativos à herança digital, deve-se levar em conta questões de avaliação monetária de bens digitais e a utilização de ferramentas tecnológicas para a prática de atos no campo do direito sucessório, como o codicilo e o testamento. Vamos conversar um pouco sobre esses pontos durante a conferência”, detalha o advogado.
O evento on-line será realizado por meio da plataforma Zoom, das 16h às 18h30. A programação reúne especialistas do IBDFAM, com palestras sobre as principais abordagens relativas ao tema Família e Tecnologia. Inscreva-se!
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br